Santa Hildegarda, célebre em todo o mundo cristão por suas visões celestiais, profecias e outros dons divinos, nasceu em 1098, de pais nobres, ricos e piedosos, no condado de Spanheim, num lugar chamado Bickelheim. Seu pai se chamava Hildeberto e sua mãe, Matilde. Não tiveram grandes dificuldades na educação da filha, pois desde cedo esta foi instruída e guiada de forma notável no caminho da retidão pelo divino Mestre de todo o bem. Como todas as suas ações, todo o seu ser, denotavam a disposição extraordinária de sua mente, eles a entregaram, com apenas oito anos de idade, aos cuidados de uma monja piedosa, chamada Jutta, que era irmã do Conde de Spanheim, e que vivia no convento do Monte São Disibodo, sob a regra de São Bento. Hildegarda manifestou grande alegria ao perceber que, longe dos inúmeros perigos do mundo, teria uma oportunidade de servir a Deus com todo o seu coração.

Apesar de jovem, sua inteligência já estava bem desenvolvida e ela tinha uma concepção viva de Deus e de tudo o que era agradável à sua majestade. Jutta, sua preceptora, admirava-se do zelo com que Hildegarda, tão jovem e carinhosa, se entregava à prática das boas obras. Seus únicos interesses eram rezar, cantar os Salmos, servir ao próximo e fazer os trabalhos mais simples da casa. Todos se sentiam edificados com sua conduta e a tinham por modelo; por isso, Jutta não hesitou em investi-la com o hábito e permitiu que ela fizesse seus votos mais cedo que o habitual. 

É impossível compreender o consolo que inundou seu coração quando conseguiu unir-se ao Senhor por meio desses votos. Foi indescritível o cuidado que teve em cumprir pontualmente tudo o que havia prometido ao Todo-Poderoso. Segundo ela mesma, esforçava-se por agradar somente a Deus, e suas palavras, pensamentos e ações eram movidos por este único propósito. 

Vitral representando Santa Hildegarda de Bingen.

Após a morte de Jutta, Hildegarda foi eleita abadessa e, embora a princípio não quisesse suceder sua piedosa tutora, cumpriu com fidelidade todos os seus deveres quando foi obrigada a aceitar o cargo. Era atenta ao bem-estar espiritual e temporal das pessoas sob sua responsabilidade, tratava-as com bondade e modéstia e encorajava-as à perfeição, tanto por suas exortações como por seu exemplo de virtude. O número de mulheres que desejavam viver sob sua direção aumentou consideravelmente, e como o convento ficou muito pequeno, a santa abadessa achou por bem construir outro. O próprio Deus designou o lugar onde ele deveria ser erigido: uma montanha perto de Bingen, abaixo de Mainz (ou Mogúncia), chamada Monte São Roberto, em honra de um santo duque de mesmo nome, que estava ali enterrado. Hildegarda comprou o local, construiu um convento e, com o aval das autoridades seculares e eclesiásticas, passou a residir nele com vinte religiosas. 

Alguns anos mais tarde, construiu outro convento em Eibingen, do outro lado do Reno, em Rheingau. Foram grandes e numerosos os obstáculos que achou na construção desses dois conventos, mas ela perseverou sem medo, pois era uma obra para a qual o próprio Deus a tinha encorajado. Com igual coragem suportou também as perseguições: confiando no Todo-Poderoso, não permitiu que nada atrapalhasse o que havia começado em honra dele. 

Sua paciência na doença não era menos invencível. “Quanto mais sofrimento meu Jesus me envia”, dizia ela, “mais me convenço de que Ele me ama.” Certa vez, ela sofreu tanto, ao longo de trinta dias, que todos pensavam que morreria com a intensidade das dores. Porém, alguns anjos lhe apareceram e disseram:  “Ainda não é tua hora de morrer; levanta-te!” No mesmo instante a dor cessou e a doença desapareceu. A mesma coisa lhe aconteceu outras vezes: quando a doença atingia o auge, Deus ordenava-lhe que executasse uma determinada obra, e ela não só se recuperava imediatamente, mas também ganhava forças suficientes para cumprir a ordem do Todo-Poderoso.

