Um tio meu contava um caso que sempre me chamou muito a atenção. Certa vez, uns colegas de trabalho começaram a conversar, e a conversa, de alguma maneira, veio a cair em como cada um gostaria de morrer. Falaram vários, que foram comentando o de sempre com ligeiras variações, até que chegou a vez de um que se limitou a dizer: “Eu o que peço a Deus é uma morte lenta e dolorosa, para ter tempo de me arrepender dos meus pecados”. A conversa terminou aí, claro, e todos ficaram em silêncio e de boca aberta. Afinal de contas, se algo tinham pedido a Deus, era não morrer nunca.

Sempre me lembro deste caso ao falar da morte, porque decerto houve uma mudança assustadora na forma de os católicos considerarem a morte. Se fizéssemos uma pesquisa ou perguntássemos a esmo aos católicos na saída da Missa de domingo, a resposta mais frequente seria o desejo de uma morte rápida, sem se darem conta, se possível durante o sono e, é óbvio, sem dor. É algo tão presumido e generalizado, que não creio que alguém se surpreenda com isso.

Digo que a mudança é assustadora, no entanto, porque a morte ideal dos católicos atuais foi sempre o pesadelo dos católicos de épocas anteriores. Basta consultar missais ou devocionários antigos para encontrar em todos eles a clássica petição: A morte subitanea et improvisa libera nos, Domine — “Da morte súbita e imprevista, livrai-nos, Senhor”. A morte ideal do católico médio hoje em dia é um dos grandes males de que se pedia que Deus nos livrasse!

“O Pesadelo”, de Johann Heinrich Füssli.

No passado, o costume moderno de não pensar na morte, não falar dela e fazer de conta que não existe era considerado algo próprio dos piores inconscientes e dos pecadores empedernidos. Com efeito, o “memento mori”, a lembrança da morte, era constante na arte, nos monumentos públicos, na literatura e na pregação. Os pregadores advertiam com frequência da necessidade de sermos conscientes de que vamos morrer e, portanto, de nos convertermos já, sem esperar o amanhã, justamente pelo perigo de uma morte repentina, que privaria o pecador da última oportunidade de conversão e arrependimento. Os livros dedicados à “arte de bem morrer”, como o de São Roberto Belarmino, eram uns dos tratados espirituais mais lidos e mais difundidos.

Do mesmo modo, o sofrimento que costuma acompanhar a morte era considerado uma penitência salutar à alma, geralmente muito necessitada dela. O exemplo dos santos mostrava que, embora a morte fosse uma passagem difícil, o cristão não deveria fugir dela, mas enfrentá-la cara a cara. São Francisco, por exemplo, pouco antes de morrer, disse ao médico: “Irmão, dize-me a verdade; não sou um covarde que tenha medo à morte. O Senhor, por sua graça e misericórdia, me tem unido tão estreitamente a si, que tão feliz me sinto de viver como de morrer”. Com efeito, apesar dos sofrimentos que a doença lhe causava, morreu louvando a Deus com seus irmãos de hábito, enquanto ouvia a leitura da Paixão segundo São João, e dando boas-vindas à “irmã morte”.

Como é possível que, sendo essa a tradição cristã, a imensa maioria dos católicos na atualidade tenha uma atitude completamente distinta em face da morte? É evidente que vivemos numa época frouxa e apóstata, que não tem resposta para a morte e que, portanto, prefere fazer de conta que ela não existe. Não é difícil entendê-lo: o mundo é mundo e se dedica às suas mundanidades. Nem surpreende que muitos católicos sejam influenciados e seduzidos pelo ambiente, como semente que cresce entre espinhos.

“O Anjo da Morte”, por Evelyn de Morgan.

Estranho, indignante e triste é que a pregação mesma da Igreja sobre o tema parece ter-se adaptado em grande medida a sensibilidades mundanas. Praticamente nunca se fala da morte nas homilias; se se fala, é de forma eufemística, como de uma passagem imediata e automática para o Céu. Praticamente nunca se recorda aos fiéis que eles vão morrer e que devem preparar-se para o momento crucial da morte. Praticamente nunca se fala, obviamente, do valor salvífico do sofrimento unido à Cruz de Cristo. Praticamente ninguém pede que Deus o livre de uma morte súbita e imprevista. A maioria dos católicos morre sem um sacerdote ao lado, em parte porque os clérigos estão muito ocupados com outras coisas, em parte porque os parentes já não veem necessidade, preferindo que o doente seja sedado até a morte. 

