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Contra quem estamos lutando?

Nem todas as pessoas pecam por fraqueza ou ignorância. Quando Judas Iscariotes traiu Jesus e os príncipes dos sacerdotes o condenaram à morte, estava em ação um conluio verdadeiramente demoníaco. A malícia é a “marca registrada” de Satanás.

Texto do episódio
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Bem-vindo ao nosso Retiro de Semana Santa. Nestes dias, eu gostaria de conduzir você numa meditação, para que enxergue espiritualmente a profundidade do que celebramos todos os anos na Páscoa. 

Nós estamos no centro do ano litúrgico, núcleo da nossa fé — algo tão importante que a Igreja faz questão de repetir todos os dias com o santo sacrifício da Missa, renovação incruenta do sacrifício redentor de Jesus no Calvário —, e o tema deste retiro será a luta de Cristo com Satanás e seus demônios. 

Talvez você ache a abordagem um pouco inusitada e incomum para a Semana Santa, mas a palavra “redenção”, do latim redemptio (redimere: re, “de novo”, mais emere, “comprar”), significa justamente “comprar de volta”. E o que é que Jesus comprou de volta com sua Paixão, Morte e Ressurreição? A humanidade escravizada pelo pecado. É uma metáfora usada para expressar uma verdade. É como se Lúcifer e seus anjos fossem de fato “proprietários” dos homens, e nós, seus escravos. Como essa escravidão de fato se dá, é matéria para a Teologia. Mas que exista um verdadeiro domínio dos demônios sobre cada ser humano que vem ao mundo; e que Jesus tenha vindo nos redimir, isto é, tirar-nos do domínio deste mau senhor que nos escravizava e conduzia à morte, para nos colocar debaixo do seu senhorio — tudo isto é a mais pura verdade. Por isso o chamamos de “Senhor”.

O assunto é importante, oportuno, porque as pessoas em geral parecem ter perdido a noção do que seja a maldade. Há até uma conversa, hoje em dia, de se “reabilitar” o demônio, “dar uma chance” ao inimigo de Deus, como se ele pudesse se arrepender do pecado que cometeu. É a reedição de uma antiga heresia chamada apocatástase, segundo a qual, no fim, Deus perdoaria os anjos maus e eles se converteriam. Orígenes, no século III, pensava assim. A Igreja, porém, condenou essa forma de pensar, pois, pela própria natureza dos anjos, é impossível que eles voltem atrás. 

Nós, seres humanos, temos dificuldades em entender isso porque nos faltam as noções de malícia, que é o pecado próprio dos demônios; e de sacrifício, que foi o que Jesus ofereceu por nós na Cruz, e o que também os anjos maus deveriam ter oferecido — justamente por não oferecerem, eles se tornaram maus e se perderam.

Esse é mais ou menos o “sumário” do que iremos tratar neste retiro. Agora, meditemos.

O pecado de malícia

Está na moda olhar para a Paixão de Cristo, para todas as maldades que Ele sofreu na Cruz, e dizer: “Ah, Deus é misericórdia… Então nós não podemos dizer que Judas foi condenado ao Inferno, nem que Pilatos, Herodes e os sumos sacerdotes foram para lá, porque eles podem ter recebido o perdão divino antes de morrer”. Bem, é nisso que o diabo quer que você acredite. Mas o pecado de malícia precisa ser compreendido. Nós não devemos cometer o erro de medir os demônios pela nossa própria medida. 

Veja: você, como bom católico, que está assistindo a esse retiro, certamente sabe o que são pecados de fraqueza e de ignorância, pois 99% dos pecados que as pessoas apresentam em Confissão são dessa natureza. (As pessoas que pecam por malícia geralmente não vão ao confessionário.) 

