Santa Teresa, tão favorecida pelo Todo-Poderoso, nasceu no ano de 1515, em Ávila, na Espanha, de pais nobres e religiosos. Entre outros exercícios de devoção, seus pais tinham o costume de ler frequentemente livros piedosos, e a filha foi ensinada a fazer o mesmo logo que aprendeu a ler. Teresa se afeiçoou tão depressa a este hábito que se retirava frequentemente com o irmão Rodrigo para um lugar solitário, a fim de ler sem ser incomodada. Com apenas sete anos de idade, adquiriu assim um conhecimento tão vivo, tanto das coisas temporais como das espirituais, que às vezes exclamava, como que em êxtase: “Ó eternidade! Ó eternidade! Ser atormentada durante toda a eternidade! Alegrar-se durante toda a eternidade! Sofrer eternamente! Alegrar-se eternamente! Oh, quem pode encontrar palavras para descrever isso?”
Certa vez, quando lia a vida dos santos, seu coração inflamou-se de tal modo com o desejo de morrer pela glória de Cristo, que, em companhia de Rodrigo, deixou em segredo a casa paterna, com a intenção de ir para a África pregar Cristo entre os sarracenos e assim ganhar a gloriosa coroa do martírio. Embora os dois jovens aventureiros tenham sido imediatamente alcançados e levados de volta aos pais, o desejo de morrer por Cristo não podia ser arrancado do coração de Teresa.
Quando, aos doze anos de idade, perdeu prematuramente a mãe, Teresa lançou-se diante de uma imagem da Virgem Santíssima e exclamou, numa torrente de lágrimas: “Mãe de Misericórdia! Eu te escolho por minha Mãe! Toma-me, pobre órfã, no número dos teus filhos!” A maravilhosa proteção da Rainha do Céu, de que gozou no futuro, provou que a sua oração fora atendida.
Por conta da leviandade e esquecimento naturais da infância, aconteceu que Teresa, após a morte da mãe, foi trocando pouco a pouco suas leituras devotas por livros mundanos. Tornou-se também muito íntima de uma prima bastante vaidosa. Isto contribuiu para que ela esmorecesse em sua devoção: já não encontrava prazer em rezar, e rendera-se à preguiça e à vaidade — não chegando a perder, no entanto, a inocência de coração. Quando seu piedoso pai se deu conta dessa mudança, mandou-a para um convento de agostinianas, onde ela logo percebeu o próprio erro e arrependeu-se amargamente. Sempre atribuiu a um favor especial da Mãe de Deus o fato de não ter caído em perigos maiores.
Começou de novo a leitura de obras piedosas, retornando ao antigo zelo, que quase se esvaiu de todo devido aos romances que lera. Pouco depois, ficou perigosamente doente e o pai levou-a de volta para casa. Durante a doença, reconheceu mais profundamente do que antes a vaidade do mundo, e encheu-se de um intenso desejo de deixá-lo por inteiro e servir a Deus no estado religioso. O pai opunha-se muito a isso, mas aos vinte anos ela fugiu secretamente para o convento das carmelitas, perto de Ávila. Mal havia deixado a casa paterna, porém, experimentou um desejo tão ardente de regressar, que sentia todo o corpo tremer. Considerando isso uma tentação de Satanás, prosseguiu corajosamente seu caminho e, ao chegar ao convento, de repente, toda uma mudança se produziu dentro dela: sua tristeza e temor transformaram-se em alegria e conforto. Foi assim que o Todo-Poderoso recompensou o domínio de si.
Teresa começou o noviciado com grande zelo, perseverou nele e acabou por fazer os votos habituais. Algum tempo depois, porém, voltou a perder o fervor no serviço de Deus, porque conversava demais e durante muito tempo com as pessoas do mundo, negligenciando assim as suas orações e perdendo o amor pelos exercícios de devoção. Um dia, ao entrar na igreja para rezar, seus olhos se depararam com um quadro de nosso Salvador coberto de chagas. No mesmo instante, comoveu-se profundamente no mais íntimo da alma ao pensar que Cristo havia sofrido tanto por ela, apesar de ela lhe ter sido, até aquele momento, tão ingrata e desobediente. Seu coração encheu-se de tal tristeza que lhe parecia a ponto de despedaçar-se.
