No remoto dia 16 de outubro de 1454, no Mosteiro de Santa Maria Madalena das religiosas dominicanas de Alba, no sul de Turim, Itália, Soror Filipina agonizava.

Em torno do leito dessa dominicana de santa vida, tinha-se reunido toda a comunidade religiosa, acompanhando-a com as orações pelos moribundos. Estavam presentes a abadessa e fundadora do mosteiro, Bem-aventurada Margarida de Sabóia, e o confessor das religiosas, Pe. Bellini. Todos eles foram testemunhas do fato extraordinário que então se passou. Os presentes lavraram um documento que, através de diversas vicissitudes históricas, chegou até nossos dias, endereçado “àquelas pessoas que nos anos futuros lerão estas folhas” [1]. Há quatro anos, em 2000, as próprias dominicanas de Alba publicaram os documentos relativos ao caso [2]. Diz um dos documentos:

Aconteceu que durante a agonia ela [Soror Filipina] recebeu do Céu uma magnificís­si­ma visão ou revelação, durante a qual, diante do Padre Bellini, da Abadessa Fun­dadora e de todas as monjas, manifestou em alta voz coisas ocultas. [...] Raptada por uma alegria celeste, voltando o seu olhar para o alto, saudou nomina­­lmente e em alta voz os celícolas [i.e., habitantes do Céu] que lhe vinham ao encontro, ou seja: a Santíssima Senhora do Rosá­rio, Santa Catarina de Siena, o Beato Humberto, o abade Guilherme de Sabóia; falava de acontecimentos futuros, prósperos e funestos para a Casa Sabauda, até um tempo, não precisado, de terríveis guerras, do exílio de Humberto de Sabóia em Portugal, de um certo monstro do Oriente, tribulação da humanidade, mas que seria morto por Nossa Senhora do Santo Rosário de Fátima, se todos os homens a tivessem invocado com grande penitência. Depois do que, expirou nos braços da prima, a santa nossa Madre Margarida de Sabóia [Documento 1, cf. nota 2].

Sim, em 1454, pouco mais de quatro séculos e meio antes das aparições da Cova da Iria, o Céu desvendou a uma alma de elite o castigo que significaria para o mundo pecador um “monstro do Oriente, tribulação da humanidade”, figura que parece bem encarnar os “erros da Rússia” contra os quais Nossa Senhora advertiu os homens em 1917.

Além do mais, indicou um sinal da época em que ocorreria a “tribulação”: por ocasião do exílio do rei Humberto II da Itália. Este verificou-se depois da II Guerra Mundial, poucos anos após a Irmã Lúcia tornar público o conteúdo da mensagem revelada em Fátima!

No século XV, a revelação também sublinhava a condição posta por Nossa Senhora em 1917: uma “grande penitência” para o mundo livrar-se do flagelo da “tribulação da humanidade” vinda do Oriente.

Em 1454, como em 1917, o Céu anunciou o triunfo final da Santíssima Virgem. Um dos documentos agora publicados diz que o “monstro do Oriente, tribulação da humanidade”, “seria morto por Nossa Senhora do Santo Rosário de Fátima”. Num outro documento, lê-se a mesma asserção, nos seguintes termos: “Satanás fará uma guerra terrível, porém perderá, porque a Virgem Santíssima Mãe de Deus e do Santíssimo Rosário de Fátima, ‘mais forte que um exército em ordem de batalha’, vencê-lo-á para sempre” [Documento 1].

Considerando essa visão, inúmeras perguntas afloram ao espírito. Elas são até perplexitantes. Que relação haveria entre o mosteiro das dominicanas, na pequena cidade de Alba, e a então desconhecida aldeia de Fátima, numa época de escassas e incertas comunicações? Como explicar o fato de a Providência ter comunicado com tanta anterioridade o anúncio da intervenção de Nossa Senhora em Fátima, e, entretanto, ter permitido que só se viesse a conhecê-lo no terceiro milênio?

Lendo com atenção os documentos publicados em 2000, encontramos respostas a essas e outras interrogações. Mais ainda. Desponta uma série de acontecimentos históricos, humanos e celestes, que lançam ponte por cima dos séculos. Uma ponte que liga: a) a vocação de Portugal, tal qual desabrochava em seus albores; b) os acontecimentos de 1917; c) nossa época; d) o vindouro triunfo do Imaculado Coração de Maria, anunciado em Fátima.

