Qual é, em termos gerais, a doutrina católica sobre a constituição da Igreja

Por constituição entendemos aqui certas partes substanciais, de cuja conjunção surge a Igreja como um todo. Os não-católicos, quando julgam o conceito católico desta constituição, costumam errar muito: 1.º porque pensam que os católicos ou desconhecem ou negligenciam o elemento interno da Igreja; 2.º porque eles mesmos não consideram o elemento externo da Igreja como algo essencial: este último erro, irei refutá-lo mais abaixo; o primeiro cairá por terra, penso eu, se expuser a doutrina católica.

I. A Igreja é constituída de uma parte interna e de uma parte externa, como de alma e corpo. Assim como da alma e do corpo faz-se algo uno, assim, da parte interna da Igreja e da parte externa constitui-se uma única Igreja militante. Ao corpo pertencem a profissão externa da fé, a administração dos sacramentos e o governo visível; por alma entendemos a fé, a esperança, a caridade, os dons internos do Espírito Santo, enfim toda a força sobrenatural e [toda] a graça da qual a Igreja vive e possui movimento imanente. 

1.º De alma e corpo constitui-se o corpo vivo da Igreja, a qual, segundo as Escrituras, é o Corpo místico de Cristo (cf. Ef 1, 22-23; 4, 11-12; 5, 30; Cl 1, 24; 1Cor 12, 27).

2.º Os fiéis não podem ser isolados e separados uns dos outros, mas é necessário que todos estejam inseridos e incorporados ao todo, que é um único corpo; do contrário, seriam membros dispersos, mortos, não “um só corpo, embora sendo muitos” (1Cor 10, 17), “batizados todos nós, para formar um só corpo” (1Cor 12, 13).

3.º A parte interna, a alma, é em si mais digna; contudo, a parte externa não carece de sua dignidade. Ensina o Angélico: “Deve-se dizer que a formosura da Igreja consiste principalmente nas coisas interiores; mas também os atos exteriores fazem parte da mesma formosura, na medida em que procedem do interior e conservam a formosura interior” (In Sent. IV d. 15, q. 3, a. 1).

II. Sobre o influxo da alma no corpo da Igreja. 1.º Assim como a forma dá o ser e a alma dá ao homem o ser humano, assim a parte constituinte interior [dá] todo o ser à Igreja e penetra intimamente a parte exterior ou o corpo. Com efeito, a profissão exterior da fé é animada pela graça interna da fé; o governo é animado pelo poder sobrenatural concedido à hierarquia; a administração dos sacramentos é animada por aquela virtude salvífica que, da divindade de Cristo através de sua humanidade, deriva para os sacramentos (cf. Santo Tomás, STh III 62, 5c.).

2.º Assim como a alma, que é a parte mais nobre do homem, não exclui o corpo, mas recebe algum influxo dele, assim a parte interior da Igreja está ligada à exterior, na medida em que a profissão externa e o ministério estão ordenados pelo próprio Cristo à vida interior da Igreja.

3.º Portanto, a Igreja é essencialmente [simpliciter] uma sociedade sobrenatural. Pois assim como a alma e o corpo se unem no único ser pessoal e essencial do composto [humano] que é o homem (cf. Santo Tomás, De veritate 26, 30), assim, das partes substanciais interior e exterior, ou seja, da alma e do corpo da Igreja, há uma única pessoa moral que é essencialmente sobrenatural, assim como se diz que o homem é um ente essencialmente racional.

III. Do influxo divino em toda a constituição da Igreja. A graça e a virtude sobrenatural pela qual todo o composto — isto é, o corpo e a alma da Igreja — é constituído e conservado também como corpo social, são a operação divina de Cristo e do Espírito Santo. Por isso se diz 1.º que Cristo é a cabeça da Igreja, 2.º que o Espírito Santo é a alma da Igreja.

