Este Santo Arcanjo, enviado pelo Todo-Poderoso a Tobias, explicou quem era com as seguintes palavras: “Eu sou o anjo Rafael, um dos sete (espíritos principais) que assistimos diante do Senhor” (Tb 12, 15). Vários autores veem nele um dos espíritos celestiais que fazem parte do primeiro e mais elevado coro: o dos serafins. Geralmente é chamado de Arcanjo, como São Miguel e São Gabriel. O conhecimento que temos dele é retirado do livro de Tobias, e essencialmente é o seguinte.
Tobit, um dos judeus cativos em Nínive, servo bom e fiel de Deus, já velho e cego, lembrou-se que tinha emprestado uma quantia de dinheiro a um parente chamado Gabael, que vivia na cidade de Ragés, na Média, e quis enviar seu filho Tobias para recebê-la. Porém, não querendo enviá-lo sozinho, mandou-o procurar um companheiro de viagem que o levasse em segurança ao local de destino e na viagem de regresso.
Tão logo o jovem saiu à sua procura pelas ruas de Nínive, onde morava, avistou um belo rapaz que estava de pé, cingido, como que pronto para partir em viagem. Este, como veremos, era São Rafael. Tobias perguntou-lhe quem era e se conhecia o caminho até Ragés. Rafael respondeu que era filho do grande Ananias, conhecia bem o trajeto até Ragés e residia com Gabael, habitante daquela cidade.
Tobias alegrou-se e comunicou o fato aos pais, que chamaram o jovem à sua presença e lhe perguntaram se, por um pagamento justo, ele poderia conduzir seu filho a Ragés e voltar. Rafael consentiu, prometendo fazer o que eles desejavam. Em seguida, puseram-se os dois a caminho. Após o primeiro dia de viagem, Tobias descansou na margem do rio Tigre e, quando foi lavar os pés, um peixe imenso surgiu de repente para devorá-lo. Quando pediu ajuda ao seu companheiro, Rafael mandou-o agarrar o peixe com coragem e arrastá-lo para a terra. Assim fez Tobias. Em seguida, Rafael mandou-o abrir o peixe, tirar as entranhas e guardar o coração, o fígado e a bílis, por serem remédios úteis.
Continuaram a viagem e alojaram-se na casa de Raguel, pertencente à mesma tribo de Tobias e pai de uma única filha chamada Sara, que Rafael aconselhou a Tobias que tomasse por mulher. Tobias receava fazê-lo, pois ouvira dizer que Sara já tinha sido dada em casamento a sete maridos, todos eles mortos pelo demônio. Mas Rafael disse: “Ouve-me, que eu te mostrarei quais são aqueles sobre quem o demônio tem poder. São os que se casam com tais disposições que lançam a Deus fora do seu coração e do seu espírito” (Tb 6, 16-17). Tobias seguiu à risca as indicações de seu santo companheiro e permaneceu incólume.
De quantos males se salvariam as pessoas prestes a casar, se antes recebessem e seguissem instruções adequadas de seus pastores! Estes são para elas como Rafael, aconselhando-as sobre como se preparar bem para o Matrimônio. Elas deveriam purificar o coração por uma boa confissão geral e casar-se, não como pagãos, na escuridão da noite, mas dentro de uma Missa, recebendo assim, diante do altar, a bênção de um sacerdote. Depois do casamento, deveriam viver como convém ao estado matrimonial, cumprindo fielmente a admoestação de São Paulo, santificando-se mutuamente e esforçando-se para que os filhos se tornem logo filhos de Deus pelo Batismo. Com efeito, como devem ficar descontentes os anjos da guarda dos recém-nascidos ao vê-los, pela negligência dos pais em batizá-las a tempo, entregues ao poder do demônio, com o pecado original e em risco de perder a eterna salvação!
Enquanto Tobias permaneceu na casa de Raguel, seu companheiro celeste foi a Ragés; exigiu e recebeu de Gabael, sem qualquer hesitação, o dinheiro emprestado a ele; e, depois, voltou à casa de Raguel, de onde, após uma breve estadia, acompanhou Tobias de volta a Nínive.
Nesse ínterim, Ana, mãe de Tobias, sofria muito com a longa ausência do filho. Ia todos os dias a um monte alto e observava ao longe para ver se o filho estava chegando. Quando, no dia de seu regresso, ela o avistou ao longe, foi correndo até o marido e informou-o da chegada do filho. Como era cego, Tobit deu a mão a um criado e foram ele e a esposa ao encontro do filho. Os dois o abraçaram, beijaram-no e choraram de alegria. Depois que todos entraram em casa, adoraram o Todo-Poderoso e deram-lhe graças pelo êxito da viagem. Então, Tobias tomou um pouco da bílis do peixe e ungiu os olhos do pai, como o anjo Rafael lhe ordenara antes de chegarem em casa. Imediatamente, o pai cego recuperou a visão. A alegria do pai, da mãe, de toda a família e da vizinhança foi indescritível.
Depois de agradecer humildemente a Deus por essa nova graça, Tobias falou com seus pais sobre os inúmeros benefícios recebidos de seu companheiro de viagem:
Ele levou-me e trouxe-me são e salvo; recebeu de Gabael o dinheiro; fez-me ter mulher e afugentou dela o demônio; encheu de alegria os seus pais; livrou-me a mim mesmo de ser tragado pelo peixe; a ti fez-te ver a luz do céu: por ele nós fomos cheios de todos os bens. Que lhe poderemos dar que iguale tais benefícios? (Tb 12, 3).
