A severa crítica de Friedrich Nietzsche ao cristianismo se fundamentava no suposto ressentimento presente no Sermão da Montanha. Seguir as prédicas das Bem-aventuranças seria admitir o fracasso como projeto de vida. Nietzsche defendia a ideia do super-homem, um ser acima do bem e do mal: "nós somos homens, e por isso queremos o reino da terra."[1] Desconsiderando os parodoxos da religião - tão bem enumerados por G.K. Chesterton no livro Ortodoxia -, via a moral cristã como um "pecado capital contra a vida", por sua opção fundamental pela humildade.
A exemplo do pensador alemão, muitos, diante dos infortúnios do dia a dia, são tentados a rejeitar essa aparente fragilidade da fé. Para eles, as tribulações, as contradições das pessoas, o escândalo do mal - fruto do pecado -, denunciam o eclipse da providência divina. "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?", pergunta também o Filho do Homem no alto da cruz.
Mas não seria justa essa crítica? Não seria o cristianismo um fardo muito pesado, com suas cruzes e austeridades? Como encontrar esperança quando Deus parece mudo? Certa vez, uma paroquiana de São João Maria Vianney, preocupada com a saúde do pároco o advertiu: "tenha mais pena de si, Sr. Cura… por que é que quando prega fala tão alto e quando reza, tão baixo? - "É que quando prego, replicou o santo, falo a surdos e quando rezo, falo com Deus, que não o é"[2]. Deus nunca está mudo, Ele diz mesmo no silêncio. É o homem que não sabe ouvir.
"O cristão, lembra Bento XVI, sabe bem que o Senhor está presente e escuta, mesmo na escuridão da dor, da rejeição e da solidão."[3] A experiência do fracasso, ao contrário do que pensava Nietzsche, não deduz ausência, mas presença. Aponta a vitória do Deus que se aniquila pela salvação de sua criatura. Assim conclui o escritor Gustavo Corção: "os grandes salmos, as grandes antíteses paulinas, tudo nos leva a crer que talvez seja a estrada real para Deus o escuro caminho das tribulações que desemboca no fundo dos abismos."[4]
Os escombros do século XX, com suas subsequentes guerras e ditaduras, trouxeram à tona os horrores provocados pela mentalidade soberba e autossuficiente. Desmascararam a face terrível do Übermensch de Nietzsche. Por outro lado, também abriram janelas para o grito do homem desesperado: De profundis clamavi ad te, Domine (Das profundezas clamo a ti, ó Senhor), reza o salmo. Outra vez a face do Deus que não abandona sua criatura apareceu; "onde abundou o pecado superabundou a graça" (Cf. Rm 5, 20). São essas as lições dos abismos para a fé cristã: eles nunca ofuscam a paternidade de Deus; alargam, pois "pode uma mulher esquecer-se daquele que amamenta? Não ter ternura pelo fruto de suas entranhas? E mesmo que ela o esquecesse, eu não te esqueceria nunca." (Cf. Is 49, 15).
O fracasso... não é fácil vivê-lo, experimentá-lo, senti-lo. Dói. Mas a condição para a vitória de Cristo não foi uma coroação gloriosa, foi o aparente fracasso da cruz. As quedas da paixão são as quedas do gênero humano que se repetem, dia após dia, desde aquela no paraíso. Elas provocam lágrimas, sim, mas, em certos momentos - recorda o Papa Francisco -, "os óculos para ver Jesus são as lágrimas."[5]
Nietzsche não compreendeu o cristianismo porque não compreendeu o que é "fracassar" com Cristo. Não entendeu que o caminho da salvação é estreito, que necessita do auxílio da graça. A graça que basta ao apóstolo e o leva a proclamar: "é na fraqueza que triunfa o meu poder. E então eu passei a me glorificar de minhas fraquezas a fim de que desça até mim a força de Cristo. Sim, eu me comprazo nas minhas fraquezas, nos meus ultrajes, nas angústias, nas perseguições sofridas pelo Cristo, porque quando estou na máxima fraqueza é que estou forte." Sim, o homem só está próximo do céu quando está crucificado junto com Cristo na cruz, porque "a altura da Cruz é a altura do amor de Deus."[6]
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