Por isso, prostrando-se diante da imagem, começou a chorar amargamente a sua inconstância, e disse, com a mais perfeita confiança: “Senhor, não me levantarei do chão enquanto não me deres força suficiente, não para não pecar no futuro, mas para te servir fielmente e de todo o coração.” Esta breve mas fervorosa oração de Teresa foi ouvida pelo Todo-Poderoso. Seu coração mudou de súbito e para sempre; toda a afeição pelos seres humanos desapareceu; foram renovados o amor a Deus e o prazer pela oração e outros exercícios espirituais; e ela tomou a resolução de prosseguir neles dali em diante. A partir daquele momento, Teresa não mais vacilou no serviço de Deus, mas perseverou, com zelo ininterrupto e cada vez maior, no caminho da virtude e da perfeição.
Deus revelou-lhe depois que ela devia sua conversão à intercessão de São José e da Santíssima Virgem. Por isso, procurou também obter, com a ajuda dos dois, a graça da perseverança. Tendo isso em mente, recordava com frequência o exemplo de Santa Maria Madalena e de Santo Agostinho, animando-se assim contra uma recaída. Arrependia-se todos os dias das faltas de sua vida passada e esforçava-se por expiá-las, usando grosseiras vestes penitenciais, flagelando-se e fazendo outras penitências, embora, segundo as palavras de seus confessores, não tivesse cometido grandes pecados.
Um dia, Deus lhe mostrou um lugar terrível no Inferno, dizendo que ela teria sido precipitada nele, se tivesse persistido em conversas frívolas na porta do convento com pessoas do mundo, e na negligência dos exercícios de devoção. Tal revelação deixou-a de cabelo em pé e despertou nela o desejo de servir a Deus com toda a fidelidade e persuadir os outros a fazer o mesmo. Por isso, decidiu usar todos os meios possíveis para restaurar a austeridade original das carmelitas, da qual, por consentimento das autoridades eclesiásticas, elas haviam de alguma forma se afastado. O próprio Deus inspirou-lhe estes pensamentos e prometeu-lhe auxílio para colocá-los em prática. Mas, como se tratava de uma iniciativa nunca antes tentada por uma mulher, é fácil imaginar os muitos e grandes obstáculos que ela teve de superar. Vários clérigos e leigos opuseram-se aos seus planos, e ela foi caluniada e perseguida por muitos.
Não obstante isso, o Céu ajudou-a de forma tão notável que, antes de sua morte, ela contava trinta e dois novos conventos fundados, masculinos e femininos, em que os carmelitas levavam uma vida santa, com toda a severidade da regra original. Quem refletir sobre o trabalho e a fadiga que deve ter custado à santa levar a cabo esta grande empreitada, não hesitará em declarar seu êxito como um grande milagre. É impossível descrever as grandes virtudes desta santa fundadora ou as maravilhosas graças que Deus lhe concedeu.
Possuía, dentre outros, os dons de profecia e de ler os segredos do coração. Durante suas orações, caía frequentemente em êxtase e era vista muitas vezes envolta por uma luz divina. Uma vez a ouviram exclamar: “Ah! Um só Deus! Uma só morte! Uma só alma!”, cuja explicação ela mesma deu depois, nos seguintes termos: “Há um só Deus; se o desagradarmos, não há outro a quem pedir ajuda. O homem só morre uma vez; se, portanto, for infeliz a sua morte, não há mais nenhuma possibilidade de remediar o erro. Só possuímos uma alma, e se esta perder-se, não há esperança de salvação.”
Foram quase incontáveis as visões que teve de Nosso Senhor, da Santíssima Virgem, de São José, dos santos anjos e de outros santos. Nos últimos anos de sua vida, era raro o dia em que Cristo não lhe aparecia no Santíssimo Sacramento. A própria Mãe de Deus a instruía, consolava e fortalecia em todas as ocasiões. De São José, dizia ela nunca ter pedido nada que não tivesse obtido.
Mas, apesar destas e de outras grandes graças, sua humildade era tão profunda, que se considerava a maior das pecadoras e desejava ser tratada como tal. Dizia muitas vezes que devia a uma graça especial de Deus não se ter precipitado no Inferno, segundo o que ela merecia. Detestava todos os elogios humanos, e seu maior prazer era ser maltratada, injuriada e caluniada. Suplicava muitas vezes a Deus que retirasse dela os seus dons, já que tantas vezes o ofendera e se fizera indigna de sua graça.
Não menos maravilhosas eram sua paciência e desejo de sofrer. Disse um dia que, ao longo de quarenta anos, quase não havia ficado uma hora sem sofrer, exceto no momento da Comunhão, quando as consolações interiores faziam-na esquecer os males do corpo. Quase inacreditáveis são as numerosas e graves doenças com que foi visitada pela divina Providência. Dentre elas, dores violentas no flanco e nas articulações, tremores em todos os membros, repugnância por comida e uma febre que a perturbou durante cinco longos anos. A tudo isto se acrescentaram tentações e desolação espiritual, além de muitas e grandes perseguições.