1.º São Paulo fala do influxo de Cristo, cabeça, na Igreja: “É por ele que o corpo inteiro, coordenado e unido por meio de todos os ligamentos que o servem, segundo uma operação proporcionada a cada membro, opera o próprio crescimento, em ordem à sua edificação na caridade” (Ef 4, 16). Ouçamos o Angélico explicando essas palavras:

Tudo que é próprio da cabeça corporal, a saber, a coesão, a ligação dos nervos e o impulso para a operação, fluem da nossa cabeça, Cristo, para o corpo da Igreja. E primeiramente, a coesão pela fé... Segundo, uma conexão e interligação flui de Cristo cabeça para o corpo místico da sua Igreja: porque, tratando-se de coisas unidas, é necessário que estejam ligadas ou inter-relacionadas por algum nexo ou vínculo. E por isso ele diz unido por meio de todos os ligamentos que o servem, isto é, por meio da fé e da caridade, que conectam e unem os membros do corpo místico para um serviço mútuo… Terceiro: flui, de Cristo cabeça para os membros, uma virtude para operar atualmente, a fim de que cresçam espiritualmente… De nossa cabeça, Cristo, procede não só a união dos membros da Igreja pela fé, nem apenas a coesão ou interligação pelo serviço mútuo da caridade; mas certamente provém dele a operação atual dos membros ou o impulso para a operação, segundo a medida e competência de cada membro… Porque não só pela fé o corpo místico é articulado, nem só pelo serviço unitivo da caridade o corpo aumenta; mas [também] pela disposição atual proveniente de cada membro, segundo a medida da graça que lhe foi dada e de acordo com o impulso para a operação que Deus realiza em nós (In Ephes. IV, lect. 5).

2.º O Espírito Santo é chamado alma da Igreja, porque “o coração tem uma certa influência oculta; e por isso, o Espírito Santo é comparado ao coração, porque ele vivifica e une a Igreja de maneira invisível” (Santo Tomás, STh III 8, 1 ad 3).

Se a Igreja de Cristo é uma assembleia essencialmente visível

Vista da Basílica de São Pedro, por William Marlow.

I. Sentença dos adversários da visibilidade da Igreja. A doutrina contrária à nossa resume-se nestas quatro coisas em si conectadas. 1.º Imaginam-se duas Igrejas, uma visível e outra invisível. 2.º A Igreja invisível é a Igreja das promessas, à qual foi prometida a infalibilidade e os outros carismas. 3.º Essa Igreja invisível é toda a essência da Igreja, enquanto a visibilidade não é senão um acidente. 4.º Portanto, não é necessário que a Igreja seja sempre visível.

Daí que Calvino, no prefácio às Institutas, tenha dito o seguinte: “já que apenas Deus conhece os que são seus, permitamos-lhe às vezes retirar a manifestação externa de sua Igreja da vista dos homens”. Marco Antonio de Dominis defende que só é observável a igreja presuntiva (De republ. Christ. VII, 10). Lutero diz mais abertamente: “Quem nos mostrará a Igreja, se ela está oculta no espírito, e é apenas crida?” (De abrog. Missa priv.). Os modernos negam que sua igreja ideal possa tornar-se visível, porque nenhuma assembleia pode exprimir realmente a ideia.

II. Raiz dos erros contra a visibilidade da Igreja. O erro ora exposto está ligado a outras doutrinas errôneas. Primeiro, assim como os donatistas no século IV entenderam a Igreja como a assembleia dos justos, assim Wycliffe e Hus a chamaram de congregação dos predestinados. Disto decorre que também não poucos protestantes pensaram que toda a constituição da Igreja consiste em alguma coisa invisível, a saber, na justiça e na predestinação.

Seus seguidores, depois, tendo uma ideia falsa de fé justificante e de comunhão imediata com Cristo, se não rejeitaram totalmente os elementos visíveis da Igreja, a hierarquia e os sacramentos, certamente os ultrajaram muito. Por fim, como os católicos argumentavam contra os inovadores que, antes de Lutero não havia nenhuma Igreja além da romana — e que, portanto, ou a verdadeira Igreja ficou escondida por muito tempo, ou a romana, que era visível, era a verdadeira —, os desertores da Igreja romana, pressionados pelo dilema, declararam que sua igreja era invisível [i].

