Há poucos dias, o youtuber Felipe Bressanim, conhecido como Felca, publicou um vídeo-denúncia colocando a nu, de forma bastante lúcida e pedagógica — e não menos estarrecedora —, uma das realidades mais atrozes que há no mundo digital: a sexualização infantil.

O conteúdo viralizou. Já está com mais de 30 milhões de visualizações e tem repercutido em diversos canais da internet, na TV, no rádio, e também nos jantares, nas rodinhas do trabalho, nos aplicativos de conversas. Mais ainda: o barulho foi tamanho que moveu autoridades competentes, e alguns dos denunciados até já sofreram as primeiras sanções. Deputados e senadores já sinalizaram apoio à causa. Fala-se em CPIs, em projetos de leis. Poucas vezes caiu tão acertado o título de influenciador. O vídeo de Felca, de fato, influenciou um debate de importância nacional e, como poucas vezes acontece, mobilizou o país a agir. 

Para quem esteja completamente alheio ao teor da publicação, vai um brevíssimo resumo: o youtuber critica, de maneira geral, a adultização, o processo pelo qual a criança se coloca (ou é colocada) em posição de adulto, seja dando conselhos sobre finanças e performance profissional, seja — e aqui está a parte mais escandalosa do vídeo — exibindo-se como produto, via de regra um produto erotizado feito sob demanda para o abominável mercado dos pedófilos.

Para exemplo, o jovem mencionou a tragédia da menina que, de dancinhas inocentes, filmadas pelos pais, passou a vender, nos porões da internet, vídeos e fotos de conteúdo explícito, igualmente produzido pelos pais. Também citou o sujeito que abrigava dúzias de adolescentes em sua casa, promovendo ali uma espécie de reality show, com direito a festinhas, bebedeiras, mocinhas em traje de banho insinuando-se para rapazes, e outras perversidades do mesmo viés. 

Diante de tudo isso, é comum, entre incrédulos e revoltados, nos perguntarmos: cadê os pais dessas crianças?

É uma pergunta perfeitamente natural, que surge-nos quase que por reflexo, por movimento instintivo; é uma pergunta não só natural, como boa e oportuna. Uma pergunta necessária. No entanto, creio ser o caso de especificá-la, o que pouca gente tem feito: cadê o pai dessas crianças?

É claro que as mães também tomam parte na educação dos seus filhos. Parte fundamental, indispensável, de inestimável valor. Isso não está em discussão. No entanto, conforme nos dizem as Sagradas Escrituras, o pai é a cabeça da família, assim como Cristo é a cabeça da Igreja (cf. Ef 5, 22-23) — para completar a imagem, diz o Catecismo, citando o Concílio Vaticano II, que o lar cristão deve ser uma “Igreja doméstica” (§ 1655); se é assim, o pai, por corolário inescapável, é o bispo da casa. 

O Bom Pastor: uma das mais antigas representações de Cristo, encontrada nas Catacumbas de São Calisto, em Roma.

O pai, conforme a tradição cristã, deve ser para a sua família uma figura cristológica, tanto no sentido de se fazer, como o Cristo, vítima sacrificial, caso a ocasião lhe demande, quanto no sentido de ser, a seus filhos e esposa, um bom pastor. E pastor não apenas no sentido de prover-lhes proteção e alimento para o corpo, mas também de guiar-lhes pelos caminhos do Senhor e levá-los aos pastos verdejantes onde eles poderão encontrar repouso e sustento para a alma. 

Esse é o ideal cristão. O problema é que o Brasil, embora doa dizer, já não é mais cristão. Na verdade, no quadro geral, os cristãos empenhados são uma minoria tomada por esquisita e muitas vezes hostilizada. Há, evidentemente, em toda parte, ecos de cristianismo; há, por exemplo, na boca de todo o mundo, até de ateus renitentes, uma penca de interjeições cristãs: “Meu Deus!”; “Minha Nossa (Senhora)!”; “Vixe (Virgem) Maria!”. Mas não passa disso. São como espasmos de cadáver que, só aos desatentos, dão ainda a impressão de vida. 

