O cessar-fogo firmado recentemente entre o governo de Bashar al-Assad e os opositores do regime está longe de dar trégua ao caos em que vive a Síria. O país está repartido entre inúmeras facções e já entra em seu sexto ano de guerra.

Ao norte do país, na fronteira com a Turquia, está quase tudo nas mãos dos curdos. O centro e a parte oriental na divisa com o Iraque são propriedade do Estado Islâmico. As forças alauitas de Assad governam a zona costeira e parte do sul do país — salvo alguns enclaves dos rebeldes —, mantendo controle sobre cidades chave, como Hama e Homs, na esperança de um dia reconquistar Aleppo. A província de Aleppo propriamente dita está sob o governo de uma constelação de milícias islâmicas e terroristas.

O balanço de cinco anos de guerra é pesadíssimo: são pelo menos 271 mil mortos — há quem fale do dobro —, um milhão de feridos e 13 milhões de refugiados, 5 dos quais estão espalhados em campos de prófugos em todo o Oriente Médio.

Em meio a tantas mortes e destruição, uma pequena mas resplandecente luz é acesa pelos cristãos, que têm dado um belo testemunho da própria fé diante de seus perseguidores islâmicos. São muitos os seguidores de Cristo que sacrificaram as suas vidas, como o padre Frans van der Lugt, o missionário holandês sepultado no jardim do mosteiro de Homs, que não quis voltar por causa da guerra, para não abandonar os poucos cristãos que restavam na velha cidade tomada pelos rebeldes. "Ajudava a todos, cristãos e muçulmanos", e talvez justamente por isso tenha sido assassinado no dia 7 de abril de 2014.

Também comovente é o martírio de Sarkis el Zakhm — de quem já se pediu a abertura da causa de beatificação —, que em Maloula foi assassinado a sangue frio pelos jihadistas. Os muçulmanos passavam casa por casa para ordenar aos cristãos que se convertessem, sob pena de decapitação. Sarkis respondeu assim: "Sou cristão e, se me quereis assassinar só por isso, fazei-o". De fato, não o pouparam.

São muitos, enfim, os que têm algo a contar sobre os cristãos de Aleppo, constantemente ameaçados pelas bombas lançadas por rebeldes ditos "moderados". Sem água, sem eletricidade, sempre em risco de vida, eles têm dado ao mundo uma verdadeira "lição de alegria". É o testemunho que dá Abbot Semaan Abou Abdou, administrador apostólico da Eparquia Maronita de Aleppo, em entrevista à associação Ajuda à Igreja que Sofre:

"Três palavras resumem a guerra na Síria: assassinato, desalojamento e destruição. Há três questões existenciais: Quando a guerra vai acabar? Para onde estamos sendo conduzidos? Quem está se beneficiando com tudo isso? E há também três questões de fé: Onde está Deus? Por que Deus nos abandonou? Por que Ele não acaba com a guerra? Todos estão confusos, aterrorizados e sem rumo.

Há escassez de água, quedas de energia, falta de gasolina, medicamentos — muitos médicos fugiram da cidade. Além disso, muitos de nossos lares e igrejas foram destruídos. A violência está causando um luto indescritível. Fiquei profundamente abalado no último mês de março [2015] durante o funeral de uma mãe e de suas duas filhas pequenas que morreram em uma explosão. Ali, na igreja, havia três caixões: foi uma cena muito difícil e emocionante. O que eu poderia dizer às pessoas? Todos choravam, especialmente os seus amigos mais jovens. Que o Espírito do Senhor console os corações daqueles que estão em luto.
[...]
Trabalhamos tanto a nível psicológico quanto a nível espiritual: com orações diárias, Missa, o Rosário, celebrando ocasiões importantes como como o Natal e o Ano Novo — para as crianças — e jubileus das famílias, como o aniversário de bodas de 25 e de 50 anos; organizamos banquetes para a comunidade. Fazemos numerosos encontros que dão aos jovens a chance de expressarem os seus sentimentos, rezarem juntos, discutirem tópicos de guerra e paz e a importância vital da aceitação dos outros — como viver nossa fé em tempos de guerra. Visitamos os mais velhos, ajudamos as crianças a fazer suas tarefas e provas, e trabalhamos com as mulheres e donas de casa, com fins espirituais e culturais. A Igreja se ocupa com todas essas coisas na medida em que a situação de segurança permite.
[...]
Há uma perspectiva positiva: todos em Aleppo são mártires em potencial — em particular os cristãos que estão sendo mortos simplesmente porque são cristãos e não querem abandonar a sua fé e a sua terra. Às vezes eu realmente consigo ver que a fé das pessoas está mudando e crescendo. A fé dessa gente é pedra sólida, eles vêm à igreja em grandes números. É possível ver refletido no rosto da maioria uma alegria interior que leva você ao reino espiritual. Eles são capazes de agradecer ao Senhor com todo o seu coração. Não querem reclamar, não obstante a perseguição, o estresse e as privações. Há um sorriso em seus rostos. Eles lhe agradecem e apreciam tudo o que você faz por eles. Meu povo, incluídas as crianças, me dá lições de alegria.

Os cristãos no Oriente Médio são uma minoria — mas o seu número não é importante. O que importa é o valor e o poder inerentes à sua existência e o testemunho da sua presença ativa."

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