III. Sentença católica sobre a visibilidade da Igreja. Visibilidade define-se como: aquela constituição da Igreja militante por meio da qual, com certeza de julgamento, ela pode ser discernida concretamente como a verdadeira Igreja de Cristo. Há, portanto, uma Igreja e ela é essencialmente [simpliciter] visível, embora seja invisível sob certo aspecto [secundum quid], isto é, se considerares apenas os elementos internos sem relação com os externos; assim como também o homem é dito essencialmente visível, apesar de não ser visto quanto à alma se pensares nela sozinha sem relação com o corpo, no qual ela manifesta sua vida espiritual.

Para constituir essa visibilidade não bastam nem os atos religiosos externos dos indivíduos, nem as igrejas visíveis parciais; ao contrário, a Igreja é crida essencialmente, formalmente e sempre visível como uma única Igreja universal e como o Reino de Cristo.

Portanto, assim como os reinos terrestres, por exemplo, a Bélgica e a Inglaterra, são mostrados como que com o dedo, assim nós mostramos a Igreja, não só materialmente na medida em que são vistos os homens, que são membros da Igreja, mas formalmente ou precisamente enquanto é assembleia e verdadeira sociedade de fiéis. Por fim, a Igreja não é visível por origem ou instituição eclesiástica ou apostólica, mas divina.

Tese: A Igreja foi divinamente constituída como uma sociedade essencialmente visível.

Argumento 1. Tomado da Sagrada Escritura. a) Isaías profetizou no Antigo Testamento: “Acontecerá, nos dias que hão de vir, que o monte da Casa do Senhor será estabelecido acima dos montes, e se elevará sobre as colinas, e para ele afluirão todas as nações” (Is 2, 2; cf. Mq 4). Ora, o “monte da Casa do Senhor” é a Igreja de Cristo, como ensinam Santo Agostinho (In Ioan., trac. I, 13), Santo Optato de Milevo (De schismate Donatis., lib. III), São Basílio (In Is., n. 66), São João Crisóstomo (In Is., II), São Cirilo de Alexandria (In Is. II, 2), Santo Tomás (In Is. II). Cf. São Jerônimo, In Is. LX. Mas todas as nações não podem afluir para a Igreja, a menos que ela sempre apareça. — No capítulo 60, Isaías vaticina o seguinte: “As nações caminharão à tua luz, e os reis, ao esplendor de tua aurora” (v. 3). Mas as nações não parecem caminhar na luz de Cristo se Deus retira do olhar dos homens o conhecimento exterior da sua Igreja ou do Reino de Cristo.

b) No Novo Testamento, Cristo ensina que sempre haverá membros visíveis da Igreja, que são unidos pela autoridade visível e pelos sacramentos, que são sinais visíveis da graça invisível. Ora, a visibilidade que defendemos está contida nestas coisas. Logo [ii]. Certamente são membros visíveis o “trigo e o joio” que o Senhor quer que “cresçam até a colheita” (Mt 13, 30), isto é, até a consumação do século; é visível aquele “rebanho do qual os pastores devem cuidar” (1Pd 5, 2) e “sobre o qual o Espírito Santo vos estabeleceu como guardiães, para apascentardes a Igreja de Deus, que ele adquiriu com o seu sangue” (At 20, 20). — A autoridade visível fica patente por duas ordens dadas por Cristo: “dize-o à Igreja” (Mt 18, 17), bem como: “ide, pois, e ensinai” (Mt 28, 19), onde o Salvador indica que esta missão deve ser observada “até a consumação do século” (v. 20). — Os sinais visíveis da graça são o Batismo, a Eucaristia etc.

Este argumento é confirmado pelas palavras de Cristo aos Apóstolos: “Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre uma montanha” (Mt 5, 14). Além disso, São Paulo não considerou a Igreja como algo invisível, pois ensinou aos pastores “como se deve portar na casa de Deus, que é a Igreja de Deus vivo” (1Tm 3, 15).

Basílica de São Marcos em Veneza, por Ludwig Passini.

