O Padre Ravignan, um santo e ilustre pregador jesuíta, nutria grande esperança pela salvação dos pecadores arrebatados por uma morte súbita, quando, em circunstância diversa, não teriam ódio no coração pelas coisas de Deus. Ele pregava com frequência sobre esse momento derradeiro, e considerava que muitos pecadores se convertiam nos últimos instantes de vida e reconciliavam-se com Deus, sem poder expressar isso com um sinal exterior. 

Em certas mortes, nas quais o olhar humano não vê nada além de um golpe fulminante da Justiça divina, existem mistérios da Misericórdia. Como último lampejo de luz, Deus às vezes se revela àquelas almas cuja maior desgraça foi ignorá-lo; e o último suspiro, compreendido por Aquele que penetra os corações, pode ser um gemido que clama por perdão, isto é, um ato de contrição perfeita

O general Exelmans, um parente desse saudoso sacerdote, faleceu de forma repentina em um acidente e, infelizmente, não havia sido fiel na vivência da fé. Ele prometeu que um dia faria sua confissão, mas não tivera a oportunidade de realizá-la. Quando soube da morte de Exelmans, Padre Ravignan — que, por um longo tempo, orou e pediu orações por ele — ficou profundamente consternado. No mesmo dia, uma pessoa habituada a receber mensagens sobrenaturais pensou ter ouvido uma voz interior que lhe disse: “Quem então conhece a extensão da misericórdia de Deus? Quem sabe quão profundo é o oceano, ou quanta água está contida nele? Muito será perdoado àqueles que pecaram por ignorância.”

O biógrafo de quem tomamos emprestado esse relato, Padre de Ponlevoy, continua dizendo: “Nós, cristãos, colocados sob a lei da esperança não menos do que sob a lei da fé e da caridade, devemos elevar-nos continuamente das profundezas de nossos sofrimentos à meditação sobre a bondade infinita de Deus. Neste mundo, não há nenhum limite para a graça de Deus; enquanto permanece uma centelha de vida, não há nada que não possa agir sobre a alma. Portanto, devemos sempre ter esperança e pedir a Deus com humilde persistência. Não sabemos até que ponto podemos ser ouvidos. Grandes santos e Doutores empenharam-se em exaltar a eficácia poderosa da oração pelos entes queridos que partiram, por mais infeliz que tenha sido seu fim. Um dia conheceremos as maravilhas indizíveis da divina Misericórdia. Nunca devemos deixar de suplicar com imensa confiança.”

Outro relato acerca desse tema foi publicado no Petit Messager du Coeur de Marie [1], em novembro de 1880. Um religioso, pregando uma missão para damas de Nancy, recordou-as em uma conferência de que nunca se deve desesperar da salvação de uma alma, e de que às vezes ações menos importantes aos olhos humanos são recompensadas por Deus na hora da morte. Quando ele estava prestes a deixar a igreja, uma senhora vestida de luto aproximou-se dele e disse:

Padre, você acabou de nos recomendar confiança e esperança; um fato ocorrido comigo justifica perfeitamente as suas palavras. Tive um marido que era muito gentil e carinhoso e que, apesar de ter levado uma vida irrepreensível, negligenciou completamente a vivência da fé. Minhas orações e exortações persistiam, mesmo sem surtir efeito. Durante o mês de maio que precedeu sua morte, eu havia montado no meu quarto — como estava acostumada a fazer — um pequeno altar para a Santíssima Virgem, e o decorei com flores, renovadas de tempos em tempos. Meu marido passou o domingo no campo e me deu algumas flores, que ele mesmo havia colhido, e com elas eu adornava o oratório. Ele percebeu isso? Ele fez isso para me dar prazer, ou foi através de um sentimento de piedade pela Virgem? Eu não sei, mas ele nunca deixou de me trazer as flores.

No início do mês seguinte, ele morreu de forma súbita, sem conseguir receber os sacramentos. Eu estava inconsolável, principalmente porque vi desaparecerem todas as minhas esperanças do seu retorno a Deus. Devido a esse sofrimento, minha saúde ficou muito abalada e meus familiares pediram que eu fizesse um passeio ao sul da França. Como tive de passar por Lyon, desejei ver o Cura d’Ars. Por isso, escrevi-lhe solicitando atendimento e pedindo orações pelo meu marido, que havia morrido de forma súbita. Não lhe dei mais detalhes.
Cheguei a Ars, mal havia entrado na sala do venerável Cura e, para meu grande espanto, ele se dirigiu a mim com estas palavras: “Senhora, estás desconsolada; mas esqueceste aqueles buquês de flores que te foram trazidos todos os domingos do mês de maio?” É impossível expressar meu espanto ao ouvir o padre Vianney recordando-me de uma circunstância que eu não havia mencionado a ninguém, e que ele só poderia ter conhecido por revelação. Ele continuou: “Deus teve misericórdia daquele que honrou sua Santa Mãe. No momento de sua morte, teu marido se arrependeu; sua alma está no purgatório; nossas orações e boas obras alcançarão sua libertação”.

Lemos também na vida de uma religiosa consagrada, Irmã Catarina de Santo Agostinho, que no lugar onde ela morava havia uma mulher chamada Maria, que em sua juventude se entregara a uma vida muito desordenada e, mesmo com mais idade, não se converteu, senão que, pelo contrário, ficou ainda mais obstinada no vício, a ponto de os moradores, que não toleravam mais seus escândalos, a expulsarem da cidade. Ela não encontrou outro asilo além de uma gruta na floresta, onde, depois de alguns meses, morreu sem a assistência dos sacramentos. Seu corpo foi enterrado em um campo, como se fosse algo contagioso.

Irmã Catarina, que estava acostumada a recomendar a Deus as almas de todos aqueles de cuja morte tomava conhecimento, não pensou em orar pela alma daquela mulher, julgando, como todos os outros, que ela já estava condenada.

Quatro meses depois, a serva de Deus ouviu uma voz dizendo: “Infeliz de mim, Irmã Catarina! Tu recomendas a Deus as almas de todos; eu sou a única de quem não tiveste piedade”. “Quem és tu?” Respondeu a irmã. “Eu sou a pobre Maria, que morreu na gruta”. “Maria, estás salva?”, ao que ela respondeu: “Sim, estou, pela Misericórdia divina. No momento da morte, aterrorizada com a lembrança dos meus pecados, e ao ver-me abandonada por todos, invoquei a Santíssima Virgem. Em sua terna bondade, ela obteve para mim a graça da contrição perfeita, com o desejo de confessar-me, se estivesse ao meu alcance fazê-lo. Assim, recuperei a graça de Deus e escapei do Inferno. Mas fui obrigada a ir ao Purgatório, onde sofri muito. Meu tempo será encurtado e em breve serei libertada, se algumas Missas forem oferecidas por mim. Oh! querida irmã, ofereça-as por mim e sempre me lembrarei de ti diante de Jesus e Maria”.

Prontamente, a irmã Catarina buscou atender ao pedido e, depois de alguns dias, a referida alma voltou a revelar-se, agora brilhante como uma estrela, e agradeceu à religiosa por sua caridade.

Notas

  1. Periódico francês publicado mensalmente entre os anos de 1876 a 1949.

O que achou desse conteúdo?

0
0
Mais recentes
Mais antigos