O que é pecar por fraqueza? É quando você, por mais pregações que escute, por mais catequese que faça, por mais Missas que frequente, por mais orações que reze, movido por uma paixão, um sentimento, acaba cedendo a uma tentação e desejando o mal a alguém, cobiçando a mulher alheia, tomando o que não é seu etc. Foi assim o pecado de Pedro. Traído por seu sotaque, ele se acovarda diante da criada do sumo sacerdote e nega a Jesus, com medo de morrer. Coisa muito diferente fez Judas Iscariotes, que entregou Jesus sem que paixão alguma o incitasse a isso. Assim como os demônios, que não pecam movidos por emoções, Judas cometeu um pecado de malícia — mais grave que o de fraqueza. 

Outra coisa é o pecado de ignorância. Ao ser pregado na Cruz, Nosso Senhor diz: “Pai, perdoai-lhes, eles não sabem o que fazem” (Lc 23, 34). Essa oração era pelos soldados que estavam no Calvário, muitos dos quais provavelmente não sabiam da divindade de Cristo. Eles estavam pecando, é claro — os requintes de crueldade que usaram no tratamento com Jesus, flagelando-o violentamente, coroando-o de espinhos, escarnecendo dele, eram injustificáveis —, mas a maior parte deles pensava estar fazendo mal a um ser humano, e não ao próprio Deus encarnado. Ou seja, havia uma ignorância ali. Nos anjos maus, porém, não havia ignorância alguma ao pecar. E também os chefes dos judeus, ao condenar Jesus, agiram satanicamente, com grande malícia.

Veja-se, para ilustrar o caso, o capítulo 11 do Evangelho de São João: Jesus ressuscitara Lázaro e, por causa disso, muitos judeus começaram a acreditar nele. Como consequência, o que decidiram fazer os sumos sacerdotes? Matar Lázaro! Eles não queriam somente matar Jesus, mas também sumir com Lázaro — o que, no fundo, é a confissão de sua malícia, o atestado de que eles sabiam perfeitamente quem era Jesus. Ora, pense bem: você é sumo sacerdote no Templo de Jerusalém; sua “profissão” é esperar o Messias; você é versado na Lei e nos Profetas, sabe todos os sinais que acompanharão a vinda do Messias; daí, quando surge um homem que prega com autoridade, leva uma vida santa, realiza milagres e expulsa demônios, cumprindo tudo que foi dito pelo Antigo Testamento — como é possível que você não o reconheça? E se não o reconhece… por que então ir atrás de Lázaro? Os chefes dos judeus sabiam, sim, pois, que Jesus vinha de Deus. Seu pecado é muito mais grave que o dos guardas romanos. Eles tinham pleno conhecimento de quem estavam matando.

E se podemos dizer isso dos sumos sacerdotes, o que sobra para Judas Iscariotes? Anás e Caifás não conviveram três anos com Jesus; Judas, sim. Anás e Caifás não tinham Jesus pregando dia e noite aos seus ouvidos; Judas teve. Anás e Caifás não cearam com Jesus na Última Ceia; Judas partilhou com Cristo o mesmo pão (cf. Sl 40, 9). Anás e Caifás não receberam de Jesus o poder de expulsar demônios; Judas, sim: “Senhor, até os demônios se submetem a nós por causa do teu nome!” (Lc 10, 17). Judas sabia quem era Jesus! Não foi por fraqueza ou ignorância que ele agiu, mas por malícia.

Quando não se entende isso, dificilmente se compreende a batalha que Jesus travou contra os demônios do alto da Cruz. Pois os anjos maus não são “medíocres” como nós no pecado. Se (que Deus não permita) algum de nós vier a se condenar, não será para o nono círculo do Inferno, onde Lúcifer em pessoa abocanha Judas Iscariotes — como retrata A Divina Comédia de Dante. Com nossos pecados, não seremos um “prato suculento” para o demônio, como um Adolf Hitler ou um Joseph Stálin, mas tão somente carne “de segunda” — na linguagem de C. S. Lewis. No entanto, se não nos arrependermos deles e não levarmos uma vida na graça, nós estaremos sob o domínio desse anjos maldosos, de pura malícia. 

