A cada dia que passa, os tempos parecem tornar-se mais alarmantes. Guerras e rumores de guerras, instabilidade geopolítica, presença crescente da inteligência artificial e de suas consequências desconhecidas, além de uma impiedade generalizada que exige uma justiça divina: tudo isso paira sobre as nossas cabeças como uma tempestade iminente.
Paira no ar uma sensação sombria de que as coisas vão de mal a pior, como gases nocivos.
Embora a maior parte da sociedade pareça reconhecer a fragilidade da ordem, no fundo, não creio que haja muitos indivíduos que estejam enfrentando verdadeiramente o fato de estarmos caminhando para algum tipo de cataclismo — seja ele espiritual, temporal ou ambos.
Ignoramos o sentimento crescente de inquietação em nossos corações. Assim, adormecemos como três galileus num jardim, há muito tempo, durante a mesma hora em que o seu Mestre lhes tinha ordenado que vigiassem e rezassem.
A preocupação que tenho em relação a mim e a outros fiéis católicos reside na resposta psicológica e espiritual que damos ao tempo em que vivemos. Como estamos enfrentando os males que nos rodeiam?
Sempre que me sinto desanimado com o nosso mundo frio que parece estar em constante queda livre, quando parece haver tão pouca resistência à imoralidade na sociedade, volto ao romance de Tolkien O Senhor dos Anéis. Essa obra-prima é um remédio para o desânimo e serve como um poderoso lembrete do triunfo definitivo do bem: “No final das contas, a Sombra é apenas uma coisa pequena e passageira: há luz e uma sublime beleza para sempre além de seu alcance” (O Retorno do Rei, VI, 2).
A consolação da vitória final e decisiva de Cristo sobre o mundo não é, no entanto, uma licença para a inércia. O romance de Tolkien contém em si quatro potenciais respostas à crise, personificadas por suas personagens. Três delas são infrutíferas, enraizadas na fragilidade humana; a quarta é o ideal magnânimo digno de emulação.
A obra-prima de Tolkien lança um desafio a todos os homens que se encontram em tempos maus: Quem é você?
Desespero. — O desespero é fruto da descrença na possibilidade de resistir ao mal. O Senhor Denethor, administrador de Gondor, encarna essa atitude pusilânime em O Senhor dos Anéis. Depois de buscar conhecimento além do que era apropriado para o seu estado de vida, ele concluiu que a maldade de Sauron era grande demais para ser enfrentada; e, no final, tirou a própria vida em desespero.
Não posso deixar de pensar naqueles que, em vez de serem homens de oração e de ação, consomem desmesuradamente os meios de comunicação social até ficarem paralisados pelas misérias do mundo. Depois fogem dos seus deveres, presos num ciclo doentio de medo e tibieza espiritual.
Para esses homens, a solução é ignorar as notícias, sair do 𝕏, e voltar ao essencial. Cumpram os seus deveres de forma viril, com precisão. Sintam-se confortáveis com o silêncio. Em vez de alimentarem o medo e a curiosidade por meio do consumo incessante dos meios de comunicação, peçam a Deus para libertá-los. Este mundo precisa de mais contemplativos — não de mais consumidores.
Evasão. — Aqueles que fogem, fecham os olhos aos sinais manifestos de perigo e maldade. No mundo de Tolkien, o povo do Condado e de Bree são exemplos desse vício. Eles observam o perigo crescente no mundo, mas estão excessivamente ocupados com a sua própria existência confortável para se preocuparem.
Também hoje, são muitos os que ignoram os sinais dos tempos com um aceno de mão. As profecias católicas, como mostram as aparições de Nossa Senhora de Fátima e de Nossa Senhora de Akita, exigem a nossa atenção e uma reflexão séria. Essas mensagens têm um peso apocalíptico e são confirmadas pela pregação de muitos Pontífices ao longo dos últimos dois séculos.
Com muita frequência, mesmo entre católicos sinceros, a menção a esses avisos divinos causa pouca reação: “São revelações privadas. Não somos obrigados a acreditar”. Outros podem acreditar na autenticidade desses sinais, mas respondem com uma resignação cínica: “O mundo não está mudando, então o que podemos fazer?”
Tais atitudes contrariam diretamente as admoestações de Nosso Senhor. Se um número suficiente de pessoas escutasse com seriedade as mensagens de Nossa Senhora, talvez as futuras desgraças do nosso mundo pudessem ser evitadas.
Preocupação mundana. — O terceiro tipo de reação vem do homem carnal. Ele reconhece o tumulto circundante, mas assume o seu fardo para combater o mal com um coração dividido. Na obra de Tolkien, Boromir demonstra essa fraqueza de modo mais profundo. Apesar de inicialmente seguir os conselhos dos sábios, permite que o desejo de preservação de sua terra natal e de glória terrena corrompam o seu coração. Tais desejos levam-no a trair os seus amigos numa hora em que eles precisavam de sua força e boa vontade.
