Semana passada, ao comentar com um colega de trabalho, homem adulto como eu, o recente e lamentável caso da menina de 10 anos que, após ter sido estuprada e engravidar do próprio tio, foi submetida a um procedimento de aborto num hospital de Recife, fui indagado com uma pergunta que me atingiu em cheio e à qual, na hora, não consegui responder.

A questão com que fui interrompido em minha condenação veemente, tanto do aborto quanto do estupro, foi: “, mas e se fosse a sua filha?

Naquele momento eu emudeci, e até me esqueci que estava num debate. A pergunta foi feita em tom provocativo, mas eu aceitei o desafio e realmente me coloquei no lugar da família daquela criança. “Pois então, Pedro, e se fosse a sua filha?

Se fosse a minha filha...? 

Eu não sei, não sei. Sinceramente não sei o que faria... Tentei pensar em uma resposta, mas só o que consegui fazer foi pensar em coisas que eu não faria, caso estivesse numa situação como essa.

Sim, diferentemente do meu colega, tão cheio de certezas, eu não sei o que faria, mas estou certo do que, definitivamente, eu não faria. Meu campo de ações é relativamente amplo, mas há algumas linhas que eu sei que jamais ousaria cruzar.

Por exemplo, eu jamais tentaria “cancelar” um crime de estupro com um aborto. Num ímpeto, até conseguiria me imaginar fazendo algo com o covarde que teria abusado de minha filha. Mas um aborto

Eu sei que tem muita gente repetindo em coro, nesses dias, que “em caso de estupro o aborto não é crime”. Já ouvi algumas pessoas mais entendidas dessa coisa de lei dizerem que não é bem assim. Mas, ainda que não fosse crime, desde quando é esse o parâmetro para não fazer determinada coisa? É o Código Penal, o Estado brasileiro, agora, que diz o que é certo e o que é errado?

Mas já ia fugindo do meu argumento... O que queria dizer é que as pessoas não param para pensar na realidade das coisas. Quando esse meu colega me perguntou, com ar altivo: “E se fosse a sua filha?”, sabe o que ele estava insinuando? Que a única saída possível numa situação dessas seria... matar a minha neta!

Sim, a minha neta. Ou será que ele não parou para pensar que a filha da minha filha é... minha neta? 

É claro, a pobre criança não teria sido concebida na melhor das circunstâncias; mas diga lá, meu bom rapaz, quem é que foi concebido em boas circunstâncias ultimamente, quando se multiplicam gravidezes indesejadas na adolescência e homens sem responsabilidade para assumir os próprios filhos? Quem é que anda podendo gabar-se de ter nascido num lar estruturado, dentro de um programa planejado de reprodução familiar, a não ser uns poucos privilegiados?

Eu sei, eu sei, a situação da menina de 10 anos é ainda mais grave do que as situações graves comuns… Não estou dizendo que é fácil, não estou dizendo que é um “mar de rosas”, não estou “passando pano” no caso...

Mas matar a minha neta? Não, senhor.

E não é questão de religião, meu caro. É questão de princípios. Pois eu me recuso a acreditar que agora seja necessário ser cristão, evangélico, católico, espírita ou o escambau para saber que você não pode matar (nem mandar matar nem consentir que matem!) a sua própria neta. Esse não-agir, esse não-fazer, não deveria ser a coisa mais óbvia do mundo? Há “omissões” que são deveres!

“Ainda que ela tenha sido fruto de um estupro?” Sim, senhor! Ainda que ela tenha sido fruto de um estupro! Pois escute: se minha filha desgraçadamente tivesse sido abusada por um cafajeste, em que mundo você acha que um aborto, sendo ele o que é, poderia “sanar” esse mal? Que lógica há em colocar uma menina que acabou de ser abusada sexualmente, que teve a sua inocência roubada da forma mais violenta e absurda, em uma cama de hospital para ser novamente violada, só que agora para ter roubado justamente o dom mais precioso com que pode ser agraciada uma mulher — o dom de ser mãe?

“Mas ser mãe desse jeito…”. É terrível, é trágico… eu posso imaginar, eu consigo imaginar, e o digo do mais profundo do meu coração, pois realmente não sei o que eu faria numa situação como essa. 

Mas matar a minha neta? Não. Matar a minha neta não seria opção; não, senhor.

O aborto não me tornaria menos avô, nem faria da minha pobre filha menos mãe. Tornar-nos-ia, antes, avô e mãe de uma criança morta. E por minhas próprias mãos!

Eu tremo só de pensar nisso... Tremo só de pensar na possibilidade de fazer uma coisa dessas. Mas, aparentemente, quando ligo a TV e assisto aos noticiários, quando abro os sites de notícias e leio as reportagens, o aborto dessa criança em Recife parece a coisa mais “óbvia” do mundo. Levaram a menina ao hospital, tiraram-lhe o filho como se tira o dente a alguém, e pronto. Resolvido. 

Resolvido? Desde quando matar uma pessoa se tornou meio legítimo de resolver os nossos problemas? Desde quando as tragédias nos autorizam a abdicar assim de nossos princípios morais? Se eu posso matar minha neta, alguém da minha própria família, por que as pessoas aí fora não podem se matar umas às outras? 

A situação é grave, eu sei, mas essa notícia e todos os seus desdobramentos me deixam ainda mais convencido de que o mundo está louco. Perdida e irremediavelmente louco. 

Talvez eu seja só um pessimista, ou mesmo o senil dessa história toda. 

Talvez eu esteja sendo duro demais e não tenha levando em conta toda a dor e sofrimento por que tem passado a família dessa menina.

Mas, ah!... se ela fosse a minha filha, e se por um segundo me passasse pela cabeça a simples ideia de procurar um aborto... eu pediria a Deus, eu imploraria a Ele, com lágrimas e com gemidos, que não me deixasse nunca, jamais, matar a minha neta. 

Isso não. Isso nunca.

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