Acabamos de passar revista aos meios e recursos que a Divina Misericórdia colocou em nossas mãos para o alívio de nossos irmãos no Purgatório. São poderosos esses instrumentos e ricos esses recursos, mas fazemos nós uso abundante deles? Somos tão ricos em caridade quanto Deus é em misericórdia?
Infelizmente, quantos cristãos fazem pouco ou nada pelos que já partiram! E aqueles que não os esquecem, que têm caridade suficiente para ajudá-los com seus sufrágios, com que frequência não são remissos em zelo e fervor!
Compare-se o cuidado que dispensamos aos enfermos com a assistência que prestamos às almas sofredoras. Quando um pai ou mãe encontra-se aflito com alguma doença, quando um filho ou uma pessoa que nos é querida está sofrendo, que cuidado, que solicitude e que devoção de nossa parte! Mas as santas almas, que não nos são menos queridas, padecem sob o peso não de uma dolorosa enfermidade, mas de tormentos expiatórios mil vezes mais cruéis. Somos nós igualmente fervorosos, solícitos e diligentes em procurar-lhes alívio?
“Não”, responde S. Francisco de Sales, “nós não nos lembramos o suficiente de nossos queridos amigos que partiram. Sua memória parece extinguir-se com o ressoar dos sinos fúnebres. Esquecemo-nos que a amizade que tem fim, mesmo na morte, não foi jamais uma amizade genuína.”
De onde vem esse triste e culpável esquecimento? Sua causa principal é a falta de reflexão. Quia nullus est qui recogitat corde — “Porque não há ninguém que considere no seu coração” (Jr 12, 11). Nós perdemos de vista os grandes motivos que nos impelem ao exercício dessa caridade para com os mortos. É a fim de estimular nosso zelo, portanto, que temos de trazer de novo à mente esses motivos e esclarecê-los o máximo possível.
Podemos dizer que todos esses motivos encontram-se resumidos nas seguintes palavras do Espírito Santo: “É um santo e piedoso costume o de rezar pelos defuntos, a fim de que eles sejam livres de seus pecados” (2Mb 12, 46), isto é, da punição temporal devida a suas faltas. Em primeiro lugar, trata-se de uma obra, santa e excelente em si mesma, e também agradável e meritória aos olhos de Deus. Consequentemente, é uma obra salutar, sumamente proveitosa a nossa salvação e a nossa felicidade neste e no mundo futuro.
“Uma das obras mais santas, um dos melhores exercícios de piedade que podemos praticar neste mundo”, diz Santo Agostinho, “é oferecer sacrifícios, esmolas e orações pelos defuntos” (Hom., XVI).
“O alívio que nós procuramos para os mortos”, diz S. Jerônimo, “alcança-nos uma misericórdia semelhante.” Considerada em si mesma, a oração pelos mortos é uma obra de fé, caridade e com frequência até de justiça.
Em primeiro lugar, quem são, de fato, as pessoas que temos o dever de assistir, senão essas santas e predestinadas almas, tão queridas a Deus e a Nosso Senhor Jesus Cristo; tão queridas a sua mãe, a Igreja, que incessantemente as encomenda à nossa caridade; tão queridas também a nós, que talvez nos foram intimamente unidas sobre a terra, e que nos imploram ajuda com estas tocantes palavras: “Compadecei-vos de mim, compadecei-vos de mim, ao menos vós, que sois meus amigos” (Jó 19, 21)? Segundo, em que necessidades elas se encontram? Ai, sendo tão grandes as suas necessidades, essas almas têm um direito à nossa assistência proporcionado à sua incapacidade de fazer qualquer coisa por si mesmas. Terceiro, que bem procuramos nós para as almas, senão o maior dos bens, já que os podemos colocar na posse da bem-aventurança eterna?
“Assistir as almas do Purgatório”, diz S. Francisco de Sales, “é realizar a mais excelente das obras de misericórdia, ou melhor, é praticar da forma mais sublime todas as obras de misericórdia juntas: é visitar os doentes; é dar de beber aos que têm sede da visão de Deus; é dar de comer aos que têm fome, é visitar os encarcerados, é vestir os nus, é procurar para os pobres exilados a hospitalidade da Jerusalém celeste; é confortar os aflitos, é instruir os ignorantes — é, em suma, praticar todas as obras de misericórdia em uma.”
Essa doutrina concorda muito bem com a de Santo Tomás, que ensina em sua Suma: “Os sufrágios pelos mortos são mais agradáveis a Deus que os sufrágios pelos vivos, porque aqueles têm necessidade mais urgente deles, não estando aptos a se ajudarem por si mesmos, como os vivos” (Supplem., q. 71, art. 5).
Nosso Senhor considera cada obra de misericórdia exercida a nosso próximo como se fosse feita a Ele próprio. Mihi fecistis: “A mim o fizestes”. Isso é mais especialmente verdadeiro quanto à misericórdia praticada para com as pobres almas. Foi revelado a Santa Brígida que aquele que liberta uma alma do Purgatório ganha o mesmo mérito de libertar o próprio Jesus Cristo do cativeiro.
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