Não é um tema simples. Em tempos obscuros como os que vivemos, onde é difícil distinguir contornos, onde tudo é confuso e as referências se tornam opacas atrás de névoas cada vez mais densas, às vezes nos perguntamos como defender e pregar a verdade, dever a que estamos chamados porque assim o exigiu o Senhor em seu Evangelho.
Vale a pena, por exemplo, meter-se em discussões com inimigos da verdade através de meios de comunicação ou de redes sociais? Creio que são questões prudenciais, e cada qual saberá o que convém fazer em cada caso concreto.
E porque se trata de questões prudenciais, parece-me que já não funcionam as receitas vintage que consistiam em instigar todo o mundo a se envolver na “batalha pela verdade”, entendendo-se por tal fazer o maior alvoroço possível. É a ideia, por exemplo, de que a verdade é por natureza combativa e que, necessariamente, está em contínua contenda contra o erro.
Há uma brevíssima carta que Dionísio Areopagita — o tão venerado e citado mestre de Santo Tomás — escreve ao sacerdote Sópatro, na qual lhe puxa a orelha porque, aparentemente, o padreco não parava de polemizar com os pagãos, na tentativa de mostrar-lhes o erro em que estavam e a verdade da fé cristã. Dionísio é claro: [Sópatro] deve abandonar esse costume de impor-se aos outros em nome da verdade.
Quer dizer que o Areopagita era um “progressista” e pensava que a caridade vem primeiro e que é melhor não brigar, por amor à paz? Não é esse o seu argumento. O que ele explica é que a disputa não implica necessariamente que o outro possa encontrar a verdade, quer dizer, enquanto gastamos energia para mostrar ao outro seu erro, a perdemos para fazer o que devemos por natureza: mostrar a verdade, e não o erro. E muitas vezes não se conseguirá senão o efeito contrário, pois a refutação do erro do outro pode provocar nele uma atitude refratária à verdade, considerada uma imposição externa, e não o resultado de um encontro pessoal.
E Dionísio vai ainda mais longe: “Se algo não é vermelho”, ele diz, “tampouco é necessariamente branco, e se algo não é cavalo, tampouco é forçosamente homem”, quer dizer, mesmo que eu seja capaz de mostrar o erro do outro, isso não significa que eu esteja na verdade, que é justamente o que importa. Na opinião de Dionísio, a coisa não funciona assim.
A conclusão do Areopagita é que aquilo a que está chamado o cristão não é impor a verdade através da disputa, mas ser reflexo da Verdade, “fazê-la brilhar” para os demais, transmitindo-lhes essa luz que ele mesmo recebeu. Diria até que é uma atitude passiva, como a do Sol e da Lua, que se limitam a estar aí e iluminar. Não se transmite a verdade mostrando-se o erro, mas deixando-a iluminar.
A verdade não precisa ser imposta. Impõe-se sozinha. Em todo o caso, precisa de homens que a reflitam.
Epístola VI
A Sópatro, sacerdote
Não penses ser uma vitória, venerável Sópatro (cf. At 20,4; Sosípatro, em Rm 16,21), o afrontares uma religião ou doutrina que te não pareça boa (cf. Tt 3,9); de fato, mesmo que sabiamente a critiques, nem por isso estão as coisas a favor de Sópatro [i]. Com efeito, tanto a ti quanto a outros, entre muitos erros e aparências, pode ocultar-se algo de verdadeiro [ii]. Ora, que uma coisa não seja vermelha, nem por isso já é branca, e que algo não seja cavalo, tampouco é necessariamente homem.
Assim pois hás de agir, se me deres ouvidos: deixarás de falar contra os outros, mas dirás de tal modo a verdade, que será irreprochável quanto disseres (cf. Lc 21,14s) [iii].
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