Faz apenas seis anos [1] que escrevi Defending Marriage: Twelve Arguments for Sanity [“Defendendo o Matrimônio: Doze Argumentos pela Sanidade”, sem tradução brasileira], para lançar um alerta contrário à fantasia de que dois membros do mesmo sexo podem contrair casamento, pois eles não conseguem ter relações sexuais, podendo apenas realizar um arremedo delas. Meus argumentos não tiveram como fundamento a Escritura ou a doutrina da Igreja — na verdade, não fiz nenhuma menção a elas —, mas a observação geral [da realidade], precedentes históricos e culturais, bem como a biologia masculina e a feminina. 

O principal adversário que eu tinha em mente não era a pessoa já comprometida com a fantasia, mas a indecisa, a “moderada”, que pode ser encontrada em todos nós e muitas vezes não por mérito nosso. O subsolo da terra se agita, mas ficamos indiferentes porque as nossas casas não estão tremendo, ao menos não muito. Não devemos nos preocupar com tudo. Ninguém tem energia para isso. Portanto, numa época de mudanças rápidas e de decadência das nossas instituições fundamentais, apoiamo-nos naquilo que, por enquanto, parece saudável o suficiente para os nossos propósitos. “As escolas públicas são terríveis, mas a nossa não é tão ruim”, dizemos. “Ao menos os nossos filhos terão um pai e uma mãe”. O céu não está desabando.  

Previsões de desastre costumam falhar. Isso ocorre seja porque elas extrapolam tendências, que são temporárias, ou o índice de mudança de uma tendência, que é ainda mais provisório; seja porque imaginam um fator vindouro que confirma e acelera a mudança. Mas as previsões se cumprem às vezes, e isso não se dá por acaso. Quando a previsão é baseada na aplicação de princípios, quando se apóia em precedentes históricos e numa sólida compreensão da natureza humana, é bem provável que ela se torne verdadeira, sobretudo porque não se trata tanto de uma previsão quanto de uma análise fria e incisiva do que já é realidade. Foi esse o caso quando o Papa Paulo VI previu que o uso generalizado da contracepção levaria a mais abortos e mais bebês nascidos fora do casamento, e o mundo riu-se, desatento e irresponsável. Mas o mundo estava errado e o Papa, certo.

Parece que o mundo hoje parou de afirmar: “Conceder o direito ao matrimônio a duplas do mesmo sexo não afetará mais ninguém”; agora, ele começa a dizer que não importa o efeito que isso terá, porque direito é direito, e isso basta. É bastante claro o paralelo com o que aconteceu em relação à contracepção e ao aborto. No caso norte-americano Griswold vs. Connecticut, que revogou a lei que proibia a venda de pílulas anticoncepcionais, o juiz William Douglas, da Suprema Corte, fundamentou seu raciocínio na sagrada privacidade do leito conjugal, ignorando qualquer argumento de que a pílula transformaria a santidade deste leito em algo do passado. E aquela foi a última vez que escutamos da Suprema Corte algo sobre esse assunto. Disseram-nos que a legalização do aborto resultaria não em mais abortos, mas na mesma quantia de abortos “seguros”; e nenhum terceiro, nem mesmo o pai, deveria ter permissão para entrar no ambiente sagrado da relação entre a mulher e o seu médico. Aparentemente, a santidade é substituível.

Não digo que o céu desabará sobre nós. Já desabou. Já passávamos por períodos muito ruins. Somente um pequeno número de pessoas que estão na flor da idade são casadas. Então, argumentei que não deveríamos aprofundar ainda mais a discórdia entre homem e mulher. Como a falsa união entre pessoas do mesmo sexo poderia fazer isso? Bem, um princípio, ou a anulação dele, entra no sistema social como alimento genérico ou veneno. O veneno aqui é o seguinte: a negação de que homem e mulher são feitos um para o outro. Falo do Gênesis. O argumento é tanto biológico quanto antropológico. Antes de abordarmos a questão política de como as pessoas podem se unir por meio de salários, profissões, divisões geográficas, credos e níveis de educação, devemos uni-las por meio do primeiro e tremendo abismo na humanidade: aquele que separa homem e mulher; caso contrário, tudo o que dissermos sobre unidade será em vão. Não é possível construir uma cidade com entulho. 