Arg. 2. Tomado da tradição. a) Os antigos ensinam a absoluta necessidade de aderir à Igreja visível e evitar os cismas. Logo, eles creram que a Igreja é essencialmente visível. O consequente é manifesto: pois a necessidade absoluta de aderir a uma assembleia que às vezes está oculta, é algo inadmissível. Prova do antecedente [iii]. Santo Inácio de Antioquia afirma (Ep. ad Philad. III, 3): “Se alguém segue um indivíduo que causa cisma, não alcança a herança do Reino de Deus”. São Cipriano: “Quem não tem a Igreja por mãe, já não pode ter Deus como Pai” (De unit. Eccl.). Santo Agostinho: “Amemos ao Senhor nosso Deus, amemos à sua Igreja; àquele como a um Pai, a esta como a uma mãe” (Enarr. in Ps. 88, 14).

b) Os antigos professam, com palavras explícitas, que a Igreja é maximamente visível sempre e por sua própria natureza. Santo Irineu exalta a Igreja “junto à qual se manifesta no mundo um único e mesmo caminho de salvação” (Adv. haer. V, 20). Orígenes: “a Igreja é cheia de esplendor do Oriente ao Ocidente” (Hom. 30, in Matth.). Santo Atanásio: “Reconhece, pois, a Igreja como trono de Cristo, porque Ele repousa nela. A Igreja de Cristo será, portanto, a que refulge e ilumina o mundo, e permanece eternamente como o sol e a lua” (In Ps. 88). Santo Agostinho: “Para ti é fácil ver e dirigir-te a uma cidade constituída sobre a montanha, da qual o Senhor diz no Evangelho que não pode ser escondida. Pois, esta é a Igreja Católica… A ninguém é lícito ignorá-la; portanto, segundo a palavra de nosso Senhor Jesus Cristo, ela não pode ser escondida” (Ep. 52).

Arg. 3. Tomado do fim e da natureza da Igreja. O fim da Igreja é que a missão divina de Cristo seja continuada por ela, segundo aquilo: “Como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20, 21). Mas Cristo, para ensinar os homens, apareceu visivelmente. Logo, é necessário que essa visibilidade continue no Corpo místico de Cristo, que é a Igreja.

Também é preciso notar o seguinte: Deus cuida dos homens segundo a sua condição; mas esta [condição] é tal que, pelas coisas visíveis, sejamos conduzidos às invisíveis. Portanto, não pode faltar à Igreja o elemento visível, já que ela foi instituída em favor dos homens para que, nela e por ela, estes sejam santificados. Cf. Santo Tomás (SCG VI, 56).

Some-se a isso o caráter social da Igreja, em razão do qual a soberba do individualismo é subjugada e os fiéis recebem inúmeros benefícios da influência recíproca dos membros. Mas, removida a visibilidade, nem se pode sequer imaginar a vida social dos homens. Daí que o próprio Calvino diga: 

Sendo agora meu propósito discorrer sobre a Igreja visível, comecemos pelo título de ‘mãe’ considerando quão útil e necessário nos é conhecê-lo se considerarmos que não há outro meio de entrar na vida eterna se a Igreja não nos tiver concebido em seu seio, dado à luz, amamentado, e, depois, nos tiver mantido sob sua guarda e autoridade até o dia em que, despojados de nossa carne mortal, seremos semelhantes aos anjos (Instit. IV, cap. 1).

Obj. 1. Cristo diz: “O Reino dos Céus é semelhante a um tesouro escondido num campo” (Mt 13, 44). Ora, o Reino dos Céus é a Igreja. Logo.

Resposta. Distingo a premissa maior: que a comparação do tesouro escondido indique o valor da Igreja, concedo; que exclua a visibilidade, nego. No capítulo 13, São Mateus recorda as parábolas do semeador, do grão de mostarda, do fermento etc., com as quais se designa a Igreja. Portanto, segundo as regras hermenêuticas, a ênfase não está na palavra escondido, mas na palavra tesouro, donde se conhece o valor da coisa descoberta e a alegria do descobridor.

Réplica. Interrogado pelos fariseus: “Quando chegará o Reino de Deus?”, o Salvador disse: “O Reino de Deus não vem com aparência exterior. Nem se poderá dizer: Está aqui, ou: Está ali, pois o Reino de Deus está no meio de vós” (Lc 17, 20-21). Logo.

