Inicialmente, quando se fala de cultura da morte, a primeira coisa que salta aos olhos de quem se defronta com tal expressão é o debate acerca da legalização do aborto, ou seja, o embate entre aqueles que são favoráveis à vida e aqueles que são favoráveis ao direito de decidir, como costumeiramente é conhecida a opção pelo aborto. A realidade, porém, é muito mais abrangente, pois as ações desencadeadas pela cultura que fomenta a morte não se restringem a este aspecto nefasto de suas atividades. Já há alguns anos, os reais objetivos de tal cultura têm assumido contornos cada vez mais claros diante de nossos olhos, pois parece haver um esforço contínuo para introduzir, de forma às vezes ostensiva às vezes amenizada, uma semente de destruição que acabaria por minar o edifício que sustenta a nossa civilização.
Identificar a cultura da morte com a "indústria" ou esforços para a disseminação do aborto e de todos os métodos contraceptivos não chega a ser um equívoco, mas, não é uma visão completa daquilo que ela verdadeiramente almeja. Quando se quer destruir um edifício para levantar uma nova construção, dois caminhos podem ser tomados: o da explosão, ou seja, algo que venha de fora e acabe por arrasar toda a estrutura existente; ou o da implosão, quando se destrói a construção antiga a partir de dentro, fazendo com que ela mesma venha abaixo porque perdeu a força para se sustentar.
A cultura da morte também age assim. Em alguns momentos parece desferir ataques explosivos, que são externos, ostensivos e bastante claros, pois têm o objetivo de chocar, de desestabilizar para que, por meio do alarde provocado, as situações por ela defendidas ganhem respaldo ou aceitação na sociedade. Tal é a tática que muitas vezes se utiliza para as questões relativas ao aborto, especialmente no que diz respeito a tratá-lo como se fosse simplesmente uma decisão entre ter ou não um filho, como se não houvesse outra realidade a ser implicada nesta situação a não ser o corpo da própria mulher e a decisão de fazer ou não algo com este corpo que lhe pertence, sem levar em consideração, em nenhum momento, a existência de mais uma vida, ainda no ventre materno, que deveria gozar de toda a proteção possível por parte da sociedade.
O outro caminho, não menos danoso, porém muito mais sutil e ardiloso, é o caminho da implosão, que consiste num ataque contínuo, sistemático, lento e progressivo contra tudo aquilo que se constituiu num alicerce para a nossa sociedade. Alvo deste movimento implosivo são os três pilares da civilização ocidental: a filosofia grega, o direito romano e a moral judaico-cristã. No prefácio do livro O Calvário e a Missa, o venerável Fulton J. Sheen salienta que a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo foi erigida num ponto de convergência, numa encruzilhada entre estas três grandes civilizações, para que seu gesto redentor estendesse a universalidade da Redenção também sobre essas esferas da sociedade.
Hoje, o alvo da cultura da morte é a tentativa de implodir, a partir de dentro, a estrutura que sustenta a sociedade humana, baseada nestes três alicerces: filosofia, direito e moral. A filosofia se torna cada vez mais instrumentalizada, como se fosse uma justificativa para determinados comportamentos ao invés de se constituir numa autêntica busca pela verdade, lançando suas artimanhas também numa nova abordagem do processo educacional, que não seria nada mais do que mera propaganda ideológica, esquecendo-se completamente de seu objetivo de ser um caminho para se alcançar a sabedoria; o direito, por meio da negação da existência de um direito natural e na sua utilização para legitimar novos comportamentos e criminalizar a oposição aos mesmos; a moral que, ao sofrer toda espécie de crítica e de racionalização, é substituída por um novo padrão no qual a família e toda a sociedade são vistas de uma maneira totalmente nova, numa inversão de valores e desprezo pelas instituições tradicionais.
A cultura da morte, a partir destas poucas constatações, não se refere simplesmente ao direito ou não ao aborto ou à militância para que o mesmo se constitua num direito. Ela tem um objetivo muito maior. Quer colocar abaixo toda a estrutura que sustenta a nossa civilização e não deixará de empreender esforços para destruir a filosofia, o direito e a moral, para então levantar o seu novo edifício, uma nova sociedade, verdadeira quimera que é uma prefiguração dos piores pesadelos que um homem poderia imaginar. O abraço a que ela convida o homem não é apenas dirigido a um aspecto de sua vida, isto é, a seu pensamento, seu comportamento, ou às relações que estabelece na sociedade e, principalmente, na família. A cultura da morte quer, na realidade, abraçar o homem todo, em todas as suas dimensões, e não somente a um indivíduo, mas a todos os homens.
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