O Papa Francisco presenteou toda a Igreja com o lançamento da Encíclica Lumen Fidei, documento que encerra a trilogia das virtudes teologais, iniciada por seu predecessor, o Papa Emérito Bento XVI. No texto escrito a quatro mãos é perceptível a finura teológica de Ratzinger e a sensibilidade pastoral de Bergoglio. Nele, o Santo Padre apresenta a luz da fé como um caminho a ser percorrido por todo fiel, sendo ela "a expressão com que a tradição da Igreja designou o grande dom trazido por Jesus Cristo".

A fé, pontifica o Papa, não é um obstáculo à razão ou à ciência, embora a mentalidade moderna a conceba erroneamente assim. É antes uma luz que ilumina e alarga a visão do ser humano sobre as realidades hodiernas, uma vez que para ser verdadeiramente luz, "não pode dimanar de nós mesmos; tem de vir de uma fonte mais originária, deve porvir em última análise de Deus". Com esse ensinamento, Francisco fulmina a atitude arrogante do homem - principalmente de certos teólogos - que quer fazer de si mesmo a única e própria medida. Neste sentido, insiste o Santo Padre, "urge recuperar o caráter de luz que é próprio da fé, pois, quando a sua chama se apaga, todas as outras luzes acabam também por perder o seu vigor".

O diagnóstico da Lumen Fidei acerca do pensamento moderno é de precisão cirúrgica, ainda mais quando se tem em mente aquela desertificação da fé tão denunciada por Bento XVI. E é aí que se percebe, mais uma vez, a harmonia entre Francisco e os seus predecessores. Com efeito, vale mencionar a citação de Teodoro W. Adorno sobre a fé no progresso técnico, feita pelo Papa Emérito na Encíclica Spe Salvi: "este, visto de perto, seria o progresso da funda[1] à megabomba". Desse modo, só há verdadeiro progresso quando ele está alicerçado nas bases indicadas pela luz que emana de Cristo. E é assim que, recorda Francisco, "o olhar da ciência se beneficia da fé: esta convida o cientista a permanecer aberto à realidade, em toda a sua riqueza inesgotável".

Ademais, o caminho iluminado pela luz da fé não é solitário, pois "quem crê, nunca está sozinho". Portanto, o seu lugar comum é dentro da Igreja, pois é dela que a humanidade recebe a plenitude dos meios da salvação e é também a partir dela que o homem os transmite. Visto que "só é possível responder 'creio'em primeira pessoa, porque se pertence a uma comunhão grande, dizendo também 'cremos'", negar a Igreja significa negar Cristo. É, pois, imperioso para todo cristão não somente assumir, mas também defender todos os artigos do depósito da fé, do qual a Igreja é a primeira guardiã, "precisamente porque todos os artigos da fé estão unitariamente ligados" e, sendo assim, "negar um deles - mesmo dos que possam parecer menos importantes - equivale a danificar o todo".

A fé pressupõe um encontro pessoal com a Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo e com ele, o seu amor, que é justamente a sua essência. A fé procura o bem comum e desperta na consciência humana a verdade impressa em seu coração pelo próprio Deus, iluminando, assim, todas as realidades, desde o matrimônio entre um homem e uma a mulher às demais circunstâncias da existência do homem. A fé age como um consolo a todos aqueles que são oprimidos pela realidade do pecado e pelos males do mundo. A fé, unida à verdade, conduz à Jerusalém Celeste, destino para qual tendem todos os que estão inseridos no Corpo do Único e Verdadeiro Salvador, "em que se revela a origem e consumação da história". Enfim, afirma a Lumen Fidei, a fé, juntamente com a caridade e a esperança, "projeta-nos para um futuro certo, que se coloca numa perspectiva diferente relativamente às propostas ilusórias dos ídolos do mundo, mas que dá novo impulso e nova força à vida de todos os dias".

Referências

  1. * Tira de couro ou corda com que se arremessam pedras ou balas.

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