Há seis anos, eu não imaginava que as relações entre os sexos nas nações desenvolvidas do Ocidente — os países onde a doença do individualismo sexual está mais avançada — poderiam deteriorar-se de modo tão ruim e veloz. Quando as pessoas homenageiam a inocência, podem expressar a masculinidade e a feminilidade de várias maneiras saudáveis. Os terrenos são abertos e seguros. Mas o mal pressiona o inocente. Um homem pode perder seu emprego se disser a uma mulher que é bonito o vestido que ela está usando. Ele será igualado aos canalhas que o colapso da moral sexual de fato produz. Ela, por sua vez, estará sempre insatisfeita com o seu destino e porá a culpa das suas desilusões no “patriarcado” — na sociedade menos patriarcal que já existiu sobre a terra. Os rapazes estão enfadados em seu isolamento sexual, o qual está para a castidade como a prostituição está para o casamento. As moças dizem ter orgulho dos abortos que realizam. Ficam nuas em público para protestar contra qualquer coisa, pois a histeria sempre encontrará uma causa.

Deus nos fez homem e mulher, e eu tendo a aceitar a sugestão de que a imagem de Deus estava incompleta em Adão sem Eva. Mas a sugestão não faz sentido algum para o feminismo ou a sua forma mais recente, seja no arremedo de sexo, seja no arremedo de matrimônio. Creio que seja esse o pecado original do feminismo, dele surgindo a fonte e a origem (fons et origo) do caos sexual e social com uma inevitabilidade triste, mas repentina. Uma pessoa sensata observa a relação entre homem e mulher e percebe que ela é única. Não é como a amizade entre homem e mulher. Não é como a amizade entre duas mulheres. Não é uma relação de boa vizinhança, ou de obediência numa criança, ou a ajuda mútua num negócio, ou os interesses comuns que existem num clube. A relação entre o homem e a mulher, e só ela, pode gerar vida nova: das crianças que tão negligentemente matamos, cuja inocência tão negligentemente corrompemos e cuja segurança no lar tão negligentemente abandonamos. Uma mulher precisa de um homem como um peixe precisa de uma bicicleta, disseram as feministas, sem parar para refletir que, não fosse pelos homens, elas não teriam nem peixe, nem bicicletas, nem ciclovias onde colocá-las.

Mas, se antes nós negávamos que o mais recente ímpeto da decadência sexual causaria dano ao matrimônio, agora nós passamos a não nos importar mais se isso acontecerá. Não preciso dizer que essa negligência é incompatível com a doutrina social da Igreja, que se baseia na realidade criada do matrimônio e da família, e que prescinde não de desejos individuais, mas dos deveres que temos uns para com os outros como membros de um corpo. O corpo social mais próximo da mão criadora de Deus é a união entre homem e mulher, que foi feita para gerar filhos ou, em caso de infertilidade, para ser um exemplo radiante dessa união, uma causa que sirva de modelo. Em relação a toda proposta que diga respeito a homens e mulheres, meninos e meninas, moral sexual e criação e educação dos filhos, devemos nos perguntar se ela afirma ou nega a realidade do matrimônio; se promove ou frustra a compreensão e a cooperação entre os sexos; se ela surge da gratidão ou do ressentimento, da esperança ou desespero, do materialismo individual deste ou daquele tipo, ou da alegria de filiação a uma sociedade integrada.  

Houve uma época em que os católicos, tanto à esquerda quanto à direita econômicas, concordavam quanto à finalidade para a qual tínhamos quaisquer economias; eles discordavam quanto aos meios. Já é hora de nos lembrarmos daquela finalidade.

Notas

  1. O autor Anthony Esolen publicou esse texto, originalmente, em 19 de março de 2020. Já faz sete anos, portanto, desde a publicação de seu livro.

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