Como se liga essa trama de acontecimentos?

Fátima, no centro da arquitetonia da História

A História pode ser comparada a uma imensa encenação, difícil de excogitar. O teatro é a própria Criação. No centro do cenário, os homens se movem, falam, fazem e desfazem, enquanto Deus, na sua infinita sabedoria, atua nos bastidores, no Céu, oculto aos olhos dos homens de pouca fé. Ele vai modelando, como um diretor soberano, o desenrolar dessa peça suprema, através das causas segundas — como é o caso dos espíritos angélicos, dos homens e da natureza — e, em certas circunstâncias peculiares, mediante sua intervenção direta.

No fim da História, verificar-se-á que o longo enredo de séculos de lutas, vitórias e tragédias da humanidade não foi uma sucessão confusa de fatos, mas a realização de um superior plano divino. No Juízo Final a História aparecer-nos-á, não como um amontoado de acontecimentos, segundo a visão de certos manuais escolares. Mas mostrar-se-á com a ordem reluzente de uma fabulosa catedral, em que ao esplendor das linhas arquitetônicas somar-se-á a riqueza e a magnificência dos pormenores, formando o conjunto uma obra-prima de perfeição insuperável.

Nesta Terra, precisamos nos esforçar para entrever tal arquitetonia final. Os fatos imediatos distraem nossa visão, como os andaimes escondem o prédio que está sendo construído. O movimento dos operários, freqüentemente confuso, perturba a percepção do plano do arquiteto.

Entretanto, em certas oportunidades, focalizando certo ângulo ou descobrindo fortuitamente um elemento, podemos intuir parte do vulto desse edifício majestoso.

É lícito supor que, quando o prédio estiver concluído, no final dos tempos, todos — anjos e bem-aventurados, demônios e precitos — descobrirão que ele ostenta em seu centro a Nosso Senhor Jesus Cristo, e a seu lado a Rainha dos Céus e da Terra, talvez sob a invocação do Coração Imaculado de Maria. As imagens de Nossa Senhora no cerne da rosácea, como nas fachadas de catedrais góticas, a exemplo de Notre Dame de Paris, dão-nos uma certa idéia disso.

A vida de Soror Filipina pertence à categoria dos fatos que, à maneira de um clarão, nos fornecem uma antevisão, ainda que pálida, da arquitetonia da obra que Deus está construindo ao longo dos milênios de História.

Para entender melhor, retrocedamos um pouco no tempo.

“O Imaculado Coração de Maria”, por Raúl Berzosa.

Soror Filipina era de estirpe principesca. Seu pai, Felipe II de Sabóia, Príncipe de Acaia, nascera em 1344, e desde jovem teve que defender militarmente seus direitos sobre o feudo paterno. Acabou sendo deserdado pela madrasta, traído e entregue à morte. Foi amarrado com correntes e lançado nas águas gélidas do lago Avigliana, perto da abadia de San Michele delle Chiuse, entre o Piemonte e a Sabóia, em 20 de dezembro de 1368.

Nesse mesmo ano nascia sua filha única, Umberta Felipa, no castelo de Sarre. Ela nunca conheceu o pai. Mas, conhecendo seu terrível destino, tornou-se religiosa, com o fim de obter-lhe a graça da salvação eterna. E para que seu holocausto fosse mais perfeito, entrou em religião sob o nome de Filipina dei Storgi, para não ser objeto de preferências, ocultando seu nome principesco.

Na hora da execução, o Príncipe Felipe havia posto no pescoço uma medalha. Era esta do Bem-aventurado Humberto III († 1189), conde soberano da Sabóia e herói na defesa do Papado contra as injustas pretensões do Imperador Frederico Barba Ruiva. Um antepassado seu, portanto.

Quando o corpo de Felipe desapareceu sob as águas, os assassinos fugiram. Porém, por inverossímil que pareça, o príncipe não morrera. Por um milagre — que ele atribuía à medalha do Beato Humberto —, voltou à tona sem ser visto por ninguém. Partiu então para o exílio, levando desde então vida de penitente. Usando um pseudônimo, peregrinou pelos santuários da França, Suíça e Espanha. Até que chegou... a Fátima, em Portugal.

