É doutrina comum e cara na Igreja que a um anjo do Senhor está confiada a guarda de cada batizado. O Catecismo do Concílio de Trento resumia a doutrina tradicional dos séculos anteriores nestes termos:

Por desígnio de sua providência, confiou Deus aos anjos a obrigação de guardarem o gênero humano e de assistirem a todos os homens individualmente, para que não sofram dano de maior gravidade. Assim como os pais dão aos filhos guardas, que os defendem de perigos, quando precisam viajar por caminhos expostos e arriscados, assim também o Pai Celeste destinou a cada um de nós um anjo que nos proteja, com seu auxílio e vigilância, para podermos evitar as emboscadas dos inimigos e repelir seus tremendos ataques contra nós; para que, sob a sua direção, possamos conservar-nos no caminho reto e que nenhum ardil do falso adversário nos faça desviar do rumo que leva ao céu.

O Catecismo tem ainda o cuidado de explicar: “Deus não só envia seus anjos em certas ocasiões e para fins particulares, mas também lhes confiou nossa proteção desde o primeiro instante de nossa existência e incumbiu-lhes de velarem pela salvação individual de todos os homens”.

A Igreja endossou oficialmente esta doutrina estabelecendo para o dia 2 de outubro uma festa litúrgica universal para os santos anjos da guarda. A liturgia deste dia nos oferece um rico florilégio de textos (orações, hinos, leituras, responsórios, antífonas e salmos), nos quais a fé da Igreja se transforma em oração. A oração oficial deste dia reza: “Ó Deus, que na vossa misteriosa providência mandais os vossos anjos para guardar-nos, concedei que nos defendam de todos os perigos e gozemos eternamente do seu convívio”.

Todos conhecemos esta oração familiar: “Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador, a ti me confiou a piedade divina. Sempre me rege e guarda, governa e ilumina. Amém”. Durante o último Concílio ecumênico, o Vaticano II (de 1962 a 1965), todas as reuniões gerais dos bispos do mundo inteiro terminavam sempre com esta piedosa invocação. Era a expressão da fé da Igreja universal em forma de oração, segundo o conhecido adágio: a lei da oração é a lei da fé, isto é: a lei da fé deve estabelecer a lei da oração.

Pode-se por isso afirmar que a doutrina acerca do ministério dos anjos, tal como está nos numerosos textos litúrgicos, é a expressão pública da fé católica. A Igreja:

  • reza aos anjos da guarda porque crê que eles receberam de Deus a especial missão de servir aos que devem herdar a salvação;
  • suplica ao anjo que apresente nossas orações ao Senhor porque crê que o espírito celeste serve de intermediário;
  • manda que unamos nossas vozes com as dos anjos porque crê que eles estão ao nosso lado, na igreja, para cantar conosco as glórias do Criador;
  • ordena com frequência implorar o auxílio do anjo na hora da luta contra as tentações e emboscadas do diabo e seus demônios porque crê que estes andam de fato por aí como um leão a rugir procurando a quem devorar, e que o anjo é particularmente indicado para valer-nos nesta sorte de combates espirituais;
  • em cerimônia solene implora do céu anjo especial para custodiar um templo porque crê que Deus há de enviá-lo realmente;
  • faz-nos rezar todos os dias ao anjo para que nos ilumine porque crê que ele pode fazê-lo e está disposto a isso;
  • suplica a presença do anjo da paz porque crê que os espíritos celestes podem ser deputados para tal missão;
  • exige o afastamento do demônio e a presença do anjo bom porque crê na atuação real de um e de outro;
  • nomeia e estabelece anjos como patronos e protetores de nações, províncias, dioceses, paróquias ou comunidades porque crê que os espíritos virão mesmo tomar conta e defender o que lhes foi confiado;
  • pede aos anjos que acompanhem e protejam seus filhos nas viagens porque crê que o exemplo de Tobias não foi nem é singular;
  • chama os anjos na hora da morte, roga-lhes que nos defendam na derradeira agonia porque crê que os anjos nos acompanham de fato até estar definitivamente garantida nossa eterna beatitude.

