É interessante revisitarmos as diversas reações à encíclica do Papa sobre contracepção. Encontrei as que transcrevo abaixo. Creio que elas falam por si e quase não requerem quaisquer comentários adicionais, a não ser para dizer como as coisas mudaram pouco.

Um líder de uma associação das principais denominações protestantes disse que “é a encíclica mais importante já promulgada em toda a história da sucessão papal”. Também disse: “Fico feliz por esse pronunciamento ser tão claro e rigoroso”. Ele estava feliz porque as pessoas tinham de ser favoráveis ou contrárias à encíclica. Não havia meio-termo.

E por que isso o deixou feliz?

“O documento marcará uma nova era para a ampla e profunda revolta contra o controle eclesiástico. Ele praticamente provocará uma revolta no interior da Igreja Católica Romana.” Ele disse que esse esforço da Igreja, com seu “domínio autocrático” para interferir em assuntos privados e íntimos, a deixará mais próxima de um inevitável colapso. O emprego do “poder hierárquico” com certeza seria recebido com “repúdio e indignação” pelos próprios católicos.

Em outras palavras, ele estava satisfeito com a clareza de posição da Igreja Católica, pois assim todos — inclusive os protestantes — poderiam rejeitá-la. Não havia meio-termo. E ele também previu que os católicos a rejeitariam.

Uma líder feminista disse que a Igreja havia se posicionado “diretamente contra o progresso”. Disse que a mensagem da encíclica era: “Prossiga e tenham um filho a cada ano, não importa se você é muito pobre e não tem condições de lhes dar um lar decente; não importa se nascerão doentes ou com alguma debilidade mental; não importa se nascerão deformados. O controle de natalidade é um crime terrível em quaisquer circunstâncias.” Ela disse que a denúncia do Papa sobre a contracepção provocaria mais pobreza e mais doenças. E elogiou congregações protestantes e judaicas que já haviam aprovado oficialmente a contracepção.

Um médico disse que o documento era “confuso”, particularmente quando falava da saúde e do bem-estar da mãe. Ele discordava da encíclica, que afirmava que a contracepção é contrária à natureza, e observou que a queda da taxa de natalidade entre católicos era um sinal de que a regra era “mais desobedecida do que seguida”.

Um pastor de uma igreja sem denominação de Nova York afirmou que a encíclica era um exemplo de “uma mentalidade do século X aplicada a problemas do século XX. Jamais chegaremos a lugar algum em relação ao matrimônio ou a qualquer outro assunto retornando a Santo Agostinho. A interpretação que o Papa faz do casamento é pura mitologia... Sua denúncia do controle de natalidade é intolerante.” 

Um porta-voz de uma organização atéia disse que o documento era uma evidência do fracasso da Igreja no reconhecimento de que a moral passa por mudanças. “A contracepção veio para ficar, e se a Igreja se recusa a aprová-la, pior para ela.” Ele observou que o número de mulheres católicas que já praticavam a contracepção era igual ao de protestantes ou judias.

Curiosamente, quando muitos bispos e sacerdotes foram instados a comentar o assunto, negaram-se a fazê-lo. No entanto, um proeminente leigo da Inglaterra aceitou ser entrevistado. Ele disse que a encíclica “nos obriga a enfrentar diretamente a seguinte questão: se o mundo seria realmente mais feliz vivendo na anarquia sexual defendida pela minoria barulhenta, ou se vivendo em conformidade com as regras prescritas pela Igreja”.

Ele argumentava que todos os problemas relacionados à sexualidade não resultavam “da aplicação da moralidade católica, mas do abandono dela”.

Quando lhe inquiriram sobre a impressão geral de que a doutrina da Igreja autoriza um marido a fazer o que bem entender com sua mulher e a desprezá-la, respondeu: “Alguém que supõe que isso seja verdadeiro, não interpreta mal apenas a doutrina católica, mas o espírito do cristianismo em sua integralidade. São Pedro disse: ‘Honrai a todos.’ Estamos mil vezes mais obrigados a honrar todas as mulheres, particularmente as nossas esposas.”  

Ele disse o seguinte sobre a insinuação de que a encíclica era “cruel” com as mulheres: “Com certeza a Igreja não está sendo cruel ao admoestar as mulheres a terem em devida consideração as suas obrigações como esposas e mães, e a não serem arrogantes e estéreis por negligência à consciência católica e à honra.” A essa grande verdade ele acrescentou simplesmente: “A querela entre os sexos não é provocada pela Igreja. Ela ocorre porque não se leva a sério o conselho da Igreja, que diz ao marido: ‘Honra tua mulher’, e à mulher: ‘Honra teu marido.’”

Também lhe perguntaram se o problema poderia resolver-se sozinho, partindo da seguinte premissa: as pessoas que praticam o controle de natalidade não deixariam de fazê-lo e as que não o praticam também não mudariam de postura; assim, os incrédulos não teriam filhos e as pessoas religiosas teriam. A resposta dele foi ainda mais simples: “Os mansos possuirão a terra.”   

Eu disse que essa encíclica foi publicada 38 anos antes da Humanae Vitae? Refiro-me à Casti Connubii (“Sobre o Matrimônio Cristão”). O Papa era Pio XI; o ano, 1930.

O leigo era G. K. Chesterton.

Notas

  • A imagem acima é obra de Giovanni Gasparro e chama-se justamente “Casti connubii” (óleo sobre tela, 2013).

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