Por que Fátima? O que havia lá?

D. Mafalda de Saboia (1125–1158), primeira rainha consorte de Portugal, em iluminura do século XVI.

Os documentos agora publicados mencionam “uma igreja numa cidadezinha que se chama Fátima, edificada por uma antepassada de nossa Santa Fundadora Margarida de Sabóia, Mafalda rainha de Portugal” [Documento 2, cf. nota 2].

A rainha Mafalda († 1157) foi esposa de D. Afonso Henriques (1128–1185), fundador do reino português. Ela era filha de Amadeu III da Sabóia († 1148), Conde do Sacro Império Romano Alemão, falecido na 2.ª Cruzada, e irmã do Beato Humberto, a quem o príncipe devia a vida. Era também uma antepassada do príncipe em desgraça.

A região de Fátima e vizinhanças fora conquistada aos mouros pela espada do rei D. Afonso. A seguir, este rei precisou garantir o povoamento e o controle da área conquistada, porque as incursões maometanas eram contínuas. Por isso D. Afonso, com a participação de Da. Mafalda, concedeu grandes extensões dessas terras a duas ordens religiosas de escol, além de outorgar castelos a nobres portugueses, paladinos da Reconquista.

Uma foi a Ordem de Cister (cistercienses), fundada por São Bernardo de Claraval, o grande apóstolo marial da Idade Média e primo do rei. Os cistercienses erigiram a célebre abadia de Santa Maria de Alcobaça, berço da cultura lusitana, a menos de 40 quilômetros a oeste de Fátima.

A outra foi a Ordem do Templo (templários), ordem militar de cavalaria constituída também sob o influxo de São Bernardo, para defender a Terra Santa. Após polêmica proibição, os templários foram expulsos da Europa e se refugiaram em Portugal. Seu quartel-general estava localizado em Tomar, aproximadamente a 30 km a leste de Fátima. Em 1318, sob o reinado de D. Dinis, transformou-se no quartel-general da Ordem de Cristo. A cruz dos Templários e da Ordem de Cristo figurava nas velas das naus de Pedro Álvares Cabral, o descobridor de nosso País. Essa cruz foi a insígnia que tremulou, durante os primeiros anos de nossa história, nos estandartes e bandeiras da Terra de Santa Cruz.

Esse conjunto de fatores explica por que Fátima e circunvizinhanças estavam profundamente impregnadas pela irradiação marial cisterciense e pelo espírito de cruzada templário, que emanavam dos dois grandes pólos abaciais: Alcobaça e Tomar. Tal irradiação redundou na construção de múltiplas fortalezas da Ordem do Templo e abadias, igrejas e capelas dedicadas a Nossa Senhora, em plena época de cruzadas. “A luta contra o Islã — confirma o Cônego Barthas — continuou ao longo de todo o século XII. Vários dos belos feitos de armas que fizeram de Portugal o cavaleiro da Cruz contra o Crescente se desenrolaram na região que circunda Fátima” [3].

Fátima estava localizada num cruzamento das rotas que ligavam os castelos de Leiria, Tomar, Santarém, Ourém e Porto de Mós, percorridas por reis, nobres e cavaleiros templários. Uma velha tradição, ainda viva em 1917, contava que, passando Nuno Álvares Pereira (São Nuno de Santa Maria, canonizado pelo Papa Bento XVI) por Fátima em 1385, seu cavalo “teria ajoelhado e, à vista disso, D. Nuno teria dito: ‘Aqui há de dar-se um grande milagre’” [4]. Na Serra de Fátima, o santo condestável teria planejado a histórica batalha de Aljubarrota, que garantiu a independência de Portugal.

Na origem da cidade de Fátima figura um pequeno mosteiro erigido por cistercienses vindos de Alcobaça [5].

Daquele cenóbio só restam os fundamentos, que servem de base para a atual igreja paroquial, erigida no século XVIII. As tradições locais também fazem numerosas referências a antigas capelas junto às quais moraram outrora ermitões com fama de santidade.

