I. O problema. — A Igreja foi fundada por Cristo sobre os Apóstolos para continuarem a sua missão. E esta preposição para indica um fim, uma finalidade a ser cumprida. Ora, depois de termos estudado a Igreja como sociedade, podemos compreender melhor o fim que lhe assignou o seu divino Fundador. Agora, pois, é chegada a hora de tratarmos a fundo deste problema e dele deduzirmos todas as suas consequências.

II. Classes de fim.1. O fim último da Igreja: a glorificação de Deus. — Sendo a Igreja obra de Cristo, perguntar-se pelo fim da Igreja é o mesmo que perguntar-se para que Jesus Cristo instituiu a Igreja. No nosso modo habitual de agir, os homens costumamos ter uma série de fins subordinados aos quais nos dirigimos. Assim, o carpinteiro trabalha a madeira para construir uma porta ou uma janela; e, em última instância, para ganhar o dinheiro necessário ao seu sustento e ao de sua família. 

Também na Igreja, obra de Jesus Cristo, podemos distinguir um fim imediato e um fim último. O fim último da Igreja, como o de toda a Criação, é a glória de Deus, fim altíssimo que ela realiza ao refletir em si mesma os atributos divinos: o poder, a bondade e a misericórdia de Deus. Este reflexo de Deus na Igreja, que podemos chamar “glória objetiva” de Deus, se manifesta de mil maneiras e, sobretudo, nos sacramentos da Igreja, os quais produzem tanto a destruição do pecado (no Batismo e na Penitência) quanto o aumento da vida sobrenatural (nos chamados “sacramentos dos vivos”, sacramenta vivorum, quer dizer, destinados aos que já estão em estado de graça).

Em segundo lugar, a Igreja dá glória a Deus — glória que podemos chamar “subjetiva” — ao lhe oferecer um sacrifício de louvor e, antes de tudo, por meio do santo sacrifício da Missa, e também em todas as orações e sacrifícios com os quais louvam o nome de Deus os sacerdotes e fiéis da Igreja e lhe oferecem sacrifícios de expiação pelos pecados dos homens.

Evidentemente, não podemos aqui estudar mais a fundo esta primeira classe de fim da Igreja sem, com isso, invadir o campo da teologia dogmática, principalmente a sacramental, sem contar o da ascética e da litúrgica; no entanto, cremos ser necessário fazer ao menos uma rápida alusão a este respeito, porque sem isso a questão da finalidade da Igreja ficaria necessariamente incompleta.

2. Fim imediato da Igreja: a salvação dos homens. — De uma maneira breve e precisa nos diz qual é o fim imediato da Igreja o preâmbulo da constituição dogmática sobre a Igreja do Concílio Vaticano I: “O eterno Pastor e guardião das nossas almas (cf. 1Pd 2, 25), querendo perpetuar a salutar obra da redenção, resolveu fundar a Santa Igreja” (DH 3050). Perpetuar a obra da redenção, ou seja, tornar efetiva a salvação sobrenatural para todos os homens: eis aqui o fim imediato da Igreja. Esta afirmação não contém nada que já não saibamos: se a Igreja é a continuação de Cristo na terra e se, além disso, Cristo veio ao mundo para salvar todos os homens, a obra de Cristo não pode ter uma finalidade distinta do fim do próprio Cristo. Foi para isto que o divino Fundador constituiu na Igreja o tríplice poder de governar, ensinar e santificar, e prometeu sua assistência perene aos sucessores dos Apóstolos, para que até o fim do mundo pudessem eles ajudar as almas a encontrar o caminho da salvação.

III. Orientação histórica. 1. Doutrinas errôneas. — Os protestantes, que afirmam que a justificação do homem se deve somente à fé e à ação imediata do Espírito Santo, que atua na alma do fiel ao ler este a Palavra de Deus, rejeitam a mediação da Igreja na consecução da salvação. A Igreja tem, sim, o ministério de tornar mais fácil o contato do homem com a Palavra de Deus por meio da pregação; mas, uma vez realizada esta função, ela já não tem outra finalidade. Parece-lhes que a teoria católica “anula” o contato imediato entre Cristo e o homem e “diminui” o valor da ação redentora de Cristo.