Resposta. Distingo a primeira parte do antecedente: que o Reino de Deus não venha com a aparência exterior de rumores e esplendores mundanos, concedo; que não venha de modo visível, nego. Também distingo a segunda parte: que o Reino de Deus esteja no meio de vós, isto é, perto de vós e nos vossos corações, concedo; que ele não seja visto, nego.

No lugar proposto, nem os judeus nem Cristo disputaram sobre a visibilidade da Igreja. Mas, ao contrário, como as almas deles estavam demasiadamente voltadas para o reino temporal do Messias, por isso foram corrigidos por aquele que Zacarias anunciou: “Dizei à filha de Sião: Eis que o teu rei vem a ti, manso” (cf. Mt 21, 5). Ademais, as palavras ἐντὸς e ὑμῶν significam, respectivamente, o lugar e as pessoas em meio às quais uma coisa se encontra. Portanto, Cristo parece ter dito: “O Messias está no meio de vós, e, por sua graça, já possui discípulos”. Assim, lê-se em Lc 11, 20: “Se é pelo dedo de Deus que eu expulso os demônios, é porque já chegou até vós o Reino de Deus”. Santo Tomás explica: “O Reino de Deus está no meio de vós, isto é, está em vossos afetos e em vosso poder alcançá-lo: pois todo homem justificado pela fé em Cristo e ornado com as virtudes, pode obter o Reino dos Céus” (Catena Aurea, loc. cit., apud S. Cyrillo).

“Cristo e a Mulher da Samaria”, por Guercino.

Réplica. Cristo disse à samaritana: “Vem a hora, e é agora, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade; pois são estes os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito, e os que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade” (Jo 4, 23-24). Logo, a Igreja de Cristo não é visível.

Resposta. Distingo o sentido do texto: que este “em espírito e verdade” signifique um culto mais espiritual, concedo; que signifique que a Igreja é invisível, nego. Quer entendas a palavra “adorar” apenas quanto aos sacrifícios, quer consideres que ela se refira a todo o culto, nada diz sobre a visibilidade. Com efeito, a razão formal sob a qual o novo culto se opõe ao antigo, não é esta: “o velho era uma religião visível, a minha será invisível”; mas que a religião de Cristo, superior à antiga, se opõe tanto aos samaritanos, que adoravam no Monte Gerizim, quanto aos judeus, que adoravam a Deus no Templo de Jerusalém. Primeiro, porque a antiga consistia em “prescrições humanas” (Hb 9, 10), enquanto a nova consiste “no espírito”; segundo, porque a antiga era apenas a “sombra”, pois “a Lei contém apenas a sombra dos bens futuros” (Hb 10, 1), enquanto a nova consiste “na verdade” como foi escrito: “A graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” (Jo 1, 17). Sendo assim, diz-se “em espírito e verdade” porque, “por meio de Cristo, os homens foram introduzidos mais plenamente no culto espiritual a Deus” (Santo Tomás, STh I-II 101, 2 ad 4).

Réplica. O que é espiritual, não se vê. Ora, a Igreja é espiritual. Logo. A premissa menor é evidente, pois lemos na Sagrada Escritura: “O meu Reino não é deste mundo” (Jo 18, 36), e em outro lugar: “também vós, como pedras vivas, formai um edifício espiritual” (1Pd 2, 5).

Resposta. Distingo a premissa maior: que o que é espiritual não seja visto em si, concedo; que não seja visto por meio de outra coisa, nego. E distingo a premissa menor: que a Igreja seja espiritual numa forma visível, concedo; sem esta forma, nego. Para provar a premissa menor, distingo a 1ª citação: que Cristo ensine que seu Reino não é temporal, concedo; que não é visível, nego. Com efeito, o Salvador respondeu a Pilatos, a quem os fariseus pressionavam falando de um reino temporal que Jesus, como diziam eles, estava reclamando para si. E distingo a 2ª citação: que São Pedro oponha o espiritual ao carnal, concedo; ao visível, nego.

