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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 23, 1-12)

Naquele tempo, Jesus falou às multidões e aos seus discípulos e lhes disse: “Os mestres da Lei e os fariseus têm autoridade para interpretar a Lei de Moisés. Por isso, deveis fazer e observar tudo o que eles dizem. Mas não imiteis suas ações! Pois eles falam e não praticam. Amarram pesados fardos e os colocam nos ombros dos outros, mas eles mesmos não estão dispostos a movê-los, nem sequer com um dedo.

Fazem todas as suas ações só para serem vistos pelos outros. Eles usam faixas largas, com trechos da Escritura, na testa e nos braços, e põem na roupa longas franjas.

Gostam de lugar de honra nos banquetes e dos primeiros lugares nas sinagogas. Gostam de ser cumprimentados nas praças públicas e de serem chamados de Mestre. Quanto a vós, nunca vos deixeis chamar de Mestre, pois um só é vosso Mestre e todos vós sois irmãos. Na terra, não chameis a ninguém de pai, pois um só é vosso Pai, aquele que está nos céus. Não deixeis que vos chamem de guias, pois um só é vosso Guia, Cristo. Pelo contrário, o maior dentre vós deve ser aquele que vos serve. Quem se exaltar será humilhado, e quem se humilhar será exaltado”.

Reflexão

No Evangelho de hoje, Jesus fala do poder magisterial dos doutores da Lei e dos fariseus: “Eles têm autoridade para interpretar a lei de Moisés”. Isso nos dá a ocasião de refletirmos um pouco sobre o que é o Magistério na Igreja. Estamos num tempo em que as pessoas perderam a noção do que é realmente a verdade. A verdade é algo que está na estrutura do ser das coisas. Então, quando alguém ensina, quando alguém exerce magistério, está iluminando a nossa inteligência, seja pelo magistério das ciências naturais, seja pelo magistério da revelação sobrenatural. Nós estamos sendo iluminados, não interessa por que luz, se é luz natural ou luz sobrenatural, estamos sendo iluminados para vermos a realidade, algo daquilo que é a estrutura do real. Claro, a verdade permanece sempre um grande mistério, mas nós somos “capax”, somos capazes de enxergar algo da verdade. Isso é uma coisa que, no entanto, está bastante confusa por causa de um sujeito que viveu na Idade Média, chamado Guilherme de Ockham.

Guilherme de Ockham achava que a verdade não estava no ser das coisas, mas que as coisas eram boas ou más, verdadeiras ou falsas, a partir de um decreto de Deus, da onipotência divina. Então, para Guilherme de Ockham, Deus teria o poder de decretar que dois mais dois são igual a cinco. No entanto, Deus não tem esse poder. Seria a mesma coisa que dizer que Deus tem poder de cometer suicídio. Ele não tem poder de ir contra a estrutura do ser, que é Ele mesmo. Portanto, existem coisas que Deus pode perfeitamente: Deus poderia criar as plantas com folhas azuis ao invés de verdes, ou na cor que Ele quisesse. Deus poderia criar as plantas com todas as cores do arco-íris. No entanto, escolheu o verde. É algo que Ele simplesmente quis.

Mas acontece que existe algo na estrutura do ser das coisas que Deus não vai querer. “Mas, padre, para Deus tudo é possível!” Sim, tudo é possível; mas o nada não é possível. Aquilo que está fora da estrutura do ser não pode se realizar. Para entender o que é o magistério na Igreja, precisamos entender que Deus é a fonte do ser, e que quando conhecemos a verdade, conhecemos algo da estrutura do ser. E Deus não muda a estrutura do ser porque Ele não comete suicídio. Ele não vai agir contra si mesmo. E não adianta você dizer: “Quem sabe, em planetas distantes, dois mais dois são igual a cinco”. Em planetas distantes, dois mais dois sempre serão quatro porque está na estrutura do real!

