Segundo os reencarnacionistas, a alma deve reencarnar primariamente por dois motivos: para expiar seus pecados e para progredir sem cessar. Aí está toda a razão de ser das vidas sucessivas. Tanto a expiação como também o progresso devem ser méritos pessoais, conquistados por esforços próprios e não em virtude de méritos alheios ou vicários. Recordemos o grito do escritor espírita León Denis:

Não, a missão de Cristo não era resgatar com o seu sangue os crimes da humanidade. O sangue, mesmo de um Deus, não seria capaz de resgatar ninguém. Cada qual deve resgatar-se a si mesmo, resgatar-se da ignorância e do mal. É o que os espíritos, aos milhares, afirmam em todos os pontos do mundo. [1]

Em resumo, diria Allan Kardec, “toda falta cometida, todo mal realizado é uma dívida contraída que deverá ser paga; se não for em uma existência, sê-lo-á na seguinte ou seguintes” [2]. Cada qual deverá expiar suas próprias culpas: não há salvação vicária ou redenção feita por outrem; todos deverão conquistar a perfeição por esforços e merecimentos pessoais: a graça divina e os méritos de Cristo seriam privilégios e injustiças [3]. Deus não perdoa nem mesmo pode perdoar pecados sem que preceda expiação e reparação feita pelo próprio pecador [4]. É esta a essência da soteriologia reencarnacionista.

Ora, todos esses postulados são, outra vez, totalmente incompatíveis com a grande novidade do Evangelho, com a própria medula da “boa nova” (é o sentido da palavra “evangelho”, de origem grega), que consiste precisamente nisso: Cristo, por sua vida, paixão, morte e ressurreição, reconciliou a humanidade com Deus, satisfazendo superabundantemente pelos pecados de todos os homens de todos os tempos. É o cerne da mensagem cristã.

Nossa redenção por Cristo é a medula do Evangelho e da vida neotestamentária. Está em todas as páginas. É a mensagem que os profetas predisseram e os anjos anunciaram na primeira noite de Natal; é a mensagem de João às margens do Jordão, na qual o próprio Cristo insistiu; é, sobretudo, a mensagem que os Apóstolos foram depois levar a todos os povos do mundo; é a mensagem mais cara que a Igreja nos conservou através dos séculos e que se tomou como símbolo do Brasil religioso e cristão: Cristo Redentor no alto do Corcovado.

a) Já o profeta Isaías predisse, falando do Messias: “Verdadeiramente ele foi o que tomou sobre si as nossas fraquezas, e ele mesmo carregou com as nossas dores… foi ferido por causa de vossos crimes; foi atribulado por causa de nossas maldades… Deus pôs nele as iniqüidades de todos nós” (Is 53, 4-6; para a aplicação a Jesus: Mt 8, 17).

b) Quando nasceu Jesus, os anjos o anunciaram aos pastores: “Eis que venho comunicar-vos uma grande alegria: nasceu o Salvador!” (Lc 2, 10). E João Batista o apresentou com estas palavras: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29).

c) Também o próprio Jesus declarou diversas vezes ter vindo para “dar a sua vida como preço de resgate por muitos” (Mc 10, 45); que seu sangue “é derramado por muitos para a remissão dos pecados” (Mt 26, 28), “é derramado por vós” (Lc 22, 20).

d) E São Pedro nos admoesta: “Fostes remidos não pelo ouro e prata corruptíveis, mas pelo sangue de Cristo imaculado”; “o qual levou no seu corpo os nossos pecados sobre o lenho, a fim de que, mortos para o pecado, vivamos para a justiça” (1Pd 1, 18; 2, 24).

e) As epístolas de São Paulo, então, só se entendem à luz desta ideia, animada, ademais, pelo conceito do corpo místico de Cristo, pelo qual a paixão, a morte e a ressurreição de Cristo se tornam nossos, como é nosso o pecado de Adão.

  • A Epístola aos Hebreus é toda uma teologia da redenção.
  • Aos efésios escreve: “É nele que temos a redenção, devido à riqueza da sua graça, que em torrentes derramou sobre nós” (1, 7).
  • “Foi do agrado do Pai que residisse nele toda a plenitude, e que por ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, pacificando, pelo sangue da sua cruz, tanto as coisas da terra, como as coisas do céu” (Cl 1, 20).
  • E a Timóteo, depois de lhe lembrar que Jesus “se entregou como resgate por todos”, escreve o grande apóstolo das gentes: “Tal é a mensagem da salvação que em boa hora se anunciou e da qual fui eu constituído arauto e apóstolo — digo a verdade e não minto para ser doutor dos gentios, fiel e verídico” (1Tm 2, 5-7).
  • E aos romanos declara que “fomos reconciliados com Deus pela morte de seu filho” (5, 10).

f) Também São João é claro e explícito: “Ele mesmo é a propiciação pelos nossos pecados, não pelos nossos somente, mas também pelos de todo o mundo” (1Jo 2, 2).

O Jesus da Paixão segundo Mel Gibson, interpretado por Jim Caviezel.

g) Foi assim também que a Igreja o entendeu sem interrupção. Já o discípulo de João, São Policarpo, escrevia aos filipenses: “Cristo Jesus que tomou os nossos pecados sobre o seu corpo no lenho da cruz, ele que não fez pecados, tudo sofreu por nossa causa, para que nele vivamos” [5]. E ainda hoje o ensino oficial da Igreja é que Nosso Senhor Jesus Cristo, “pela nímia caridade com que nos amou” (Ef 2, 4), “satisfez por nós ao eterno Pai com sua santíssima paixão no lenho da cruz”.

h) Daí a firme doutrina do Concílio Vaticano II: “Ninguém por si só e com as próprias forças se liberta do pecado e se eleva acima de si próprio. Ninguém se desprende em definitivo de sua fraqueza, solidão ou servidão. Mas todos necessitam de Cristo exemplar, mestre, libertador, salvador, vivificador” [6].

É a soteriologia cristã.

Estamos assim diante de duas soteriologias opostas: a cristã e a reencarnacionista. Uma defende a heterorredenção e outra a auto-redenção. Ambas se excluem por natureza, sendo de todo impossível sua coexistência. Quem afirma uma contestará a outra. É por isso que reencarnacionistas são também unânimes em negar a nossa redenção por Cristo. A filosofia da reencarnação revela-se desta maneira como sistema radicalmente contrário ao próprio cerne da mensagem de Cristo.

Referências

  1. León Denis, Cristianismo e espiritismo (trad. de Leopoldo Cirne), 17.ª ed., Brasília: FEB, 2012.
  2. Allan Kardec, O céu e o inferno (trad. de Manuel Justiniano Quintão), 61.ª ed., Brasília: FEB, 2013, p. 84.
  3. Cf. Allan Kardec, O evangelho segundo o espiritismo (trad. de Guillon Ribeiro), 131.ª ed., Brasília: FEB, 2013, p. 76.
  4. Cf. Allan Kardec, O céu e o inferno (trad. de Manuel Justiniano Quintão), 61.ª ed., Brasília: FEB, 2013, p. 85.
  5. São Policarpo de Esmirna, Epístola aos filipenses, c. 8 (PG 5, 1011).
  6. Concílio Vaticano II, Decreto Ad gentes (7 de dezembro de 1965), n. 8.

Notas

  • Trecho extraído e levemente adaptado de Espiritismo: Orientação para Católicos. 9.ª ed., São Paulo: Loyola, 2014, pp. 110-113.

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