Além do mais, a rainha Mafalda incentivou a criação de numerosas abadias e igrejas em outras localidades do reino, várias das quais ainda existentes.

Qual delas teria sido “a igreja construída por Mafalda (ou Matilde) de Sabóia, irmã do Beato Humberto e primeira rainha de Portugal, em honra e por devoção à Santíssima Virgem, no lugar chamado ‘Rocha de Fátima’”, que Felipe foi visitar, e de que falam os documentos [cf. Documento 1]?

É difícil dizê-lo. Ficamos aguardando esclarecimentos que as pesquisas históricas possam trazer.

O fato é que o Príncipe Felipe, após anos de ausência, voltou para a sua terra natal. Apresentou-se primeiro ao bispo de Tarantasia, D. Eduardo de Sabóia († 1395), seu tio. Depois iniciou a procura de sua filha, dissimulado sob pseudônimo.

Os anos passaram-se. As rugas surgidas na face, as roupas de mendigo, nada lembravam em Felipe o jovem e temido chefe de armas que outrora fora. Ninguém o reconheceu. E sua procura foi infrutífera, apesar de visitar casas de familiares. Entre elas a da sua sobrinha, a Bem-aventurada Margarida de Sabóia-Acaia [6]. Na última vez que esteve com ela, em dezembro de 1418, desvendou-lhe sua verdadeira identidade, narrou-lhe o milagre na hora da execução e a vida posterior. Por fim, confiou-lhe a sua mais preciosa relíquia — a medalha do Beato Humberto —, pedindo que a entregasse à sua filha, caso ela aparecesse.

“Uma vez feita esta extrema revelação — diz um dos documentos —, por disposição divina, ele expirou na noite seguinte na igreja de São Francisco, sobre o sepulcro do irmão Ludovico de Sabóia, enquanto ansiava voltar ao túmulo do Beato Humberto em Altacomba” [ou Hautecombe, abadia onde se encontra a cripta da dinastia dos Sabóias; cf. Documento 1].

Holocausto aceito e o prenúncio de Fátima

A Beata Margarida ficou com a medalha. A filha do Príncipe Felipe tinha, juntamente com sua genitora, desaparecido havia muito tempo. Na realidade, ela entrara “junto com a mãe no mosteiro Santa Catarina de Alba, tomando o nome de Soror Filipina, pelo pai que ela acreditava morto” [cf. Documento 3].

Anos depois, a Bem-aventurada Margarida foi a Alba. Ali fundou o mosteiro de Santa Maria Madalena. Certo dia, Soror Filipina pediu sua transferência para o novo mosteiro. Tinha para isso uma autorização do Papa Nicolau V, datada de 16 de janeiro de 1448. Mas apenas na hora da morte confessou à abadessa ser sua prima. Também foi só nesse momento que Soror Filipina tomou conhecimento, por meio da Beata Margarida, da virtuosa morte de seu pai, por cuja salvação oferecera sua vida religiosa, assim como da passagem dele por Fátima. E enlevada, recebeu a milagrosa medalha.

Soror Filipina passou toda a sua vida na ignorância da aceitação de seu sacrifício. Na hora da morte, a admirável arquitetonia de sua vida se lhe apresentou de modo fulgurante. Mais ainda, o Céu premiou-a com a visão do triunfo futuro de Nossa Senhora sobre “um certo monstro do Oriente, tribulação da humanidade”, “que seria morto por Nossa Senhora do Santo Rosário de Fátima, se todos os homens a tivessem invocado com grande penitência” [Documento 1].

A história, entretanto, não termina aí. Como foi dito, em 1454 todos os presentes lavraram documento para a posteridade, narrando a portentosa visão de Soror Filipina.

Dois séculos depois, em 1638, o Padre Jacinto Baresio, O.P., publicou uma história da nobre família Sabóia, a pedido da Duquesa de Mântua, Margarida de Sabóia-Gonzaga, então vice-rainha (regente) de Portugal. Na hora de escrevê-la, o Pe. Baresio analisou a crônica de Soror Filipina e julgou que o episódio da execução do príncipe Felipe poderia macular a reputação da dinastia. Então simplesmente queimou-a...

