Os habitantes de várias cidades da Síria e do Iraque têm que conviver, nos últimos dias, com uma notícia nenhum pouco encorajadora. As bandeiras negras penduradas nos prédios das cidades de Raqqa e Mosul dizem muito: agora, quem era sírio ou iraquiano pertence ao recém-proclamado “Estado Islâmico".
As milícias do ISIS – sigla em inglês para “Estado Islâmico do Iraque e do Levante" –, agora chamado simplesmente de Estado Islâmico, desfilam nas ruas ostentando tanques de guerra e armamentos pesados, exibindo cabeças decapitadas em praça pública, gritando o nome de Alá e prometendo erguer a bandeira do mais novo califado islâmico até na Casa Branca.
O recado de um prisioneiro do novo Estado é claro: “Quem não crê em Alá será punido, com certeza". Homens denominados hisbah saem às ruas para inspecionar a população e forçar a prática da sharia, vigiando os estabelecimentos comerciais e até mesmo o vestuário das pessoas. As punições para a venda de álcool ou o uso de drogas vão desde o açoitamento até a pena capital. Para os “infiéis", soma-se à morte cruel a vexação pública: vários cristãos já foram crucificados e tiveram seus corpos expostos nas praças, simplesmente por não aceitarem converter-se ao islã.
Em Mosul, a segunda maior cidade do Iraque, hoje tomada pelos radicais jihadistas, a fé dos cristãos foi praticamente empurrada para as catacumbas. Os sinos das igrejas foram silenciados, as mulheres foram forçadas a usar a burca, através de armas, e dezenas de milhares fugiram para não ter que renunciar a Cristo. Nos muros das casas dos cristãos, os radicais picham uma letra do alfabeto árabe, equivalente ao nosso “n", em referência a Jesus, o Nazareno. Aos proprietários dessas casas três opções são oferecidas: converter-se ao islamismo, pagar um imposto religioso ou morrer pelo fio da espada. Uma agência local de notícias reportou que um cristão pobre, não podendo arcar com o dito imposto, teve sua mulher e filha estupradas por soldados do ISIS. O homem cometeu suicídio depois do acontecido.
Os templos religiosos também são alvo das milícias armadas. Ainda em Mosul, uma igreja de vários séculos foi incinerada e o local que se acredita ser o túmulo do profeta Jonas foi profanado. Em Raqqa, outra igreja foi transformada em um centro para a pregação do islamismo. A ideia dos arautos desse novo mundo é criar um “islamismo do ano zero", eliminando qualquer resquício de cristianismo, direitos femininos, democracia ou mesmo piedade humana.
Não é novidade que a situação dos cristãos no Iraque é dramática. A perseguição vem de muito tempo, desde o governo de Saddam Hussein, tendo se intensificado com a invasão do país, em 2003. Para se ter uma ideia, antes do conflito, vivia no país mais ou menos 1,5 milhão de caldeus, sírio-católicos, sírio-ortodoxos, assírios orientais, católicos e ortodoxos armenos. Hoje, particularmente após a ascensão dos sunitas em Bagdá, esse número não passa de 400 mil.
A diferença do quadro anterior para o atual estado da região, no entanto, é enorme. Hoje, está no poder um grupo que fala abertamente de tomar o mundo, ensinando crianças a guerrear, obrigando as pessoas a aceitarem uma única religião e perseguindo sem escrúpulos as minorias religiosas do Oriente Médio, especialmente os cristãos.
A Santa Sé manifestou sua perplexidade e condenou os crimes cometidos no Iraque e na Síria. Em mensagem divulgada no dia 12 de agosto, o Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso enumerou as atrocidades cometidas pelo novo califado islâmico: desde “a desprezível prática da decapitação, crucificação e exposição de corpos em lugares públicos" até “a expulsão forçada de milhares de pessoas, incluindo crianças, idosos, mulheres grávidas e doentes". Na mensagem, o Conselho ressaltou que “nenhuma causa e, certamente, nenhuma religião, pode justificar tamanha barbárie" [1].
O Papa Francisco, em carta ao secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki Moon, manifestou a sua preocupação com “o intolerável sofrimento de pessoas que desejam somente viver em paz, harmonia e liberdade na terra de seus antepassados", além de emitir um “apelo urgente à comunidade internacional para intervir e por fim à tragédia humanitária em andamento". “Os ataques violentos que têm se alastrado ao longo do norte do Iraque não podem ficar indiferentes às consciências de todos os homens e mulheres de boa-vontade", disse o Santo Padre. “As trágicas experiências do século XX e a elementar compreensão da dignidade humana exigem que a comunidade internacional (...) faça tudo o que for possível para deter e prevenir novas violências sistemáticas contra as minorias étnicas e religiosas", concluiu.
Outro a pedir uma intervenção internacional na região foi o Patriarca Caldeu da Babilônia, Louis Raphael Sako. Em apelo emitido no dia 13 de agosto, o bispo iraquiano escreve que, “se a situação não mudar, o mundo inteiro deverá assumir a responsabilidade pelo lento genocídio de um componente genuíno e inteiro da sociedade iraquiana e pela perda da sua herança e cultura ancestrais". O alerta do purpurado é iminente: “O ISIS está tentando apagar todos os rastros!"
Que as autoridades internacionais abram os olhos para o calvário dos cristãos no Oriente Médio. E que estes, auxiliados pela graça de Deus, conservem consigo o dom mais precioso que receberam no dia de seus batismos: a fé.
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