Em todas essas provações, no entanto, ela jamais manifestou a mínima impaciência; pelo contrário, sentia um desejo insaciável de sofrer ainda mais. Por isso a ouviam exclamar com frequência: “Senhor, ou sofrer ou morrer! Porque a vida é demasiado penosa quando não tenho nada com que sofrer.” Durante suas doenças, dizia com Jó: “Se nós recebemos os bens da mão de Deus, por que não havemos de receber também os males?” Nunca manifestou qualquer antipatia, tampouco ódio, pelos que mais injustamente a caluniaram e perseguiram; ao contrário, mostrou-lhes muita bondade e esforçou-se por ser-lhes útil. Por isso, um certo bispo disse: “Quem quiser ser favorecido por Teresa, deve injuriá-la ou prejudicá-la.”
Chorava amargamente a cegueira dos hereges e oferecia muitas penitências pela conversão deles. Também prescreveu, em suas regras, que as religiosas de sua Ordem fizessem orações e outras boas obras em favor dos pregadores e de todos que trabalhavam pela salvação das almas e pela conversão dos hereges e pecadores. Certa vez, Deus mostrou-lhe as alegrias do Céu, dizendo: “Vê os grandes tesouros de que se privam os pecadores!” Isto aumentou ainda mais seu zelo pela conversão deles.
Para os pobres e doentes, era como uma mãe amorosa. Oferecia às almas dos defuntos muitas orações e penitências, abrindo-lhes assim, a muitos, as portas do Céu. Quanto à pureza de corpo e de espírito, era mais um anjo que um ser humano, pois, além de jamais ter sido culpada da mínima falta nessa matéria, recebera de Deus a graça de ver-se livre de todas as tentações e pensamentos impuros. Mesmo assim, empregava todos os meios necessários ou úteis para preservar a pureza.
Por falta de espaço, não podemos comentar suas outras virtudes, tais como sua obediência perfeita, extrema pobreza, constante abnegação, maravilhosa moderação em todas as coisas e grande austeridade. Porém, sentimo-nos obrigados a falar do seu amor a Deus, pois nesta virtude ela parece ter atingido o ponto mais elevado alcançável por um ser humano. E seria de admirar? Ela mesma viu um anjo trespassar-lhe o coração com uma flecha ardente, como sinal de sua intensa devoção ao Todo-Poderoso. O próprio Cristo deu-lhe a mão, dizendo: “No futuro, como uma verdadeira esposa, trabalharás zelosamente pela minha honra.”
Nada a deixava mais triste que saber que Deus, a quem ela tanto amava, havia sido ofendido por outrem; e nada sentia com mais violência que a mais leve suspeita de ofender a Deus. Pensava nele constantemente, mesmo durante suas ocupações. Com frequência elevava a Ele o coração, por meio de pequenas orações interiores, enviadas ao Céu com tanto fervor, que as chamas do amor divino, ardendo nela, refletiam-se em seu rosto. A menor falta cometida provocava-lhe muitas lágrimas, e ela fez um voto, não só de nunca desagradar a Deus com um pecado venial voluntário, e guardar-se de toda imperfeição, mas também de esforçar-se constantemente por fazer o que sabia ser mais agradável ao Todo-Poderoso. O Breviário Romano testemunha que ela morreu mais pela grandeza de seu amor ao Altíssimo que pelas dores de sua doença [1].
Teresa ficou sabendo a hora de sua morte com oito anos de antecedência. Quando a sentiu aproximar-se, escreveu uma carta muito bela e comovente, a todos os membros dos conventos que fundara, exortando-os a perseverar em seu fervor. Depois, recebeu devotamente os santos sacramentos e ocupou-se com a oração mental. “Chegou finalmente a hora tão desejada, em que não poderei mais ofender-vos, ó meu Senhor! A hora em que vos verei”, exclamou ela. Pouco depois, agradeceu a Deus por ter nascido na Igreja Católica e disse várias vezes: “Sou filha da tua Igreja, morro como filha da Igreja Católica.”