Antes que seu pai pudesse responder, ele implorou-lhe que desse a tão fiel companheiro, como recompensa, metade de todas as coisas que haviam trazido. Sem hesitar, Tobit aceitou a proposta do filho e, chamando o anjo, pediram-lhe ambos que aceitasse a proposta. Mas o anjo lhes disse:
Bendizei o Deus do céu, dai-lhe glória diante de todos os viventes, por ter usado convosco da sua misericórdia. É bom conservar escondido o segredo do rei, mas é coisa louvável manifestar e publicar as obras de Deus. É boa a oração acompanhada do jejum, e dar esmola vale mais do que juntar tesouros de ouro, porque a esmola livra da morte: apaga os pecados e faz encontrar a misericórdia e a vida eterna. Mas os que cometem pecado e iniquidade, são inimigos das suas almas. Quando tu oravas com lágrimas, enterravas os mortos, quando deixavas o teu jantar, para esconder os mortos em tua casa de dia, e os enterrar de noite, eu apresentei as tuas orações ao Senhor. Porque eras agradável a Deus, era necessário que a tentação te provasse. Agora o Senhor enviou-me a curar-te e a livrar do demônio a Sara, mulher de teu filho. Eu sou o anjo Rafael, um dos sete (espíritos principais) que assistimos diante do Senhor (Tb 12, 6-10.12-15).
Depois de falar isso, o Santo Arcanjo calou-se, mas Tobias e seu filho foram dominados pelo medo e, tremendo, caíram com o rosto em terra. O anjo encorajou-os com as seguintes palavras: “A paz seja convosco, não temais. Quando eu estava convosco, era por vontade de Deus; bendizei-o, cantai-lhe louvores. É, pois, tempo que eu volte para aquele que me enviou; vós, porém, bendizei a Deus, e contai todas as suas maravilhas” (Tb 12, 17-18.20).
Depois de proferir estas palavras, desapareceu diante deles. No entanto, pai e filho ficaram três horas prostrados no chão, por medo e estupor perante a excelsa bondade de Deus, que enviara do Céu um príncipe tão elevado para os proteger, confortar e ajudar. Vencido enfim o medo, reiteraram as ações de graças a Deus e anunciaram, por toda a parte, os benefícios que Ele lhes havia concedido.
O belo hino de louvor que Tobias compôs nessa ocasião encontra-se na Sagrada Escritura. Deste acontecimento verdadeiro e maravilhoso vários historiadores concluem, não sem motivo, que a intercessão de São Rafael deve ser pedida por todos os que são perturbados ou tentados pelo Maligno, pelos cegos, pelos doentes ou pelos viajantes. O nome Rafael significa “cura” ou “medicina de Deus” e mostra que esse santo anjo auxilia particularmente os doentes, seja na alma ou no corpo. A verdadeira Igreja ensina a seguinte oração aos que pretendem realizar uma viagem: Angelus Raphael comitetur nobiscum in via — “Que o anjo Rafael nos acompanhe em nosso caminho”, de onde se deduz que ele é o padroeiro específico de todos os viajantes.
Considerações práticas
I. Não posso lhe dar hoje nenhuma lição mais útil que a de São Rafael. Portanto, leia atentamente as primeiras instruções recebidas por Tobias, e aprenda como e com que finalidade os homens devem contrair matrimônio, e o que devem evitar. As palavras mais memoráveis são as que explicam por que os sete maridos da piedosa Sara foram todos estrangulados por Satanás. O demônio tinha poder sobre eles por causa dos pensamentos pouco castos com que se casaram.
Muito maior, porém, é seu poder sobre aqueles que, usando como pretexto o futuro matrimônio, pecam sem nenhuma compunção, porque fingem que já estão casados diante de Deus, uma mentira que só pode ter origem no espírito infernal, o pai da mentira, a fim de arruinar milhares de almas. Aqueles que agem com base em tais princípios criminosos estão sob o poder do Maligno. E o que esperar destes? Será que tais pessoas podem prometer a si mesmas que seu casamento será feliz e terá a bênção de Deus, ou, ao contrário, só poderão esperar a salvação eterna se fizerem severas penitências?
II. Da segunda instrução que São Rafael deu tanto a Tobit como a Tobias, aprenda, em primeiro lugar, que devemos render graças a Deus e louvá-lo por todos os benefícios recebidos; e aprenda, em segundo lugar, o quanto a oração, o jejum e as esmolas são agradáveis ao Todo-Poderoso e úteis aos homens. Quem os pratica é mais feliz do que aquele que junta os maiores tesouros de ouro e prata, porque o ouro e a prata não podem salvar ninguém da morte eterna, nem purificar do pecado, nem abrir as portas do Céu, ao passo que, segundo as palavras do anjo, as esmolas e outras boas obras purificam e salvam o homem.
III. Medite sobre o que diz o santo anjo a respeito dos que pecam: “São inimigos das suas almas” — almas que, depois de Deus, eles deviam ter na mais alta conta. O próprio pecador causa à sua alma mais dano que todos os homens e todos os demônios são capazes de causar. E, por ser inimigo da própria alma, é também inimigo do próprio corpo, pois quando a alma se perde, para onde pode ir o corpo? Certamente, não para o Céu, mas para o Inferno.
IV. Aprenda que as boas obras feitas pelos homens são oferecidas pelos santos anjos ao Todo-Poderoso e não se perdem, embora não sejam imediatamente recompensadas.
Por fim, compreenda bem por que o piedoso Tobias foi atingido pela cegueira: “Porque eras agradável a Deus, era necessário que a tentação te provasse”, disse São Rafael. Portanto, o sofrimento, mesmo quando levamos uma vida piedosa, não é sinal de que fomos abandonados por Deus, nem de que não somos favorecidos por Ele. “As adversidades que atingem os piedosos são uma prova da virtude, e não um sinal da cólera divina”, diz São Gregório.
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