Circulam na Internet (e em várias publicações feministas) algumas acusações de misoginia à obra de Santo Tomás de Aquino, o qual teria ensinado que "a mulher é como um macho incompleto". A frase constituiria prova irrefutável do machismo da fé cristã e do ódio da Igreja Católica ao sexo feminino.
Se é verdade que Tomás escreveu essa frase em suas obras [1], copiando (atenção!) uma colocação de Aristóteles [2], todas as vezes que a citou, porém, deixou bem claro o que Aristóteles queria dizer e qual era a sua posição a respeito disso.
A mais famosa referência a essa sentença está na conhecida Suma Teológica.
Para quem não está acostumado com o estilo das obras escolásticas, talvez caiba algumas breves considerações.
A Suma Teológica é um tratado intelectual e procede por meio de "questões", "artigos", "objeções" e "respostas". Cada questão (De...) é um tema específico, que possui um número determinado de artigos a ela relacionados. Cada artigo (Utrum...) é uma pergunta, que contém uma resposta aparentemente certa (Videtur...), com a qual Tomás parece concordar, apresentando para tanto várias razões, baseadas muitas vezes na autoridade de outros filósofos e escritores cristãos. Depois de enumerá-las, ele indica algo em desabono dos objetores (Sed contra...), oferece uma resposta definitiva à pergunta (Respondeo dicendum quod...) e rebate a todas as objeções (Ad primum, ad secundum, ad tertium...).
Feitas essas observações, partamos ao texto em que Tomás supostamente defende a "imperfeição" da natureza feminina. Trata-se da primeira parte da Suma ( Prima Pars), questão 92, na qual o santo lida justamente com "a criação da mulher". No artigo 1º, ele pergunta "se a mulher deveria ser produzida na primeira produção das coisas" (isto é, na Criação) e, como primeira objeção à resposta afirmativa, Tomás copia a frase de Aristóteles, segundo a qual "femina est mas occasionatus – a fêmea é um macho incompleto". Mais adiante, porém, o Aquinate rebate a sentença do filósofo grego da seguinte forma:
"Deve-se dizer que considerando a natureza em particular, a mulher é deficiente e falha, pois a potência ativa que se encontra no sêmen do macho visa produzir alguma coisa que lhe seja semelhante em perfeição segundo o sexo masculino; mas, se for gerada uma mulher, isso resulta de uma fraqueza da potência ativa ou de alguma má disposição da matéria, ou ainda de alguma mudança proveniente de fora, por exemplo, dos ventos do sul, que são úmidos, como está escrito no livro sobre a geração dos animais (De Generatione Animalium). Entretanto, se consideramos a natureza universal, a mulher não é falha, mas pela intenção da natureza está ordenada à geração. A intenção da natureza universal depende de Deus, que é o autor universal da natureza. Por isso, quando instituiu a natureza, produziu ele não só o homem, mas também a mulher." [3]
À resposta do Aquinate cabe uma explicação. O que, afinal, ele quer dizer com a distinção entre "a natureza particular" ( natura particularis) e "a natureza universal" (natura universalis)?
Michael Nolan, professor emérito do Centro de Pesquisa Maurice Kennedy, na University College de Dublin (UCD), já escreveu vários artigos sobre esse tema, e explica que o termo "natureza particular" diz respeito à natureza do sêmen masculino. O próprio Aquinate afirma em outro lugar que a natureza particular é a "força que está em determinado sêmen" (virtutis quae est in hoc semine) [4]. Aqui, o que o santo católico faz é reproduzir uma tese biológica de Aristóteles. A teoria de reprodução do filósofo grego "identifica corretamente o sêmen como a substância reprodutiva masculina, mas desconhece a existência do óvulo", a qual foi descoberta apenas no século XVII, por William Harvey. "Aristóteles acha que a substância reprodutiva feminina é uma fração pura do sangue menstrual. Ambas as substâncias, ele diz, são produzidas pelo corpo em um processo de 'concentração' que requer calor. A substância masculina, o sêmen, é mais concentrado que a substância feminina. Disso, Aristóteles conclui que o elemento masculino possui mais calor que o feminino." – E é nesse sentido (e tão somente nesse sentido) que Aristóteles chama a mulher de um "macho incompleto". "Trata-se, como se pode ver, de uma afirmação bem limitada, equivalente a dizer que às mulheres falta o poder muscular dos homens" [5].
O esclarecimento de Santo Tomás é que a afirmação de Aristóteles diz respeito somente à natureza particular do sêmen – pressuposta a validade de sua biologia –, e não à natureza universal, isto é, à ordem da Criação. Portanto, tanto homem quanto mulher foram igualmente queridos por Deus, como atesta o próprio livro do Gênesis: "Homem e mulher ele os criou" (Gn 1, 27).
Com o advento das novas descobertas no campo da biologia, as teses de Aristóteles sobre a geração dos animais caíram por terra, mas uma coisa é indiscutível: Santo Tomás de Aquino nunca escreveu que a mulher fosse um ser humano imperfeito ou tivesse uma dignidade menor que a do homem.
Agora, o que Tomás quer dizer quando escreve que "a mulher não é falha, mas pela intenção da natureza está ordenada à geração"? Estaria o Doutor Angélico dizendo que as mulheres foram feitas apenas para a reprodução, e nada mais?
A resposta é não, absolutamente. No próprio corpo da resposta (Respondeo...) ao art. 1º da questão 92, o Aquinate escreve que "o homem (homo) é ordenado à mais nobre atividade vital, o conhecimento intelectual" — e isso vale tanto para os indivíduos do sexo masculino, quanto para os do sexo feminino.
Para quem quiser aprofundar-se nessa matéria, recomenda-se a leitura do artigo científico do mesmo Michael Nolan, intitulado The Aristotelian Background to Aquinas's Denial that "Woman is a Defective Male" (o link para o texto se encontra abaixo). O estudo explica com profundidade o que Aristóteles queria dizer com a sua frase controversa, a teoria da reprodução do filósofo grego, bem como a opinião de Tomás e São Boaventura sobre toda essa querela. Nunca é demais ir atrás das verdadeiras informações, ao invés de sair falando do que não se sabe.
Assim, quem quiser acusar a Igreja de machismo com as obras de Santo Tomás precisará explicar como podem ter saído de sua pena linhas tão belas sobre a dignidade da mulher, como as que seguem: "Era conveniente — dizia ele — que a mulher fosse formada da costela do homem, para significar que entre o homem e a mulher deve haver uma união de sociedade, pois nem a mulher deve dominar o homem, e por isso não foi formada da cabeça; nem deve ser desprezada pelo homem, como se lhe fosse servilmente submetida, e por isso não foi formada dos pés" [6].
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