Não é um tema simples. Em tempos obscuros como os que vivemos, onde é difícil distinguir contornos, onde tudo é confuso e as referências se tornam opacas atrás de névoas cada vez mais densas, às vezes nos perguntamos como defender e pregar a verdade, dever a que estamos chamados porque assim o exigiu o Senhor em seu Evangelho.

Vale a pena, por exemplo, meter-se em discussões com inimigos da verdade através de meios de comunicação ou de redes sociais? Creio que são questões prudenciais, e cada qual saberá o que convém fazer em cada caso concreto.

E porque se trata de questões prudenciais, parece-me que já não funcionam as receitas vintage que consistiam em instigar todo o mundo a se envolver na “batalha pela verdade”, entendendo-se por tal fazer o maior alvoroço possível. É a ideia, por exemplo, de que a verdade é por natureza combativa e que, necessariamente, está em contínua contenda contra o erro.

Dom Pelágio das Astúrias, por Augusto Ferrer-Dalmau.

Há uma brevíssima carta que Dionísio Areopagita — o tão venerado e citado mestre de Santo Tomás — escreve ao sacerdote Sópatro, na qual lhe puxa a orelha porque, aparentemente, o padreco não parava de polemizar com os pagãos, na tentativa de mostrar-lhes o erro em que estavam e a verdade da fé cristã. Dionísio é claro: [Sópatro] deve abandonar esse costume de impor-se aos outros em nome da verdade.

Quer dizer que o Areopagita era um “progressista” e pensava que a caridade vem primeiro e que é melhor não brigar, por amor à paz? Não é esse o seu argumento. O que ele explica é que a disputa não implica necessariamente que o outro possa encontrar a verdade, quer dizer, enquanto gastamos energia para mostrar ao outro seu erro, a perdemos para fazer o que devemos por natureza: mostrar a verdade, e não o erro. E muitas vezes não se conseguirá senão o efeito contrário, pois a refutação do erro do outro pode provocar nele uma atitude refratária à verdade, considerada uma imposição externa, e não o resultado de um encontro pessoal.

E Dionísio vai ainda mais longe: “Se algo não é vermelho”, ele diz, “tampouco é necessariamente branco, e se algo não é cavalo, tampouco é forçosamente homem”, quer dizer, mesmo que eu seja capaz de mostrar o erro do outro, isso não significa que eu esteja na verdade, que é justamente o que importa. Na opinião de Dionísio, a coisa não funciona assim.

A conclusão do Areopagita é que aquilo a que está chamado o cristão não é impor a verdade através da disputa, mas ser reflexo da Verdade, “fazê-la brilhar” para os demais, transmitindo-lhes essa luz que ele mesmo recebeu. Diria até que é uma atitude passiva, como a do Sol e da Lua, que se limitam a estar aí e iluminar. Não se transmite a verdade mostrando-se o erro, mas deixando-a iluminar.

A verdade não precisa ser imposta. Impõe-se sozinha. Em todo o caso, precisa de homens que a reflitam.


Epístola VI
A Sópatro, sacerdote

Não penses ser uma vitória, venerável Sópatro (cf. At 20,4; Sosípatro, em Rm 16,21), o afrontares uma religião ou doutrina que te não pareça boa (cf. Tt 3,9); de fato, mesmo que sabiamente a critiques, nem por isso estão as coisas a favor de Sópatro [i]. Com efeito, tanto a ti quanto a outros, entre muitos erros e aparências, pode ocultar-se algo de verdadeiro [ii]. Ora, que uma coisa não seja vermelha, nem por isso já é branca, e que algo não seja cavalo, tampouco é necessariamente homem.

Assim pois hás de agir, se me deres ouvidos: deixarás de falar contra os outros, mas dirás de tal modo a verdade, que será irreprochável quanto disseres (cf. Lc 21,14s) [iii].

Referências

  • Para o texto grego, G. Heil–A. M Ritter, Corpus Dionysiacum, II 164 (Berlim, De Gruyter, 2012), em “Patristische Texte und Studien” (1963ss), vol. 67, disponível aqui. — Para o texto latino, MG 3, 1078AB. Cf. B. Cordier, SJ, Sancti Dionysii Areopagitæ opera omnia quæ extant, 274s (Bréscia, 1854), reimpressão, do mesmo autor, de Opera S. Dionysii Areopagitæ cum schollis S. Maximi et paraphrasi Pachymeræe, II 85b (Antuérpia, 1634, 2 vols.), citado nas notas abaixo. — Há tradução para o espanhol, elegante mas nem sempre literal, de Teodoro H. Martín (Madrid, BAC, 2007), 259.

Notas

  1. Cf. Cordier, II 85: “Note-se o prudentíssimo conselho de Dionísio aos que tratam com hereges, com os quais não se há de discutir contenciosamente, por ser isto pouco útil, segundo aquilo: ‘Foge… de disputas e de contestações sobre a Lei, porque são inúteis e vãs’ (Tt 3,9). É contudo proveitoso propor e confirmar a verdade, que, uma vez conhecida, dissipa os erros como trevas na presença da luz”.
  2. Cf. Id., II 86a: “Escólios de São Máximo. — Pode acontecer de alguém, enquanto argui entre muitas uma flagrante mentira, acabar se afastando da verdade… pois a verdade, única mas misteriosa por causa da inteligência mística dos dogmas, reclama ainda muita reflexão com a graça de Deus. Foi o caso de Nestório, ao desmantelar as doutrinas de Ário e de Apolinário, e é o de outros que, como ele, se levantaram contra outras heresias igualmente absurdas. Mas que ninguém se engane com isso, pensando que [Dionísio] condena o estudo dos Padres com o fim de refutar os hereges. Não é isto o que diz, como se as opiniões dos ímpios não devessem ser rejeitadas e desmentidas (afinal, de que outro modo responderia ele, no livro Sobre os nomes divinos, às doutrinas de Elimas? [cf. At 13,8]), senão que o mais importante não é falar contra os outros, mas expor a verdade de forma erudita e exata, reservando-se a refutação para a réplica dos ímpios. Em outras palavras, importa menos refutar a opinião dos outros que fundamentar a própria”.
  3. Ideias semelhantes aparecem logo no início da Epístola VII, n. 1: “Não creio ter investido <alguma vez> contra pagãos ou outros, por julgar suficiente a uma pessoa honesta poder reconhecer em si mesma a verdade e proferi-la como realmente é. [...] Eis por que é inútil a quem demonstra a verdade altercar com uns e com outros: todo o mundo diz ter moedas autênticas (talvez até tenha alguma imitação falsa), e se tu o desmentires, virá outro e depois outro defender a mesma causa. Se, no entanto, a verdade vier à luz e resistir irrefragável a todo o restante, virá abaixo o que quer que não lhe seja em tudo conforme, dada a insuperável firmeza do que é absolutamente verdadeiro. Tendo disto, pois, perfeita consciência, pelo menos a meu ver, não despendi o menor esforço em falar contra pagãos ou outros, senão que me basta, se Deus mo conceder, julgar primeiro retamente da verdade, para só então falar como convém” (Corpus Dionysiacum, II 165,3–166,6).

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