2. Solução católica e doutrina da Igreja. — Mas nós, católicos, distinguimos dois aspectos essencialmente distintos na obra salvífica de Cristo: de um lado, a Redenção, que apenas Cristo realizou pelo sacrifício da cruz; e, de outro, a aplicação desta obra redentora a todos os homens. No primeiro sentido, como há um só Deus, “há um só mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo, homem que se entregou como resgate por todos” (1Tm 2, 5s). Mas, no segundo sentido, Jesus Cristo quis por libérrima vontade (Ele bem poderia, é claro, ter disposto as coisas de outra maneira) instituir a Igreja, a fim de que nela encontremos a santificação, ou seja, a vida da graça, que é neste mundo o penhor mais seguro de nossa felicidade perpétua no céu, vida sobrenatural que, no homem, radica no conhecimento e no amor de Deus pela fé e pela caridade.

Afirma-o claramente o proêmio do Concílio Vaticano I, que citamos mais acima (cf. DH 3050). E também o Papa Pio XII, na Encíclica “Mystici Corporis”, escreveu que Jesus Cristo quis fundar a Igreja “para perdurar na terra a obra salutífera da Redenção” (n. 63). E mais à frente: “O seu fim é altíssimo: a contínua santificação dos membros do mesmo Corpo para a glória de Deus e do Cordeiro” (n. 68), onde se expressa o duplo fim, imediato e último, da Igreja.

IV. Valoração teológica. — Já que esta verdade está contida claramente na Sagrada Escritura, como veremos mais adiante, e por ser objeto de ensinamento do Magistério ordinário como algo pertencente à fé, podemos dizer que é verdade de fé divina e católica a afirmação de que o fim da Igreja é a santificação dos homens. 

1. Ensinamento bíblico. — Os testemunhos da Sagrada Escritura que demonstram este ponto são muito numerosos. Em primeiro lugar, não há verdade mais frequentemente repetida no Novo Testamento do que esta: Cristo veio para salvar o mundo, para a santificação dos homens: 

  • “Ele salvará o seu povo de seus pecados” (Mt 1, 21);
  • “O Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19, 10); 
  • “Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por Ele” (Jo 3, 17); 
  • “Eu vim para que as ovelhas tenham vida e para que a tenham em abundância” (Jo 10, 10); 
  • “Em nenhum outro há salvação, porque debaixo do céu nenhum outro nome foi dado aos homens, pelo qual devamos ser salvos” (At 4, 12); 
  • “Deus enviou seu Filho […], a fim de remir os que estavam sob a Lei, para que recebêssemos a sua adoção” (Gl 4, 4s); 
  • “Nisto se manifestou o amor de Deus para conosco: em nos ter envia­do ao mundo o seu Filho único, para que vivamos por Ele […], para expiar os nossos pecados” (1Jo 4, 9s).

Pois bem, quando Cristo envia solenemente os Apóstolos mundo afora, Ele o faz para que tanto eles quanto os seus sucessores continuem a mesma missão de Cristo: “Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio a vós” (Jo 20, 21); “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as nações” (Mt 28, 18s). Ao instituir o sacrifício do Novo Testamento na Última Ceia, Jesus manda os Apóstolos fazerem em memória sua o que Ele mesmo fez, ou seja, perpetuarem o sacrifício eucarístico até a segunda vinda do Senhor (cf. Lc 22, 19s; 1Cor 11, 23-36). E os Apóstolos, por sua vez, se consideram ministros de Cristo, dispensadores, administradores, embaixadores dos mistérios de Deus e de sua Palavra (cf. 1Cor 3, 5; 4, 1; 2Cor 4, 18.20).

Por conseguinte, se a finalidade da vinda de Cristo a este mundo foi a santificação de todos os homens, também o será a finalidade da Igreja, continuadora de sua missão na terra. Terão também o mesmo fim os que são embaixadores de Cristo e administradores dos seus mistérios.

2. Crítica da solução protestante. — A solução protestante que afirma ter a Igreja como finalidade única o ministério da Palavra e a pregação do Evangelho contradiz abertamente a Sagrada Escritura. São Paulo, por exemplo, insiste em suas cartas em falar de um verdadeiro poder de santificação conferido ao ministro da Igreja: não, obviamente, como causa principal ou por direito próprio, mas como causa instrumental e por direito recebido de Cristo, na medida em que o ministro da Igreja é vigário de Cristo na terra. É por isso que ele diz: “Que os homens nos conside­rem, pois, como simples ope­rários de Cristo e administradores dos mistérios de Deus” (1Cor 4,1), “operários com Deus” (1Cor 3, 9).

Notas

  • Este artigo é uma tradução levemente adaptada de F. de Vizmanos e I. Riudor, Teología fundamental para seglares. Madrid: BAC, 1963, pp. 797-800, nn. 603-613.

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