Por mais de uma década, milhões de pessoas em nossa cultura ocidental pornográfica têm introduzido milhões de horas de cenas sádicas e sexualmente violentas em seus cérebros, ao mesmo tempo em que alegam, desafiando todas as evidências, que esse desejo social explosivo por abuso e degradação não deixa quaisquer consequências no mundo real depois que as telas se apagam. Isso apesar do fato de que aproximadamente 90% do conteúdo pornográfico em exibição hoje expõe violência contra as mulheres — e a maior parte dele inclui nomes tão perversos atribuídos a elas, que alguns estudiosos dizem que ela atinge o limite do discurso de ódio.

Apesar de os usuários de pornografia insistirem em que esse fascínio com a destruição virtual do feminino não se transfere para a vida real, a verdade infeliz e muito provavelmente é outra. Como notei há algumas semanas, a pornografia violenta é uma das chaves para entender a atual crise de estupros que vem acontecendo na Índia. No Reino Unido, esse material está gerando uma explosão de casos de abusos sexuais entre crianças. A pornografia está adestrando uma geração de jovens rapazes para serem predadores sexuais, e preparando uma geração de jovens mulheres para serem vítimas dessa violência.

Quando eu viajo por toda a América do Norte falando sobre pornografia, com muita frequência eu escuto histórias de abusos sexuais inspirados por esse material. Cheguei a encontrar muitos exemplos horríveis em que a pornografia era usada para ensinar crianças a cometerem abusos sexuais — algumas vezes dentro do próprio ambiente familiar. É por isso que, infelizmente, não me surpreendeu ler, dias atrás, uma manchete asquerosa do jornal Saskatoon Star Phoenix que dizia: “Filhas adotivas viram ‘alvo’ de homem viciado em pornografia e caso vai à Justiça”.

Os detalhes são obscenos demais para que eu os inclua aqui, mas a história é esta: um homem de 44 anos abusou sexualmente de suas filhas adotivas, uma com 2 e outra com 3 anos, várias vezes e começando por quando elas eram ainda bebês. O criminoso se entregou à polícia quando uma de suas filhas soltou para sua mãe um comentário sobre os abusos que vinha sofrendo: “O vício em pornografia pode ter sido a ‘bandeira vermelha’ para um homem do interior de Saskatchewan (província no centro-sul do Canadá) que começou a abusar de suas filhas sem nenhum remorso”, diz a reportagem.

A pornografia, notou o repórter, transformou esse homem de uma pessoa normal em um perverso criminoso sexual: “O tribunal foi informado de que o homem vinha levando uma vida dupla: pai amável e profissional de saúde bem-sucedido, de um lado, e um viciado egoísta governado pela luxúria, de outro.” Isso é verdadeiro a respeito de muitos homens em nossa cultura, seja dos que decidem agir por conta própria, seja dos que simplesmente procuram imitar as coisas a que assistem nas telas. “As mulheres, e minhas filhas, ao fim e ao cabo, ficaram sem rosto”, disse o homem à Justiça momentos antes de ser sentenciado à prisão por seis anos. “Eu ultrapassei o último limite.”

Esse “último limite” custou a inocência de suas filhas. “A minhas meninas”, o criminoso sexual preso lê em uma carta, “eu não lhes posso dizer o quão arrependido estou por não as ter protegido como um pai, e por tê-las transformado em alvo do meu vício.” As consequências para o dependente pornográfico foram: uma sentença de seis anos de reclusão, uma vida inteira no registro de criminosos sexuais e um período de cinco anos depois de cumprir sua sentença em que ele não poderá aproximar-se de suas filhas sem a supervisão de alguém que saiba de seu histórico.

A sentença dada a essas meninas também é perpétua.

A maior parte das pessoas ignora que a pornografia não é apenas um grande promotor de ataques sexuais, mas exerce um papel fundamental também em abusos infantis. Quando eu perguntei a Matt Osborne, da Operation Underground Railroad, sobre a associação entre pornografia e abuso sexual durante uma entrevista, ele começou a murmurar em sinal de concordância antes mesmo que eu concluísse minha questão. Operation Underground Railroad é uma organização norte-americana que auxilia agentes da lei em todo o mundo a quebrar as cadeias do tráfico humano e a resgatar escravos sexuais. Seus membros se disfarçam de turistas com shorts e havaianas, fingem interesse no assunto e fazem os traficantes revelarem suas negociações fraudulentas.

“Testemunhei isso em primeira mão em uma porção de lugares”, disse ele sobre a associação entre pornografia e exploração infantil. “Em uma das primeiras operações que coordenei, em outubro de 2014, nós ajudamos a pegar um suspeito de tráfico naquela área que admitiu para nós… como ele começou a se envolver nesse tipo de negócio. Ele disse que, quando tinha 22 anos, começou a assistir a pornografia, em revistas e vídeos, e então ele simplesmente percebeu que precisava de pornografia cada vez mais pesada, cada vez mais violenta, para se satisfazer.”

“Ele também notou e admitiu para nós que precisava fisicamente ter sexo violento com essas crianças, estuprá-las”, contou-me Osborne. “Depois, ele mesmo acabou fazendo pornografia. Então você vê todo esse espectro aqui — desde a revista ‘inofensiva’, passando por um caminho, até a ‘necessidade’ de fazer pornografia. Alguns dos potenciais compradores que nós ajudamos a prender juntamente com o Departamento de Segurança Nacional dos Estados Unidos admitiram para nós que também eles começaram com o que pensavam ser pornografia inocente e então chegaram ao ponto em que eles tinham de viajar para lugares para ter sexo com crianças. Um casal nos disse: ‘Eu acho que não estaria aqui, se não fosse pela pornografia’.”

Essa última observação — “Eu acho que não estaria aqui, se não fosse pela pornografia” — é, na verdade, um sentimento comum entre aqueles que, inspirados por suas violentas fantasias sexuais, decidiram levar seus desejos para a vida real. To Catch a Predator, um reality da rede norte-americana NBC que exibe investigações conduzidas com câmeras escondidas, geralmente retrata criminosos sexuais que admitem ter sido a pornografia que os conduziu ao lugar miserável em que estão suas vidas — e que eles não conseguem entender quem vieram a se tornar. Algumas vezes acontece de você realmente se transformar naquilo que você consome: um predador sexual sedento por violência e degradação.

Dizendo sem rodeios, a pornografia é um veneno cultural com incontáveis vítimas, e essas vítimas são amplamente ignoradas porque a “liberação sexual” exige de nós que jamais critiquemos os “interesses” sexuais das pessoas — ainda que muitas vezes esses “interesses” incluam ser espectador da violência infligida a mulheres e a meninas por prazer. Esse é o doentio e asqueroso estado de coisas a que chegamos, e já passou há muito tempo da hora de termos uma discussão aberta e honesta sobre isso. A disseminação da pornografia tem muito a dizer a respeito de nós mesmos, seja individual seja coletivamente… e não são coisas nada boas.

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