Como resultado, os católicos se tornaram indistinguíveis dos pagãos também neste particular: desejam uma morte súbita, têm mais medo ao sofrimento que ao pecado, enganam os doentes para que não saibam que estão morrendo e grande parte deles vê com bons olhos a eutanásia que proporciona essa desejada morte súbita e indolor… O sal perdeu o sabor e já não serve para nada. 

Deus tenha misericórdia de nós, nos ensine a olhar para a morte de forma cristã e, se assim for servido, nos dê a graça de sermos livres de uma morte súbita e imprevista, de modo que nos possamos arrepender dos nossos pecados e morrer como morrem os santos, bendizendo a Deus.

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DF
Deisiele Freitas
24 Mar 2025

Rica reflexão,  Deus abençoe o sr Padre Paulo 

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LB
Lúcia Brito
24 Mar 2025

Perfeito ensinamento!

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MB
Magnolia Brnaco
21 Mar 2025

Maravilhoso, excelente esclarecimento. Desde a minha juventude, trago esse desejo de morrer de uma doença que me dê tempo para preparar a minha alma para o céu. 

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WS
William Silva
19 Mar 2025

CONCORDO PLENAMENTE , QUE MUITO POUCO SE HOUVE EM HOMILIES E SERMÕES SOBRE A MORTE, E QUE OS CATÓLICOS DE HOJE PROCURAM ESSE MEIO PARA MORRER, RÁPIDO E SEM DOR, SEM O SOFRIMENTO CONSCIENTE QUE PODE NOS AJUDAR A RENDENÇÃO E AO PERDÃO. 

QUE VIRGEM SANTÍSSIMA INTERCEDA POR NOSSA BOA MORTE!  

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LS
Luzia Salles
19 Mar 2025

Graças a Deus meus pais me ensinaram corretamente que devemos nos preparar constantemente para a morte. Meu pai morreu trabalhando, repentinamente, numa terça feira de Páscoa, tinha se preparado para a Páscoa, estava muito tranquilo, tinha 71 anos. Minha mãe faleceu mês passado, com 97 anos, depois de longo tempo no oxigênio, seus órgãos estavam deixando de exercer a função. Recebeu a Unção dos enfermos rezando com o padre todas as orações, o padre lhe concedeu indulgência plena . Passau a madrugada seguinte rezando, ora com minha irmã,ora sozinha. Faleceu de manhãzinha, muito tranquila, sem nenhum gemido.

Eu peço constantemente a minha santificar a da minha família. Que eu nunca negue minha fé, mesmo em caso de tortura, que esteja preparada no momento em que Deus me chamar para a festa no Céu.

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MG
Maria Gonçalves
18 Mar 2025

Só pode ter a mão do Espírito Santo. Ainda esta tarde estive a conversar com uma amiga sobre este tema e fiquei a pensar se a minha ideia de ter tempo para me preparar bem para a morte é receber os sacramentos seria assim tão fora de contexto face ao que ela me dizia… louvado seja Deus que rapidamente nos ilumina! Só mesmo Deus para ser tão pronto  e eficaz a responder!

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AL
Anne Laubach
18 Mar 2025

Anos atras li um texto de um médico "O câncer: a boa morte". Na época fiquei espantanda com o titulo pois para mim nao havia nada de bom em morrer de câncer. Lendo o texto entendi que ele queria dizer que é uma morte lenta e você teria tempo de se preparar para ela. Fez todo sentido para mim na época, como esse texto faz todo sentido agora. As pessoas tem medo da morte porem ela é natural e virá para todos. É só estar preparado. 

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JS
Jamelle Silva
18 Mar 2025

Texto maravilhoso! Nunca tinha pensando sobre isso.

