Um dos perigos que o crescimento da mentalidade contraceptiva trazia consigo era o desgaste da figura feminina. A previsão não era de ninguém menos que do Papa Paulo VI. Em sua memorável encíclica Humanae Vitae, o Sumo Pontífice escrevia:
"É ainda de recear que o homem, habituando-se ao uso das práticas anticoncepcionais, acabe por perder o respeito pela mulher e, sem se preocupar mais com o equilíbrio físico e psicológico dela, chegue a considerá-la como simples instrumento de prazer egoísta e não mais como a sua companheira, respeitada e amada."
Dito e feito. As palavras de Paulo VI não só lançaram um olhar mais humano para o dilema da paternidade responsável, como se cumpriram, de modo profético. O uso desenfreado dos métodos anticoncepcionais fez com que, pouco a pouco, os aspectos procriativo e unitivo do ato sexual fossem se separando. A sexualidade deixava de ser algo sagrado pelo qual Deus dava ao homem o dom de participar de sua ação criadora. Agora, ela era apenas um instrumento nas mãos do homem e, como tal, poderia ser utilizada a seu bel-prazer.
À mulher, por sua vez, vista agora não mais como uma "companheira, respeitada e amada", cabia o papel de satisfazer os desejos do homem. Afinal, se o sexo serviria apenas para obter prazer, o que é a mulher senão um simples meio para se chegar a ele?
Assim, em meados do século XX, viu-se crescer no mundo o fenômeno dos "concursos de beleza". Hoje, as pessoas lidam rotineiramente com isto, mas, em um mundo de certa forma ainda moldado pela cultura cristã, não foram poucas as vozes a se levantarem contra o que foi chamado de "feiras da carne".
A crítica pode parecer absurda para este século hedonista, mas o seu conteúdo possui um sentido bem claro: se o que se exalta nestes concursos é a mera beleza exterior, material, as joias espirituais facilmente são relegadas ao desprezo ou à insignificância.
Dom Francisco de Aquino Corrêa, arcebispo de Cuiabá na primeira metade do século XX, não economizava palavras para condenar os concursos de beleza do seu tempo. "Não se condena, por certo, o culto da beleza física; o que não se pode admitir, é que seja ela arvorada, assim, em única ou suprema beleza da mulher", escrevia. "A mulher não é apenas uma formosa estátua de carne. Tem outras belezas muito mais excelentes e nobres: a beleza da sua inteligência, a beleza dos seus sentimentos e, sobretudo, a beleza da sua virtude e do seu caráter" [1].
É certo que, hoje, há uma veiculação massiva da imagem da mulher-objeto. Danças irreverentes alardeadas em programas de TV e em bailes mundanos, aliadas a uma cultura pornográfica que muito tem degradado a cultura, tornaram-se tristemente frequentes. Perto destas realidades, os concursos de beleza antigos – ou mesmo as suas edições mais recentes – chegam a parecer simples ou inofensivos. Em nossos dias, as mulheres não apenas desfilam como "estátua de carne", mas são vendidas como tais, sem pudor ou vergonha nenhumas.
Urge recordar as considerações de Dom Aquino Corrêa sobre os concursos de sua época, pois guardam valiosas lições para os dias hodiernos:
"A beleza física não passa de um dote da natureza, em que, pouco ou nada, colabora o esforço pessoal, não podendo, por conseguinte, fazer jus a recompensas, e muito menos a essas, que se lhe têm conferido, e raiam pelas culminâncias de uma verdadeira apoteose universal. Não é razoável se tome por base de concurso e critério de prêmio, um predicado, em que a mais virtuosa das mulheres pode ser derrotada pela barregã mais reles, só por ser esta mais formosa. E que falta de senso e de equidade deixar o silêncio e no esquecimento a beleza moral de tantas mães e donzelas, verdadeiras heroínas do dever e do trabalho, para entregar a coroa da realeza feminina à beleza de um corpo qualquer, beleza, a que, às mais das vezes, fazem cortejo a vaidade, a leviandade, a ignorância, a indolência, a irreligião, a imodéstia, o despudor e a lascívia!" [2]
Quando este grande prelado matogrossense escreveu estas linhas, ele pretendia evitar o terrível espetáculo que hoje se passa em tantos ambientes. Infelizmente, os seus alertas – bem como os do servo de Deus, o Papa Paulo VI – não foram ouvidos. Os frutos amargos da dissolução estão sendo colhidos: tem valido mais a exibição pornográfica de uma prostituta que o sacrifício de uma religiosa que se consagra inteiramente à vontade de Deus.
Não é de se admirar que uma sociedade que cultue os dotes físicos com espírito quase idolátrico tenha tantas dificuldades para enxergar beleza na vida de uma Santa Cecília ou de uma Santa Teresinha do Menino Jesus, que preferiram enfeitar com cuidado e amor suas almas a estamparem seus corpos no sacrílego altar do hedonismo.
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