Não é de estranhar que tais acontecimentos fossem muito admirados, mas os dons celestes que Deus havia concedido a essa santa abadessa, e o grande número de visões e revelações com que fora agraciada, despertavam uma admiração ainda maior. Esses fenômenos começaram quando ela tinha cinco anos e só terminaram quando sua vida chegou ao fim. No início, ela relatava tudo o que via, sem saber o que falava, enquanto os que a ouviam não entendiam suas palavras. Quando percebeu que era particularmente favorecida por tais visões, calou-se e já não informava nem mesmo a piedosa Jutta do que tinha visto. Por fim, Deus lhe ordenou que escrevesse tudo o que lhe fora revelado. Mas o medo dos homens a deteve: julgava que a maioria das pessoas tiraria conclusões equivocadas e a ridicularizaria. Essa desobediência foi punida por Deus com uma doença terrível, que durou até que ela contasse a seu confessor a determinação divina. Então, foi admoestada por ele e começou a escrever suas visões. 

Ícone representando Santa Hildegarda.

Logo que uma parte delas foi registrada, foi enviada primeiro ao arcebispo de Mainz e a outros homens eruditos, e depois ao Papa Eugênio III, que na época presidia um sínodo em Tréveris, ao qual São Bernardo estava presente. Todos os que as leram ficaram maravilhados com a sabedoria sobre-humana contida nelas, e ninguém encontrou razões para censurá-las. O próprio Santo Padre escreveu à santa e a exortou a escrever tudo o que Deus lhe revelava. Hildegarda obedeceu, e a fama das graças divinas concedidas a ela espalhou-se por todo o mundo cristão. 

Eclesiásticos e pessoas do mundo inteiro, de diferentes posições, iam até ela ou lhe escreviam, seja para pedir conselhos em diferentes assuntos, seja para suplicar que rezasse por eles ao Todo-Poderoso. Ainda se conservam várias das cartas que ela recebeu de Papas, arcebispos, bispos, imperadores e reis. Também se conservam suas respostas, contendo os mais sábios conselhos, que ela dava, sem hesitação, às mais importantes personagens. Essas respostas nos permitem concluir que Deus lhe concedeu o dom de penetrar os mais profundos segredos e de prever os acontecimentos futuros. 

Ela previu para o Imperador Frederico I um reinado longo, mas conturbado; para o arcebispo de Mainz, sua morte próxima; e para muitas cidades e Estados, as perturbações que a heresia lhes causaria depois de muitos anos. Mesmo sem nunca ter estudado, quando a consultavam sobre as partes mais difíceis da Sagrada Escritura ou sobre os mistérios da fé, era capaz de expor tudo com tanta clareza que os mais eruditos ficavam estupefatos. Por ordem de Deus, fez várias viagens a Colônia, Tréveris, Metz, Wurtzburgo e Bamberg, e anunciou, tanto ao clero como ao povo, o que Deus queria que lhes transmitisse.  

Fez o mesmo em muitos conventos que visitou, admoestando todos a fazer penitência e observar com mais rigor os seus deveres. A elevada estima de que desfrutava aumentou consideravelmente com o dom que Deus lhe concedera de fazer milagres. Sua biografia relata que os cegos, os paralíticos, os possessos e outros sofredores obtinham tudo o que desejavam, quer pelas orações dela, quer pela imposição de suas mãos. Apesar desses grandes dons e graças, a santa abadessa era profundamente humilde: quanto mais Deus a cumulava de favores, mais ela se humilhava diante dele, e para isso lhe foram muito úteis as inúmeras doenças de que foi acometida. 

Deus também permitiu que ela, tal como Jó, fosse atormentada por espíritos malignos com terríveis dores corporais e mentais, durante trinta dias. Ela os ouvia encorajando-se uns aos outros e dizendo: “Vamos enganá-la, para que perca a confiança em Deus e blasfeme contra Ele por permitir que sofra tanto.” Mas o Altíssimo a amparou nessa dura luta. “Eu sei”, disse ela a Deus, “que é para o meu bem tudo o que me envias. Eu mereci tudo. Espero que não atormentes minha alma assim no outro mundo.” 

Escultura de Santa Hildegarda, na igreja dedicada a ela em Eibingen.

Depois que essa santa e admirável virgem completou 82 anos, desejou unir-se no Céu àquele a quem tinha amado e honrado com tanta fidelidade na terra. Seu desejo foi atendido, e o dia de sua morte lhe foi revelado. Ela informou seus subordinados disso, exortou-os à constância no caminho da perfeição, recebeu devotamente os últimos sacramentos e expirou calmamente após uma breve enfermidade. 