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EJ
Eduardo J.
16 Mar 2025

Nossa Senhora, rogai por nós pecadores agora, e na hora de nossa morte, Amém!

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LV
Luiz Vilhena
16 Mar 2025

Obrigado,  por todo ensinamento precioso. Que abandonemos as sugestões mundanas e nos fortaleçamos em nossa religião, claro conduzidos por sacerdotes como Padre Paulo Ricardo. 

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LL
Lelio Lira
16 Mar 2025

Muito claro, conciso e instrutivo espiritualmente.

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MK
Maria Klein
15 Mar 2025

Adorei o texto. Grande verdade.

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SE
Simone Estavanato
15 Mar 2025
(Editado)

Minha avó materna e meu irmão faleceram assim. A gente acaba pensando que foi melhor para eles, por não terem sofrido. Fruto do hedonismo, tão alastrado e difundido, que nos tira a maturidade na fé p/ ver o valor do sofrimento, unido ao de Jesus, p/ nossa salvação!

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RS
Raissa Souza
15 Mar 2025

Conteúdo excelente e necessário!

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JD
João Dias
15 Mar 2025

Muito esclarecedor e necessário pra nossos tempos. 

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HS
Helena Santini
15 Mar 2025

Um tema muito difícil de ser lido e aceito por muitas pessoas. 

Livrai-me, Senhor da morte súbita. 

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AS
Alcineide Santos
14 Mar 2025

Minha santa mãe me ensinou no final do terço oferecer um Pai nosso a São Sebastião pedindo que nos livrasse da peste, da fome,da guerra e da morte repentina. Ela alcançou esta graça. Esta jaculatória é muito antiga.

São Sebastião rogai por nós!

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MO
Maria Oliveira
13 Mar 2025

Amei! Quanta clareza e verdade para a única certeza da vida. Peço ao SENHOR JESUS CRISTO que me conceda a Graça de na hora exata da minha morte eu possa pronunciar claramente Seu Santo e Divino Nome: JESUS CRISTO!🙏🙏🙏

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JC
Jocelaine Contreira
12 Mar 2025

Há muito tempo, muitos anos mesmo, desde que passei por uma verdadeira conversão, e sem precisar deixar de ser católica. (Porque quem muda de religião pra se "converter", está na vdd buscando desculpas para os pecados que não quer deixar, ou para a mudança de vida e comportamentos que precisa ter, conforme exige a verdadeira doutrina e os ensinamentos de nossa amada Igreja Católica, e a pessoa não quer). O que peço à Deus é que não me deixe morrer em pecado mortal, Deus me livre de perder o céu junto Dele, por não estar devidamente preparada na hr de minha morte. Sou só uma miserável pecadora, mas quero fazer minha parte, do possível que cabe a mim, para ser digna de ocupar o lugar que Jesus foi preparar. Preciso rezar muito tbm sem desistir, pela conversão dos cabeças dura e corações teimosos de minha família e amigos/amigas, porque no céu não teremos amnesia, e será muito triste, ver os lugares vagos que Jesus preparou, e os nossos amados não fizeram por merecer ocupar. Que Nsa Sra, São José e nosso Anjo da Guarda nos ajudem a passar por essa vida, sem perder a vida eterna. O possível cabe sempre a nós, o impossível qnd necessário é Deus quem faz. Que um dia possamos nos encontrar no céu e conversarmos sobre o qnt as aulas e ensinamentos de Padre Paulo Ricardo nos ajudaram a trilhar o caminho certo. Deus abençõe a todos...

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LG
Luciano Gomes
10 Mar 2025

Ótima leitura. Deus seja louvado e nos livre de uma morte súbita.

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IF
Indalicio Filho
9 Mar 2025

Excelente.  Deus abençoe esse sacerdócio. 

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CR
Clothildes Ramos
9 Mar 2025

Outrora eu temia a morte. Hoje , já não.  Procuro estar preparada.

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K
Karein
8 Mar 2025

De fato, eu pensava exatamente a mesma coisa. Importantissima essa reflexao sobre o medo da morte. 

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RC
Robson Cola
8 Mar 2025

Texto maravilhoso! Mostrando as tragédias dos tempos modernos!

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