Segundo São Pedro, “o vosso adversário, o diabo, rodeia como um leão a rugir, procurando a quem devorar” (1Pd 5, 8). Mas ele só pode machucar quem se subtrai à autoridade de Deus. Quando Adão e Eva pecaram, no paraíso terrestre, eles agiram como aquela criança que desobedece aos pais, atravessa a rua e é atropelada. Voltando as costas para Deus, eles se colocaram no raio de ação do inimigo, tornaram-se vulneráveis a ele. Que você, pessoalmente, peque por fraqueza ou ignorância, não interessa; o primeiro rebelde é malicioso desde o princípio. Satanás não é “fraco” nem ignorante, ele é mau e quer o nosso mal — e é contra essa maldade que Jesus veio lutar. Não à toa seu ministério público começa no deserto, com as tentações — Evangelho que a Igreja proclama todo 1.º Domingo da Quaresma. 

Também nossa luta é contra esses espíritos malignos, que querem nos arrastar para o Inferno. “Não é contra o sangue e a carne” (Ef 6, 12). Se você não está atento a isso, saiba: os demônios estão. Eles não têm outro trabalho senão buscar a nossa perdição eterna. Essa informação não é para nos deixar “paranoicos”. Os anjos decaídos não têm poderes ilimitados. São como cães atados a uma corrente, que só atacam quem deles se aproxima. Eles vão até onde Deus permite — e onde sua imprudência e estupidez conduzem você.

Por outro lado, como vimos em Judas Iscariotes e nos sumos sacerdotes, há seres humanos que se assimilam aos demônios pelos pecados de malícia que praticam. Era a isso que Jesus se referia ao falar da “blasfêmia contra o Espírito Santo”. Se os pecados de fraqueza se cometem contra o Pai, por ser Ele todo-poderoso; e os pecados de ignorância se fazem contra o Filho, por ser Ele a Sabedoria eterna de Deus; por analogia, por apropriação (como se diz em Teologia), pode-se dizer que os pecados de malícia se cometem contra o Espírito Santo, por ser Ele a Pessoa da Trindade mais associada ao bem, à bondade. Para esse pecado Nosso Senhor disse claramente que não haveria redenção nem neste mundo nem no próximo (cf. Mt 12, 32) — não por um “defeito” da misericórdia divina, mas porque a pessoa, a exemplo dos demônios, fixou sua vontade no mal de uma forma irreversível.

Também muitas figuras importantes de nossa época se obstinaram no mal desta forma. Quantas personalidades que conhecemos, por exemplo, não demonstram uma persistência demoníaca em sua conduta, agindo sistematicamente — com foco e perseverança — para minar a família, destruir o bem comum, perseguir a Igreja e acorrentar as pessoas ao pecado! De uma autoridade imbecil nós poderíamos esperar que ao menos alguma vez acertasse (como “até um relógio parado está certo duas vezes por dia”), mas de um governante malicioso nada de bom se pode esperar. Suas ações levam a assinatura de Satanás. (Isso no âmbito civil, mas também no eclesiástico, pois não nos esqueçamos: além de Pilatos e Herodes na política, havia Anás e Caifás no Templo — e Judas no colégio apostólico!)

Portanto, a maldade existe e age efetivamente no mundo. Basta abrir os olhos que vamos enxergar. Desfaçamo-nos dos “bons sentimentos” e “pensamentos positivos” que alimentamos ingenuamente (ou não tão ingenuamente assim) contra a realidade que “grita” à nossa volta. Não se receita aspirina para quem precisa de quimioterapia. Olhando para o remédio que o próprio Deus escolheu para nos salvar — a morte cruenta de seu Filho único no madeiro da Cruz —, tenhamos uma consciência mais viva do mal que nos circunda. Olhando para a doação heroica dos mártires e dos missionários, que cruzaram oceanos para anunciar a Palavra de Cristo e, por causa disso, foram crucificados e decapitados, lancemos fora nossas ideias inocentes de felicidade neste mundo, nossas concepções sentimentais de “bondade” e “misericórdia”. Deus veio ao mundo para derramar o seu Sangue por nós, não para verter mel em nossas bocas.

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