Porém, assim que ele partiu, a abadessa e as mais antigas religiosas do mosteiro, que tinham lido o original, reconstituíram seu conteúdo, rubricando cada uma o texto em sinal de autenticidade, em 7 de outubro de 1640.

Em 1655, uma religiosa que só anotou suas iniciais deixou mais um documento escrito, confirmando tudo quanto dizia o anterior, nos seguintes termos:

Dizem as memórias escritas que lá, na Lusitânia, há uma igreja numa cidadinha que se chama Fátima, edificada por uma antepassada de nossa Santa Fundadora Margarida de Sabóia, Mafalda rainha de Portugal e filha de Amadeu terceiro de Sabóia, e que uma estátua da Vir­ge­m Santíssima falará sobre acontecimentos futuros muito graves, porque Satanás fará uma guerra terrível; porém perderá, porque a Virgem Santíssima Mãe de Deus e do Santíssimo Ro­sá­rio de Fátima, “mais forte que um exército em ordem de batalha”, vencê-lo-á para sempre.

A. D. 1655. São Domingos, te confio estas folhas.

Soror C. R. M. [Documento 2]

Mas também estes outros manuscritos caíram no esquecimento. Em boa parte devido às perseguições religiosas, que por duas vezes fecharam o convento das dominicanas de Alba.

E assim transcorreram mais dois séculos. Até que em 1855 [no original, ora consta 1885, ora 1855] a então Abadessa Benedita Deogratias Ghibellini “recebeu a revelação, de uma alma santa, do conteúdo daquela crônica desaparecida e o confiou verbalmente à sua sucessora, com a obrigação de transmiti-la, sempre em segredo e não publicamente, até que se tenha verificado cada coisa” [Documento 3].

Em 22 de maio de 1923, a Priora Madre Stefana Mattei comunicou o segredo a Soror Lúcia Mantello. Esta fez um breve estágio nas dominicanas antes de se tornar religiosa salesiana. Ela não teve em mãos os antigos documentos, e apenas transcreveu esta outra revelação transmitida por cada abadessa à sua sucessora, e que fazia referência às crônicas que estavam desaparecidas.

Nos apontamentos esquemáticos de soror Lúcia, lê-se:

Uma antiqüíssima crônica do Mosteiro narrava a visão de Soror Filipina dei Storgi [...]. Soror Filipina moribunda (16 outubro 1454) tem uma visão (a Beata e as freiras estão presentes) [...]. ­Personagens da visão: Nossa Senhora do Rosário, São Domingos, Santa Catarina de Siena, o Beato Humberto, o abade Guilherme de Sabóia-Acaia: todos vêm ao encontro. Depois, após uma interrupção, um olhar no futuro: [...] Humberto II no exílio em Portugal; [...] Nossa Senhora de Fátima salvará a humanidade [...]. Amém [Documento 3]!

Quando os documentos de séculos anteriores foram reencontrados, a concordância entre eles serviu de preciosa prova recíproca da autenticidade de ambas as revelações.

Os documentos que aqui analisamos dão uma idéia da imensidade do plano que a Providência tem a respeito de Fátima. Iniciou esse plano por ocasião da fundação do Reino de Portugal, e o foi preparando ao longo dos séculos. Além do mais, foi comunicando-o a certas almas muito queridas por Maria Santíssima. Elas ficaram como testemunhas, para nos reconfortar neste tempo do auge da tribulação. E nos dizem, através de uma narração providencial, que no final, contra todas as aparências em sentido contrário, o maligno será derrotado e Nossa Senhora triunfará!

Hoje, o “monstro do Oriente, tribulação da humanidade”, revelado a Soror Filipina, desencadeia suas mais “terríveis guerras”. Com efeito, no Ocidente os “erros da Rússia” causam revoluções, lutas de classe, invasões de toda espécie; e a onda de imoralidade e irreligião que devasta as sociedades, a família, a cultura e até a ordem eclesiástica. No Oriente, esses mesmos erros penetraram até no mundo maometano e deram origem em profundidade, ao fundamentalismo islâmico, que hoje aterroriza o mundo inteiro. O mesmo Islã, que na região de Fátima fora esmagado, volta agora com furor redobrado pela ação do vírus revolucionário [7].