Na hora de sua morte, apareceram no Céu dois arcos coloridos e, sobre eles, um globo de luz brilhante, que iluminou todo o convento. Seu corpo santo foi sepultado diante do altar do coro, onde permaneceu até o ano de 1632, quando foi transportado com as relíquias de São Ruperto para Eibingen, pois a igreja e o convento do Monte Ruperto haviam sido destruídos pelos suecos. Os milagres operados por intercessão de Santa Hildegarda, tanto antes como depois de seu funeral, foram tão numerosos, que as monjas eram perturbadas em suas devoções pela grande afluência de pessoas que visitavam o seu túmulo para rezar. Por isso, pediram ao arcebispo de Mainz que mandasse a defunta parar de fazer milagres em seu túmulo. O arcebispo fez o que lhe foi pedido, e a santa abadessa mostrou-se tão obediente depois da morte como o fora em vida. 

Considerações práticas

I. “Quanto mais sofrimento meu Jesus me envia, mais me convenço de que Ele me ama”, dizia a santa abadessa Hildegarda. Algumas pessoas, quando são surpreendidas por crises e provações, acreditam que o Todo-Poderoso as abandonou, ou que está zangado com elas, ou que suas orações não lhe agradam. Enquanto tudo lhes é favorável, quando desfrutam de um contínuo bem-estar temporal, quando sua saúde não lhes deixa nada a desejar, quando são honradas e estimadas, só então acreditam ser agradáveis ao Altíssimo. 

Elas se enganam em ambos os casos, porque, em primeiro lugar, se um homem se esforça por viver piedosamente, e mesmo assim Deus o visita na adversidade, disto ele pode certamente concluir que é amado pelo Todo-Poderoso. “Aos que amo, repreendo e castigo”, diz o próprio Deus (Ap 3, 19). E diz também seu santo Apóstolo: “Porque o Senhor corrige aquele a quem ama” (Hb 12, 6). 

Em segundo lugar, no que diz respeito ao bem-estar temporal, temos muitas oportunidades de ver com nossos próprios olhos que os bens deste mundo são dados também aos pagãos, aos hereges e aos perversos, mas nem por isso podemos julgar que tais pessoas são agradáveis a Deus. Por que isso acontece, já explicamos em outro lugar. Hoje, com Santa Hildegarda, aprenda que Deus o ama quando lhe envia sofrimentos, enquanto você se esforça por cumprir a vontade dele. Ele quer lhe dar a oportunidade de expiar inteiramente os seus pecados nesta vida, para que, após a morte, você obtenha mais cedo a salvação; ou, se já tiverem sido expiados, Ele quer que você amplie seus méritos e obtenha uma glória maior no Céu.

Pintura retratando Santa Hildegarda.

II. Santa Hildegarda foi, com a permissão de Deus, atormentada pelo espírito do mal, que tentou destruir sua confiança no Altíssimo e levá-la a blasfemar contra Ele, por ter-lhe permitido tanto sofrimento. Mas ela venceu Satanás, renovando sua fé e esperança em Deus e, ao mesmo tempo, reconhecendo que Ele fazia bem todas as coisas, e que ela merecia a cruz imposta por Ele. 

Algumas pessoas são perturbadas por pensamentos blasfemos tanto nas cruzes e provações como em outras circunstâncias. Não devem, portanto, preocupar-se muito, mas crer que o fato de sofrer essas tentações é muito diferente de pecar. Enquanto elas forem para você fonte de desgosto, e não havendo nelas consentimento de sua parte, você não terá cometido pecado algum. 

Por isso, tenha coragem e anime-se com os princípios de sua fé. Diga ou pense: “Creio que existe um Deus; que esse Deus é justo e misericordioso, que não me sobrecarregará nem me fará mal algum; que deseja a minha salvação e me prometeu sua graça e sua assistência.” Desperte sua confiança em Deus, reconheça que você merece tudo o que sofre e muito mais. Renuncie solenemente de manhã a todas as tentações de Satanás e peça a Deus que lhe ajude. Se Satanás o atacar com violência, não desanime, mas diga-lhe o mesmo que o Salvador quando foi tentado: Afasta-te, Satanás! Sei que tenho um Deus infinitamente bom e misericordioso e nele ponho a minha confiança. “O Senhor Deus é o meu protetor, por isso não me senti confundido” (Is 70, 7).

Referências

  • Extraído, traduzido e adaptado passim de: Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 348ss.

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