Já consideramos diligentemente de que modo o elemento invisível está unido ao visível na única Igreja de Cristo. Mas tenhamos em vista, ademais, que a própria causa principal da Igreja, isto é, Cristo, foi maximamente espiritual e visível. A partir deste fato certíssimo, Santo Tomás faz o seguinte raciocínio: 

A causa primeira e universal da salvação humana é o Verbo encarnado… Portanto, era conveniente que os remédios pelos quais a virtude da causa universal chegaria aos homens, tivessem uma semelhança com a causa, ou seja, que neles a virtude divina operasse invisivelmente sob sinais visíveis (SCG IV, 56).

Réplica. O que se crê, não se vê. Ora, a Igreja é objeto de fé, pois nós professamos: “Creio na santa Igreja”. Logo.

Resposta. Distingo a premissa maior: que o que se crê não se veja sob o mesmo aspecto pelo qual é crido, concedo; sob outro aspecto, nego. E distingo a premissa menor: que a Igreja seja objeto de fé sob o aspecto da sua verdade sobrenatural, concedo; sob o aspecto dos seus motivos de credibilidade, subdistingo: objeto comum de fé, concedo; objeto próprio de fé, nego. Certamente a Igreja é crida; e até mesmo a visibilidade da Igreja é crida. Contudo, uma mesma coisa possui vários aspectos. Assim, as coisas visíveis da Igreja, como a hierarquia e a administração dos sacramentos, são materialmente vistas até mesmo pelos sentidos; e formalmente, isto é, enquanto pertencentes à verdadeira Igreja, são vistas pelos motivos de credibilidade; e enfim, devem ser admitidas por fé, na medida em que a vida da graça sobrenatural penetra as coisas visíveis. Afirmei que os motivos de credibilidade são objeto comum de fé porque pode acontecer que alguns motivos, que são conhecidos pelo estudo, sejam cridos por pessoas simples. Cf. São Boaventura, In Sent. III, d. 24, a. 2, q. 1.

Obj. 2. Dentre os que trazem externamente o sinal de Cristo, talvez não poucos sejam incrédulos. Logo, como nenhuma parte da Igreja pode ser conhecida com certeza, não se pode dizer que ela é visível. Prova do antecedente. Foi escrito: “o homem não sabe se é digno de amor, se de ódio” (Ecle 9, 1). Portanto, só o Senhor conhece os que são seus.

Resposta. Distingo o antecedente: que por tal hipocrisia fiquem ocultos os méritos dos indivíduos, concedo; que a própria Igreja fique oculta, nego. E, assim, manifesta-se a resposta à prova do antecedente. Pois a Igreja de Cristo não se torna visível pela fé de cada indivíduo, mas enquanto assembleia e instituição bem ordenada, na qual os fiéis coletivamente seguem a regra de uma só fé e a autoridade de governo. Tal instituição, marcada com notas divinas, é por si mesma o testemunho incontestável de sua missão divina.

Referências

  • Traduzido de: J. V. de Groot, Summa Apologetica de Ecclesia Catholica ad mentem S. Thomae Aquinatis, pars I. Ratisbona: Inst. Libr. Prid. G. J. Manz., 1890, pp. 55-65.

Notas

  1. Jurieu, calvinista, afirma: “O que levou alguns doutores reformados a meter-se no embaraço em que se meteram, negando que a visibilidade da Igreja fosse perpétua, foi o fato de acharem que, ao admitir que a Igreja é sempre visível, teriam dificuldade em responder à pergunta que a Igreja romana tantas vezes nos faz: Onde estava a vossa igreja há cento e cinquenta anos?” (citado por Bossuet, Hist. des Variations, l. XV).
  2. Os escolásticos frequentemente escrevem de forma silogística: premissa maior, premissa menor, conclusão. Em latim, é comum encontrar parágrafos em que há duas premissas, seguidas simplesmente da palavra ergo, que significa “logo” ou “portanto”, indicando o término do silogismo com a conclusão. (N.T.)
  3. Antecedente e consequente são termos usados na lógica escolástica para qualificar as premissas do silogismo. Se ele possui três proposições (maior, menor e conclusão), a maior e a menor juntas são o antecedente, enquanto a conclusão sozinha é o consequente. Se o silogismo, porém, é composto de apenas duas proposições, a primeira é o antecedente, e o consequente é a segunda, que nesse caso também é a conclusão. (N.T.)

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