Isso quer dizer que existem coisas que Deus tem o poder de alterar, mas existem outras que nem Deus irá alterar porque são manifestação de sua estrutura, daquilo que é o mistério infinito do ser e que não muda. Por exemplo, que o ser é e o não-ser não é; isso é algo que Deus não tem como mudar. Essa é a primeira realidade que os seres humanos, hoje em dia, não conseguem enxergar. Existem coisas que dependem de um querer maravilhoso e misericordioso de Deus, e outras que não são imutáveis, porque são a própria estrutura da realidade.

Ora, para Guilherme de Ockham, tudo pode ser mudado a qualquer momento pelo arbítrio. Tudo é “direito positivo”. Deus poderia dizer que odiar a Deus é virtude e amar a Deus é pecado. Ele poderia inverter a realidade, segundo Guilherme de Ockham. Deus poderia decretar que o mandamento “Não matará” fosse o inverso: para entrar no céu, você tem de matar todo o mundo e, se não matar, você irá para o inferno. Para Guilherme de Ockham, seria assim: Deus poderia mudar tudo; Deus poderia, na sua onipotência, fazer com que a virtude fosse odiar a Deus, com que a virtude fosse matar os homens, com que a virtude fosse cometer adultério; Deus o poderia, por um decreto; Deus teria este poder. O que é um absurdo.

Ora, nós sabemos que este poder não está em Deus, porque o mandamento de amar a Deus sobre todas as coisas é um mandamento que brota da estrutura do ser das coisas. Não amar a Deus, que é a fonte do meu ser, é destruição objetiva. Ou seja: como é que eu posso continuar, ser feliz e realizar-me odiando aquilo que me sustenta no ser e que é a fonte do meu ser? Guilherme de Ockham, na prática, está cortando o galho no qual está sentado. Deus não pode decretar que a virtude é odiar. Deus não tem esse poder. Uma vez que entende isso, você percebe então qual é o serviço do Magistério.

O serviço do Magistério não é um serviço de, com uma palavra, criar o ser: “Faça-se”, e de repente, então, um Concílio ecumênico se reúne e decreta que existe uma quarta pessoa na Santíssima Trindade. Isso é maluquice. Um Concílio não tem esse poder. De repente, um Papa decreta que Deus não está mais na Eucaristia. Isso é maluquice. Ele não tem esse poder. Por quê? Porque o magistério é simplesmente um humilde serviço de atestar, com assistência divina, aquilo que está no ser; mas o mundo moderno não entende isso. Os jornais esperam o quê? Esperam o dia em que vai se reunir o Concílio Vaticano III e decretar tudo ao contrário do que a Igreja sempre ensinou, porque essa suposta assembleia de bispos teria o “poder de mudar”.

Não, o Magistério não tem o poder de, com a sua palavra, mudar as coisas, principalmente aquelas coisas que nem mesmo Deus tem o poder de mudar. E outras coisas que Deus teria o poder de mudar, mas, por sua liberdade maravilhosa e soberana, Ele escolheu que fossem assim, não vai ser um poder humano que as vai mudar. Portanto, o que é o Magistério? O Magistério é um humilde serviço de atestar, na coerência e na sintonia com os dois mil anos da história da Igreja, que a verdade está aqui, o ser está aqui; nós, homens de Igreja, não podemos mudá-la, apenas servi-la.

Sobre o magistério da Igreja [1]

[Existência e natureza do magistério autêntico]. — Para que a Igreja santamente cumprisse o ofício de pregar fielmente a todas as nações o anúncio evangélico, o seu divino Fundador fez de sua dileta esposa mestra fidelíssima de sua verdade e, pelo Espírito Santo, a enriqueceu com o carisma de indefectível verdade [2]. Daí que ela sempre tenha sabido e instantemente proclamado ser no mundo a coluna e o sustentáculo da verdade (cf. 1Tm 3, 15) [3].