Na Carta aos Hebreus damos com um texto particularmente expressivo. O inspirado autor fala da superioridade de Jesus Cristo sobre os anjos, apresenta vários argumentos para sua tese e lança então, no v. 14 (do capítulo I), uma pergunta como se fosse um argumento: “Porventura, não são todos eles (os anjos) espíritos servidores, enviados ao serviço dos que devem herdar a salvação?”

Esta pergunta do Apóstolo permite uma afirmação positiva, que é precisamente a doutrina da Igreja sobre os anjos da guarda: os anjos são espíritos destinados a ministrar (o grego diz: leit-ourgikós: destinado ao serviço, ao ministério), enviados por Deus para servir (diakonia) aos que devem herdar a salvação. Jesus falou provavelmente destes anjos-diáconos quando, em Mt 18, 10, nos admoesta que não devemos dar escândalo aos pequeninos “porque seus anjos no céu contemplam continuamente a face do Pai”.

Não é sem comoção que lemos esta revelação do anjo a Tobias:

Vou descobrir-vos a verdade — diz o anjo — e não vos ocultarei o que está em segredo: quando tu oravas com lágrimas e enterravas os mortos e deixavas o teu jantar e escondias os mortos em tua casa de dia e os enterravas de noite, eu apresentava as tuas orações ao Senhor. (Tb 12, 11-12; cf. 3, 25)

Os Santos Padres falam frequentemente deste “anjo da oração”. A Igreja Orante exprime esta sua fé num momento solene, na Oração Eucarística chamada Cânon Romano, num texto que inexplicavelmente foi omitido na atual tradução brasileira oficial: “Supplices te rogamos, omnipotens Deus: iube haec perferri per manus sancti Angeli tui in sublime altare tuum, in conspectu divinae maiestatis tuae”. Lembra as “taças de ouro cheias do perfume, que são as orações dos santos” e que estão sobre o altar do céu (Ap 5, 8).

Por isso a Igreja reza sobre as oferendas, na missa votiva dos santos anjos: “Nós vos apresentamos, ó Deus, com nossas humildes preces, estas oferendas de louvor; levadas pelos anjos à vossa presença, sejam recebidas com agrado e obtenham para nós a salvação”.

Alegram-se os anjos com a perseverança dos justos e a conversão dos pecadores (cf. Lc 15, 10). Procuram, por isso, levar os pecadores ao arrependimento e à penitência. O “anjo da penitência” ocupa um lugar especial na Patrística. O anjo deve excitar na alma a contrição. Mas se ele acorda em nós o remorso, será para o nosso bem e nossa paz. O “anjo da paz” passou da Patrística para a Liturgia. Nosso atual ritual romano exclama muitas vezes: “Esteja presente o anjo da paz!” Como confortou a Cristo em agonia (cf. Lc 22, 43), assim deve trazer também a nós a paz interior.

O anjo da guarda é particularmente invocado “para que nos ilumine”. Pode e deve haver com o anjo verdadeira “conversação”. Mas não é dado aos anjos penetrar em nossa intimidade mais profunda. Só Deus é o perscrutador dos corações. Falando da nossa consciência, ensina o Concílio Vaticano II que ela “é o núcleo secretíssimo e o sacrário do homem, onde ele está sozinho com Deus” (Gaudium et Spes, 16). Lá o anjo só entra se for convidado e lhe abrirmos o coração.

“Enviado por Deus para nos servir” (Hb 1, 14), alguma coisa real o anjo terá que fazer em nosso favor. Com ordem divina para nos ajudar, com vontade de socorrer, com possibilidade de auxiliar, com inúmeras oportunidades para isso, o anjo de fato nos favorece na medida em que nele confiarmos e a ele nos abrirmos. Mas também com relação aos anjos parece valer a admoestação do apóstolo: “Não apagueis o espírito” (1Ts 5, 19). Desgraçadamente, pode o homem “apagar o espírito”, anular sua ação, fechar-se em orgulhosa autossuficiência, não querer o auxílio do anjo, não confiar nele, não rezar a ele, ignorá-lo, desprezá-lo, pode até negar sua existência.

Devemos estar abertos para a ação do anjo, confiar nele, dar-lhe oportunidades, manifestar-lhe nossos pensamentos e desejos íntimos, querer receber suas iluminações, manter com ele verdadeiras relações de amizade: ele quer ser nosso companheiro e amigo!

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