Também a ouviam dizer frequentemente: Ne proicias me a facie tua… Cor contritum et humiliatum, Deus, nos despicies — “Ó Senhor, de vossa face não me rejeiteis. Um coração arrependido e humilhado, ó Deus, não haveis de desprezar” (Sl 50, 13.19). Virada para um lado, com os braços cruzados sobre o peito e apertando um crucifixo ao coração, rezou em silêncio durante algum tempo e expirou calmamente, aos 68 anos de idade, em 1582. Cristo apareceu-lhe visivelmente em sua última hora, acompanhado por sua divina Mãe e muitos anjos.
Na hora de sua morte, Teresa apareceu de forma gloriosa a vários de seus amigos ausentes. No momento em que entregou a alma a Deus, uma árvore morta, que estava diante da sua cela, começou a brotar. Seu santo corpo, do qual emanava um odor extremamente agradável, permaneceu incorrupto; e a relação dos muitos milagres que aconteceram depois de sua morte preencheria vários livros.
Mas o que parece mais digno de nossa admiração na vida desta santa é que, mesmo sendo uma mulher frágil, e quase sempre afligida por doenças, ela tenha conseguido escrever tantos livros repletos de uma sabedoria sobre-humana; tenha trabalhado tanto para a glória de Deus e a salvação das almas, tenha suportado tantas perseguições, injustiças e calúnias em seu santo empreendimento; e ainda assim tenha conseguido realizar tão bem o que havia começado por inspiração divina. Deus manifestou nela o que pode um ser humano débil fazer com sua ajuda, e que grandes obras Ele pode realizar através de mãos tão frágeis.
Considerações práticas
A vida inteira de Santa Teresa está repleta das mais salutares lições. Destacamos algumas delas em poucas palavras:
I. Na juventude, Teresa começou a ler livros devotos, seguindo os ensinamentos de seus bons pais, e daí retirou o espírito de piedade. Mas logo que se interessou pela leitura de livros mundanos, foi-se tornando dia após dia mais indolente no serviço de Deus; e não voltou ao primeiro fervor senão depois de ter abandonado essas obras e retomado a leitura de livros piedosos, uma prova do grande proveito que podemos tirar deles, e do mal que podem nos fazer os escritos mundanos. Oxalá aqueles que desejam viver piedosamente compreendam isto e conformem suas vidas a isso. Oxalá todos os cristãos orientassem os filhos, desde a mais tenra idade, à leitura de livros piedosos!
II. Após a morte de sua mãe, Teresa tomou por mãe a Virgem Santíssima, procurando e encontrando nela conforto e auxílio para todas as necessidades. Por intercessão dela e de São José, recebeu a graça da perseverança em sua reforma.
Ame Maria como sua mãe; procure o consolo e ajuda dela com filial confiança. Tome São José por um de seus principais padroeiros, pois a intercessão dele é muito poderosa junto do Altíssimo, sobretudo depois que ele foi declarado solenemente Padroeiro da Igreja Universal.
III. A visão de Jesus ferido encheu o coração de Santa Teresa de grande contrição pela indiferença com que vivera antes, inflamou-a de verdadeiro amor a Deus e sustentou-a nesses sentimentos até o fim.
Considere sempre como seu Salvador sofreu por você e arrependa-se sinceramente de seus pecados, pois eles foram a causa da amarga Paixão de Cristo. Ame o seu Redentor com todas as suas forças, e tome a resolução de servi-lo no futuro com o máximo fervor.
IV. Teresa viu o lugar que lhe caberia no Inferno, se não tivesse abandonado as conversas fúteis e a indiferença no culto a Deus. Por isso, agradeceu-lhe muitas vezes, com humildade, o fato de não se ter condenado, e aprendeu com isso o quanto o pecado pode ser nocivo, mesmo o aparentemente mais banal, pois pode levar-nos gradualmente ao caminho da condenação eterna.
Você tem ainda mais razões para agradecer a Deus por não o ter chamado quando estava em pecado. Quanto tempo já teria passado no Inferno? Se a conversa ociosa e fútil teria conduzido Teresa gradualmente ao Inferno, o que você não terá a temer, se não se abstiver de tantas conversas pecaminosas às quais se entrega? Saiba, também, que não deve considerar insignificante um pecado venial, por menor que lhe pareça, pois ele pode, lentamente, levá-lo à perdição.
As muitas outras lições que a vida de Santa Teresa contém, deixo-as a seu critério aprender. Só lhe peço uma coisa: lembre-se com frequência das palavras que a santa pronunciou em seu êxtase: “Um só Deus! Uma só morte! Uma só alma!” Ame este Deus único e não o ofenda. Cuide com zelo de sua única e preciosa alma imortal. “Guarda-te, pois, a ti mesmo e a tua alma com solicitude” (Dt 4, 9).
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