Como princípio próximo e órgão perpétuo desta indefectível verdade, o Senhor constituiu o magistério autêntico da Igreja, o qual foi encarregado de manter íntegro o depósito da fé, fielmente expô-lo e sempre guardá-lo imune de todo erro [4]. Aos Apóstolos, com efeito, e a seus sucessores prometeu o dom peculiar do Espírito Santo, que os faria testemunhas da verdade evangélica até os confins da terra (cf. At 1, 8); transmitiu-lhes o poder de ensinar com autoridade, ao dizer: “Ide pois e ensinai todas as nações… ensinando-as a guardar tudo o que vos mandei” (Mt 28, 18s); e garantiu-lhes por fim o Espírito da verdade (cf. Jo 14, 16s; 16, 12ss) e sua própria presença, que há de durar até o fim do século (cf. Mt 28,20), em virtude da qual, ao ensinarem a grei, estariam premunidos contra todo erro [5].

Existe pois na Igreja um magistério vivo e perene, ao qual foi entregue o múnus de ensinar com autoridade em nome de Cristo em matéria de fé e moral [6]. Quem ouve este magistério, ouve não a homens mas a Cristo docente, conforme as palavras dele mesmo, ao dizer: “Quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita” (Lc 10, 16) [7]; e, a ele aderindo, o povo fiel é conservado na verdade evangélica. O próprio Cristo Senhor, com efeito, que está sempre nos céus qual Cabeça de seu corpo místico, ilumina a Igreja inteira, enviando a todos os seus membros — aos pastores, para que ensinem; aos fiéis, para que acolham e convenientemente entendam a palavra de Deus — o Espírito da verdade que prometera, a fim de afastar todos do erro e conduzi-los ao conhecimento e à profissão da verdade divina [8].

A prerrogativa de infalibilidade de que o magistério da Igreja, ao ensinar, está provido distingue-se do carisma de inspiração, nem se ordena a que a Igreja seja de algum modo enriquecida com novas revelações, mas a que o depósito da fé, transmitido pelos Apóstolos quer por escrito, quer de viva voz, seja na Igreja integralmente custodiado, pregado, transmitido [9] e mais explicado com o passar do tempo, sempre no mesmo sentido e na mesma sentença [10].

[Objeto do magistério autêntico]. — O magistério autêntico da Igreja se ocupa sobretudo de pregar, guardar e interpretar a palavra de Deus escrita ou transmitida; mas se estende também, com a mesma autoridade, a todas aquelas coisas que, embora não reveladas, estão contudo de tal modo conectadas com as reveladas, que são necessárias para guardar integralmente o depósito da fé, devidamente explicá-lo e eficazmente defendê-lo [11]. Ora, porque este mesmo magistério é ministério de salvação, pelo qual se ensina aos homens a via que devem seguir para que possam alcançar a vida eterna, por isso lhe competem o múnus e o direito de interpretar e infalivelmente declarar não só a lei revelada mas também a natural, que foi assumida na revelada, e de julgar da conformidade objetiva de todas as ações humanas com a doutrina evangélica e a lei divina. Não há, por conseguinte, nenhum âmbito das ações humanas que, sob o aspecto ético e religioso, possa subtrair-se à autoridade do magistério instituído por Cristo [12].

