Zumbis têm andado por aí ultimamente. Não zumbis de verdade, é claro, porque eles não existem. Levando em conta sua popularidade, o fato de não existirem é um grande inconveniente para eles. Mas tampouco lhes seria muito vantajoso existir. Ainda que pudessem experimentar certa satisfação, sua vida intelectual e espiritual, penso eu, seria terrivelmente limitada. É difícil, no entanto, afirmar e argumentar qualquer coisa a respeito, dada a monstruosa falta de evidências.
Mas o que é o fascínio pelos zumbis? Surpreendentemente, não é uma pergunta para o Halloween, mas para a Páscoa. A resposta é a seguinte: somos atraídos pelos mortos porque acreditamos na vida eterna. Porém, num mundo decaído e corrupto, até nossa ideia de ressurreição é decaída e corrupta. Não temos vida após a morte; temos mortos-vivos. Ainda que seja apenas uma fantasia e uma forma de entretenimento de baixa qualidade, não deixa de ser o reflexo da corrupção de uma boa ideia. É a arte imitando a morte. Na outra ponta da experiência humana, permitimos o mesmo tipo de distorção doentia: em lugar da glória da vida nova surgindo no útero, temos a destruição, fria e clínica, da vida. Em lugar de bebês, temos não nascidos. Mas isso não é fantasia. É uma realidade trágica.
Esses dois lamentáveis extremos são, é claro, precisamente o oposto da perspectiva cristã, desespero em vez de esperança, tristeza brutal em vez de alegria. O contraste fica ainda mais evidente na época da Páscoa. Eu lhes direi a razão, porque um amigo meu, dr. Stuart Kolner, que, como eu, encontrou seu caminho para a Igreja Católica em grande medida por influência de G. K. Chesterton, acabou de me enviar um e-mail maravilhoso:
Entre o tempo da Paixão e a Páscoa, refleti profundamente na ideia de “vitalização” [quickening], que me veio à mente várias vezes enquanto meditava sobre o Tríduo. Na experiência humana, as duas circunstâncias mais improváveis para uma vitalização são, sem dúvida, um útero [womb] selado e um túmulo [tomb] selado. No entanto, aprouve ao Deus das surpresas suscitar vida em ambos. Talvez não seja um pensamento original, mas creio que G. K. Chesterton teria apreciado o paralelo linguístico e a audácia divina que nosso Pai tantas vezes usa para nos lembrar de nossas origens misteriosas.
Como disse: maravilhoso.
O útero [womb] selado e o túmulo [tomb] selado. Os dois lugares mais improváveis para encontrar vida. Esse “paralelo linguístico” (neste caso, uma rima entre termos em inglês) entre o nascimento virginal e a Ressurreição é adequado porque são as extremidades da vida de Cristo, uma compatível com a outra. O útero selado é a Virgem Maria. Um lugar imaculado e intocado. O túmulo selado é o local onde se depositou o corpo de Cristo depois de sua morte cruel. Estava literalmente selado. Pôncio Pilatos pôs sua marca na pedra acima do túmulo e determinou que dois guardas ficassem lá. Outro local onde não era possível entrar e que não podia ser tocado. Mesmo assim, houve uma vitalização no interior dos dois lugares.
A Encarnação é o maior dos paradoxos: Deus se faz carne. Por isso celebramos o Natal e a Páscoa. A Encarnação nos reúne em torno da manjedoura e do túmulo vazio com intensa alegria. Quando nos alegramos e celebramos — como todos deveríamos fazer —, a teologia não é a primeira coisa que vem à mente. Mas a teologia — isto é, a lógica de Deus — explica por que ficamos tão felizes. É necessário que Deus venha como bebê para que possa morrer como homem. É necessário que morra como homem para que ressuscite dos mortos. Não pode haver maior esperança que a vida eterna.
Naturalmente, nós cremos que Deus se fez carne quando foi milagrosamente concebido no útero na Virgem Maria, um evento que sempre celebramos no meio da Quaresma com a solenidade da Anunciação. Mas, como observa o dr. Kolner, a primeira vitalização no útero, quando o corpo de Cristo, ainda bebê, começou a se mover, certamente tem um paralelo com o corpo do Cristo morto no túmulo. Este não era um zumbi. Era o Senhor ressuscitado.
Divina audácia! Essa é a frase mais chestertoniana do e-mail do dr. Kolner, perfeitamente escrito; é a combinação de duas palavras que normalmente não aparecem juntas. Não esperamos que Deus seja audacioso. Mas é muito divertido quando percebemos que Ele é. Sabemos que uma das emoções agradáveis da vida está em ser audaz e ousado, em assumir riscos e romper convenções de forma corajosa. Somente a teologia católica reconhece que o Autor da vida tem a capacidade de desfrutar não somente da vida, mas da emoção da vida e de ser audaz.
Mais uma coisa: Chesterton enxerga o tema permanente da Ressurreição na história cristã quando observa que na história já houve momentos em que a Igreja parecia estar morta, destruída por algum evento físico, por uma filosofia estúpida, por uma enorme heresia, por um escândalo gigante ou pela corrupção integral. E ela sempre recobrou vida de algum modo, porque possui um Deus que sabe qual o caminho para sair do túmulo. Como sugere o dr. Kolner, facilmente podemos imaginar Chesterton completando o raciocínio ao dizer que impressiona o fato de termos um Deus que sabe tanto o caminho para sair do útero como o caminho para sair do túmulo.
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