O homem carnal de hoje reconhece os perigos, mas permite que seus instintos de autopreservação se sobreponham a tudo. Neste contexto surgem os preppers (ou “sobrevivencialistas”), que constroem os seus celeiros de cereais para escapar às aflições temporais da nossa época. Embora cada homem deva estar equipado para se defender numa crise, e um mínimo de preparação para o desastre tenha certamente o seu lugar, em última análise, cabe a Deus ditar quais os sofrimentos que devemos padecer nesta vida. A confiança nas provisões terrenas pode corromper a caridade sobrenatural, a mais necessária força em tempos de crise.
Amor sacrificial. — O último grupo, muito raro, é o dos homens que abraçam a sua vocação. Eles foram feitos para estes tempos, e sabem disso. Há uma chama em seus olhos e uma determinação inabalável em seus corações. O Senhor dos Anéis está cheio de personagens assim, embora Aragorn seja a representação máxima desse tipo de masculinidade. Silencioso, sério e vigilante, Aragorn está sempre empenhado em fazer aquilo que é mais nobre e sacrificial, sem nunca levar em conta o custo pessoal. Como disse muito bem um atleta de resistência moderno:
“Seja o tipo de homem que abraça o feio, o miserável. Seja o tipo que enfrenta o trabalho árduo, o trabalho duro, não tenha medo de se ferir. Não tenha medo de sacrificar um pouco de sangue. Seja o tipo de pessoa que prospera nesse ambiente.”
O desafio. — As perguntas que devem arder no coração de cada homem em tempos como estes não devem ter um tom de desespero, ou de preocupação mundana com o futuro; devem ser perguntas de santa ambição. Quem é você? O que Deus faria com você se se entregasse inteiramente a Ele?
“Dai-me dez homens realmente desapegados do mundo”, dizia São Filipe Néri, “e tenho convicção de que poderia converter o mundo com eles”.
Homens, fomos feitos para estes tempos. Não tenham medo nem procurem fugir das provações que os esperam. Concebam o ideal mais nobre possível para vocês mesmos, e persigam-no com uma vontade implacável. Porque, ao fazê-lo, poderemos ainda incendiar um mundo frio com o amor ardente e arrebatador de Deus.
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Encaminhei este texto para dois amigos e li atentamente, tenho muito que melhorar! Obrigado Padre Paulo Ricardo. Que Deus lhe abençoe e abençoe nós também.
Maravilhooooso!👏🏼👏🏼👏🏼
Vou enviar para meu filho e torcer para que leia devagar, saboreando! Obrigada!🙏🏼
Me fez pensar: quem sou eu, e Deus o que pode esperar de mim...desapegada do mundo, das minhas paixões??? Ajuda- me Deus aqui estou, tudo é seu.
Estava precisando, mais do que nunca, dessa reflexão. Fiquei preso em meus medos e minha covardia por muito tempo e, depois desse texto, vi pelo que realmente vale a pena enfrentar esta batalha.
Ave Christus Rex!
Precisávamos ouvir isso
Eu amo o fato do senhor ser “nerd”. Gratidão por tanto!
belíssimo texto, obrigado!
Ah Padre Paulo Ricardo! Sempre perfeito! Sou fã demais, nosso defensor da esposa de Deus!!!!
Damos "passos" de formiga como diz Lulu Santos.
Tava precisando!!!
Nossa...quanta VERDADE!!!
Obrigada! Pe Paulo
Que coisa linda esse texto. O que eu precisava: "Concebam o ideal mais nobre possível para vocês mesmos, e persigam-no com uma vontade implacável."
Muitas vezes parece presunção querer dar a vida. Mas não há nada de errado na magnanimidade inspirada por Deus. Essa falsa humildade é fruto do amor próprio que quer se poupar e vem também do inimigo que nos quer paralisados.
Obrigado pelo artigo!
Totalmente real. Tive a graça de ter sido formada por Monsenhor Jonas Abib, ouvir dele, ao vivo, sobre tudo o que estamos vendo, e veremos. Tive há anos a oportunidade de conhecer as mensagens Marianas, Quito, La Sallete, Fátima, Medjugorge, Akita, Padre Gobbi(continuamente rezando Cenáculos), Cimbres, Nossa Senhora das Lágrimas de Campinas. Conseguimos fazer uma transição de vida para o campo. As batalhas são diárias. Coisas inimagináveis acontecem, claramente com objetivo de nos desanimar. Nosso desejo é que mais famílias se juntem a nós. Como um grupo de resistência. Rezo o Rosário da madrugada desde a pandemia. Hoje acordei c esse sentimento. Precisamos rever as prioridades. Solicitei cedo p meu esposo e filho um momento p partilhar exatamente esse sentimento. Necessidade de vigilância, oração contínua. Vivendo um dia por vez.
As características dos personagens são a realidade. O desapego do mundo é o desafio de cada minuto. Creio q estamos no Caminho certo, mas nos sentimos como formiguinhas. Uma formiguinha medrosa.
Peço orações. Não temos um sacerdote nos acompanhando, aconselhando, apenas rezando de longe. Que a Divina Vontade se faça em nossa vida. Para que sejamos fiéis. Até o fim.
Texto belíssimo, profundo e oportuno para os desafios dos tempos atuais.
Excelente texto para estes nossos tempos.