Notas

  1. Excertos de Acta et Documenta Concilio Oecumenico Vaticano II Apparando, Series II (= Præparatoria), vol. 2 (Acta Commissionum et Secretariatuum præparatoriorum Concilii Oecumenici Vaticani II, Pars I), Typis Polyglottis Vaticanis, 1969, pp. 162-170. (Versão port. cedida pelo tradutor.)
  2. Cf. Pio IX, Encíclica “Qui pluribus”, de 8. nov. 1846: Pii IX P. M. Acta. Pars I, vol. 1, p. 9; Leão XIII, Encíclica “Satis cognitum”, de 29 jun. 1896 (ASS 28 [1895-6] 721-723); Pio XI, Encíclica “Divini illius Magistri”, de 31. dez. 1929 (AAS 22 [1930] 53-54).
  3. Cf. Concílio de Trento, Sess. XIII, c. 1 (D 874); Gregório XVI, Encíclica “Singulari vos”, de 25 jun. 1844 (D 1617); Leão XIII, Encíclica “Sapientiæ christianæ”, de 10 jan. 1890 (ASS 22 [1889-90] 398); Pio XI, Encíclica “Divini illius Magistri”, de 31 dez. 1929 (AAS 22 [1930] 53). Nestes textos é explicitamente citado o texto de 1Tm 3,15.
  4. Cf. Leão XIII, Encíclica “Satis cognitum”, de 29 jun. 1896 (ASS 28 [1895-96] 717-721); Pio XII, Bula dogmática “Munificentissimus Deus”, de 1 nov. 1950 (AAS 42 [1950] 756-757).
  5. Estes são os principais textos da Sagrada Escritura em que, nos documentos anteriormente citados, sobretudo na Encíclica “Satis cognitum”, se fundamenta a autoridade do Magistério autêntico e infalível da Igreja.
  6. Cf. Leão XIII, Encíclica “Satis cognitum”, de 29 jun. 1896 (ASS 28 [1895-6] 721): “Por esse motivo, instituiu Jesus Cristo na Igreja um magistério vivo, autêntico e perene, ao qual proveu de sua própria autoridade, aparelhou com o espírito da verdade, confirmou com milagres, e cujos preceitos doutrinais quis e com máxima gravidade ordenou fossem acolhidos como iguais aos seus”; Pio XII, Encíclica “Orientalis Ecclesiæ”, de 9 abr. 1944 (AAS 36 [1944] 144).
  7. Cf. Pio XII, Encíclica “Humani generis”, de 12 ago. 1940 (AAS 42 [1950] 568).
  8. Cf. Pio XII, Encíclica “Mystici Corporis”, de 29 jun. 1943 (AAS 35 [1943] 216), onde se trata do influxo iluminativo de Cristo Cabeça sobre a Igreja toda e de seus diversos modos.
  9. Cf. Concílio Vaticano I, Constituição “Pastor æternus”, c. 4 (D 1836); e o Schema preparatório da segunda Constituição dogmática De Ecclesia Christi, corrigido segundo as observações dos RR. PP. (por P. Kleutgen), c. 7: Mansi 53, 313.
  10. Cf. Pio XII, Bula dogmática “Munificentissimus Deus”, de 1 nov. 1950 (AAS 42 [1950] 757-758).
  11. Cf. o Schema preparatório (primeiro) da Constituição dogmática De Ecclesia Christi para o Concílio Vaticano I, c. 9: Mansi 51, 542-543, e o Schema da segunda Constituição dogmática De Ecclesia Christi, corrigido segundo as observações dos RR. PP., c. 7: Mansi 53, 313. — A fórmula com que se indica o objeto secundário do magistério autêntico foi tirada de um texto em que o Revm.º Gasser explica o objeto secundário do magistério do Sumo Pontífice: cf. Mansi 52, 1226.
  12. Em documentos mais recentes do magistério, fala-se especialmente de sua autoridade para explicar e aplicar a lei natural, a qual é aqui mencionada porque, nas circunstâncias atuais, dá ensejo a maior dificuldade e tem a máxima necessidade. — Cf. Leão XIII, Encíclica “Sapientiæ christianæ”, de 10 jan. 1890 (ASS 22 [1889-90] 395-398); Pio XI, Encíclica “Quadragesimo anno” de 15 mai. 1931 (AAS 23 [1931] 190-191); Pio XII, Comunicado radiofônico no 50.º aniversário da Encíclica “Rerum novarum”, de 1 jun. 1941 (AAS 33 [1941] 196-197); Id., Alocução “Magnificate Dominum mecum” de 2 nov. 1954 (AAS 46 [1954] 671-673). — As palavras do texto foram tiradas, quase literalmente, da Encíclica “Divini illius Magistri”, de 31 dez. 1929 (AAS 22 [1930] 53-54), onde se citam e aprovam estas palavras do Papa São. Pio X: “[A Igreja] foi constituída por seu Divino Autor coluna e sustentáculo da verdade, a fim de ensinar a todos os homens a fé divina, guardar íntegro e inviolado o depósito que lhe foi entregue e dirigir e conformar os homens, suas associações e ações à honestidade dos costumes e à integridade de vida, segundo a norma da doutrina revelada”.

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