Porém, quanto mais iminente parece a instauração do caos final, contra toda verossimilhança humana e natural dar-se-á a vitória do Imaculado Coração de Maria, conforme a promessa de Nossa Senhora em Fátima, em 1917. Dela participarão os homens que, tocados pela graça, fizerem penitência e tenham uma grande conversão.

A história do príncipe Felipe de Sabóia-Acaia e de sua filha soror Filipina fala-nos da beleza e da grandeza de duas formas de penitência. Uma, a do pecador. Outra, a do inocente. Os dois trilharam a via da penitência, em meio aos acontecimentos mais inverossímeis. No fim, os inverossímeis, aceitos com coração contrito e humilhado, deram num superior acerto.

Os fatos históricos ligados ao local escolhido por Nossa Senhora apresentam-nos um ideal de devoção a ela e de excelência de civilização cristã, sob o signo da Cruz e da espada. Fátima é terra de eleição da Virgem Santíssima e, por isso mesmo, terra de cruzada.

Tendo esse panorama histórico como fundo de quadro, compreende-se que a penitência e a conversão colocarão a humanidade arrependida na trilha dos séculos de fé e de heroísmo em que Fátima nasceu. Ou seja, uma época na qual um São Bernardo pregava as excelsitudes de Maria e exortava ardentemente à cruzada; em que um D. Afonso Henriques, nobres e templários conduziam à vitória o estandarte da Cruz, derrotando a então soberba islâmica. E mais tarde seus sucessores, atravessando os oceanos, aportaram com o estandarte da Cruz, estampado nas velas de suas embarcações, em lugares distantes como o Brasil, cujo primeiro nome foi Terra de Santa Cruz.

Notas

  1. Il Cervo della Beata Margherita di Savoia, n.º 2, 2000, Ano XLVIII, Alba.
  2. Os documentos históricos do Convento de Alba são três. Eles fornecem o fundamento deste artigo. O documento 1 é uma nota manuscrita, acrescentada a um livro de autoria do Pe. Jacinto Baresio, de 1640. Ocupa quatro páginas não numeradas. É datada de 7 de outubro de 1640. Nela se encontra o essencial da revelação. O documento 2 consiste num acréscimo ao caderno, que leva a inscrição: 1624 - Livro no qual se anotam as Missas, Milagres, ex-votos que acontecem diariamente à Beata Margarita de Sabóia em Alba. É datado de 1655. Começa a partir da página 52, e é escrito com “uma caligrafia alta e clara” por uma religiosa que assina Soror C.R.M. Descreve a mesma revelação. O documento 3 consiste em apontamentos da Irmã Lúcia Mantello em 1855. Esta passou brevemente pelo convento e depois tornou-se religiosa salesiana. Ela não conheceu os dois documentos anteriores. Todos os três foram “reencontrados casualmente em 19 de agosto do ano passado [1999]” e publicados em 2000.
  3. Cônego C. Barthas e Pe. G. da Fonseca SJ, Fatima, merveille inouie, Fátima, Ed. Toulouse, 1943, p. 20.
  4. Pe. Luciano Coelho Cristino, Descobrir o passado, preservar o futuro, Ajefatima, 1999, p. 12.
  5. A respeito da origem da cidade de Fátima, cf. Nossa Senhora escolheu aparecer em Fátima. Por quê?, Catolicismo, n.º 629, maio/2003.
  6. Filha de Amadeu I de Sabóia-Acaia, Senhor do Piemonte e irmão do Príncipe Felipe, a Bem-aventurada Margarida de Sabóia (21/6/1390–23/11/1474) casou-se com Teodoro II Paleólogo, Marquês de Monferrato. Viúva aos 28 anos, fundou o mosteiro de dominicanas de clausura de Santa Maria Madalena, em Alba. Sendo venerada como santa, São Pio V aprovou em 1566 seu culto no mosteiro, e Clemente X estendeu-o a toda a Ordem Dominicana. Foi proclamada Beata em 1.º/9/1838. Em dezembro de 2001, com aprovação da Congregação dos Santos, o seu corpo foi exumado, verificando-se estar incorrupto, sem sinais de embalsamamento.
  7. Cf. A verdade sonegada sobre o fundamentalismo islâmico, Catolicismo, n.º 611, novembro/2001.

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