O Brasil já não é mais cristão, e uma das muitas provas disso é o quase desaparecimento da figura paterna. 

E não pensemos que só entra no balaio o pai que, tendo engravidado a companheira numa relação fortuita e irresponsável, deixa de registrar o seu filho no cartório, recusando ao pequeno desafortunado até mesmo a dignidade de um sobrenome — só em 2024 mais de 170 mil bebês receberam na certidão de nascimento apenas o nome da mãe. Tão grave quanto esse abandono de primeira hora é o desprezo e a negligência do pai que se diz presente, mas, movido por uma ignorância criminosa, terceiriza para a escola, para as redes sociais, para o mundo inteiro, o coração de sua criança.

Esse é o pastor dorminhoco, que descansa tranquilo e deixa seu rebanho à sorte com a malta dos lobos famintos e salivantes à espreita. Ora, quantas e quantas crianças não ficam o dia todo passeando sozinhas na floresta virtual, nessa mata fechada que esconde um feroz predador amoitado em cada árvore? Cadê o pastor para tirá-las dali ou para andar a seu lado, de mãos dadas, instruindo-as para o bem, afugentando o que é mau? Está dormindo o pastor, sonhando com a promoção no serviço, com as férias de dezembro, com a aposentadoria daqui a vinte anos, com os filhos que, dali a pouco, graças a Deus, não serão mais da sua conta. 

É ruim o pastor negligente. No entanto, conforme vemos na denúncia do Felca, há uma casta ainda pior: há os pastores que, muito atentos e despertos, numa completa inversão de sua natureza, associam-se aos lobos. O bom pastor, além de vigilante, deve ser abnegado. Esses pastores, egoístas e gananciosos, veem suas ovelhas, tão bonitas, tão saudáveis, tão jovens, como um meio de enriquecerem — mesmo que ao preço de vendê-las aos malvados. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas; o mau pastor mata-as para encher os seus cofres.  

“A ovelha perdida”, por Alfred Usher Soord.

Eis, portanto, os três tipos paternos mais abundantes nesse país pós-cristão e paganizado: os pais que fogem, os pais que dormem, os pais que sacrificam. Daí que Nosso Senhor olhe para as nossas casas e lamente-se como outrora lamentou-se, diante da multidão em Israel, “porque eram ovelhas sem pastor” (Mc 6, 34). Poderia dizer de nós: porque são filhos sem pais. 

De todo modo, embora estejamos, sim, num país pós-cristão, a verdade é que acontece aqui, como em várias outras partes do Ocidente, um certo renovo da fé, um lento retorno à casa do Pai, sobretudo dentre os mais jovens. Claro, todo esse movimento é muito bom e motivo de grande esperança, mas precisamos dizer: o restauro da Igreja passa necessariamente pelo resgate da família. Veja-se o que diz o Catecismo: “Desde suas origens, o núcleo da Igreja era em geral constituído por aqueles que, ‘com toda a sua casa’, se tornavam cristãos. Quando eles se convertiam, desejavam também que ‘toda a sua casa’ fosse salva. Essas famílias que se tornavam cristãs eram redutos de vida cristã num mundo incrédulo’” (§ 1655).

É preciso então construirmos novas famílias, erguermos milhares e milhares de novas “Igrejas domésticas”. Pois aqui fica um apelo aos rapazes, aos homens: assim como não há Igreja sem bispo, também não há família sem pai.  

O Padre Paulo Ricardo, anos atrás, apelou para que disséssemos aos nossos meninos: esto vir — seja homem! 

Agora, complementemos a lição: homem, seja pai! Esto pater!

Que São José, Patriarca da Sagrada Família, seja-nos, a um tempo, modelo e intercessor!

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