Talvez nenhum ícone religioso seja tão debatido quanto o Sudário de Turim [i]. Tido por alguns como uma impressão milagrosa do corpo de Jesus Cristo em sua mortalha logo após a crucificação, o Sudário é condenado por outros como uma farsa religiosa, pintada por artistas habilidosos no século XIV. Embora o Sudário de Turim não seja oficialmente reconhecido como relíquia pela Igreja Católica, ainda assim inspira a veneração dos fiéis no mundo todo.

A tênue imagem amarela no Sudário de Turim mostra a frente e o verso do corpo de um homem que morreu crucificado. Mas ninguém sabe ao certo como a imagem realmente passou ao linho. Ela é um negativo quase perfeito e é anatomicamente detalhada, muito além da habilidade de qualquer artista antes do final da Idade Média. Com exceção dos testes de datação por radiocarbono de 1988, a maioria das pesquisas científicas indica que a impressão poderia de fato ser a imagem de Jesus Cristo. Se aceitamos que o Sudário traz essa marca milagrosa, a imagem pode nos dizer muito sobre o sofrimento e a morte de Cristo.

Com base no Sudário, Jesus de Nazaré era uma pessoa fisicamente imponente, com quase 1,80m de altura e cerca de 70 ou 80 kg, um homem grande para a época. Tinha ombros largos e braços e pernas bem definidos e musculosos, um rosto majestoso e cabelos grossos e bem cuidados. Os etnólogos descobriram que as características do homem (cabelo comprido, barba, rabo de cavalo sem trança) são consistentes com as de um judeu sefardita vivendo em território ocupado por romanos. Sua idade no momento da morte é estimada entre 30 e 45 anos. 

O Santo Sudário encontra-se exposto para veneração dos fiéis na cidade de Turim, na Itália.

O que o Sudário nos diz da morte de Cristo é que Ele suportou a pior forma de tortura que se pode conceber. A morte foi extremamente brutal. O olho direito está inchado, quase fechado; o nariz, quebrado; ambas as sobrancelhas, inchadas, e há várias outras lacerações nas bochechas, todas resultado de espancamento. Peito, ombros, costas, nádegas e pernas estão cobertos de cortes em forma de barra ou de marcas de flagelo.

Um flagelo romano consistia numa tira de couro com um par de esferas de chumbo ou de ossos redondos na ponta. A flagelação devia ser dolorosa, mas não fatal. As esferas arrancaram pedaços de carne, causando contusões profundas e perda substancial de sangue. A configuração das marcas do flagelo (120 ao todo) indica que ele foi chicoteado por dois homens enquanto estava nu e amarrado a um poste, com as mãos presas sobre a cabeça.

Ao contrário do que se crê, os condenados à morte não carregavam a cruz inteira até a crucificação. A parte vertical da cruz, ou a haste, era um acessório permanente fora dos portões da cidade. Os condenados eram forçados a carregar a travessa, ou patibulum, que pesava entre 75 e 125 libras (aproximadamente de 34 a 57 kg), equilibrada na parte de trás dos ombros e amarrada aos braços estendidos. A imagem das costas mostra duas grandes marcas de atrito, uma logo acima do ombro direito, outra mais abaixo, do lado esquerdo, causadas pelo forte atrito da viga. Os joelhos mostram grave inchaço e arranhões causados por repetidas quedas enquanto carregava o patíbulo. A flagelação enfraqueceu tanto Jesus, que Simão Cireneu acabou obrigado a carregá-la por Ele.

Os fluxos de sangue que saem do couro cabeludo indicam que a coroa de espinhos não era a auréola delicada tantas vezes retratada na arte religiosa. Na verdade, era mais um chapéu, cobrindo todo o couro cabeludo e batido na cabeça com uma vara.

A mortalha indica que a perna direita estava encostada na viga vertical e o pé esquerdo, inclinado para dentro e posto sobre o direito. Um único prego, de aproximadamente 11 polegadas (27,94cm) de comprimento, foi cravado em diagonal através dos calcanhares de ambos os pés, a fim de suportar o peso do corpo. A grande mancha de sangue perto dos pés é um fluxo post mortem, devido à remoção do cravo.

“O Sepultamento de Cristo”, por Carl Bloch.

As vítimas da crucificação não eram pregadas pelas palmas da mão, onde a carne se rasgaria rapidamente [ii]. Em vez disso, os pregos eram cravados nas dobras do pulso. Por deslocarem duas estruturas ósseas, os pregos podiam suportar o peso da parte superior do corpo. Os polegares não são visíveis no Sudário porque o cravo também cortou o nervo mediano, resultando na dobra imediata do polegar, dolorosamente paralisado, nas palmas das mãos.

Um corpo em cruz assume duas posições: em posição relaxada, o peso é suportado pelos pulsos, as pernas ficam dobradas e a parte superior do corpo cai para a frente. Isso faz com que as omoplatas se fechem, dificultando a expiração. Para tomar ar, a vítima se força para levantar, transferindo o peso para os pregos do calcanhares e fazendo os ossos dos pulsos virarem em torno dos pregos. A dor lancinante dessa posição a tornaria impossível de suportar.

O fluxo de sangue nos antebraços, evidente no Sudário, move-se em caminho irregular em direção aos ombros, indicando que a vítima lutou fortemente contra a morte, levantando-se várias vezes para continuar a respirar. Os romanos costumavam praticar o crurifragium: ao ter suas canelas quebradas, as vítimas de crucificação morriam mais rápido, pois eram impedidas de flexionar o corpo para cima a fim de respirar.

Segundo o Evangelho de João, os judeus queriam preparar-se para o sábado, então pediram permissão a Pilatos para quebrar as pernas do crucificado. Mas as pernas de Jesus não estavam quebradas porque Ele já morrera quando chegaram. Jesus morreu asfixiado e, ao expirar, os músculos peitorais se contraíram, a boca do estômago afundou-se para dentro e a parte inferior do abdômen foi pressionada para a frente.

Outra traço característico do Sudário é a grande mancha de sangue na lateral do peito. De acordo com o Evangelho de João, quando vieram quebrar-lhe as pernas, “um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança e, imediatamente, saiu sangue e água” (19, 34). Há diferentes teorias para a “água” que jorrou do corpo, mas a maioria dos patologistas concorda em que o fluido teria emanado de uma perfuração post mortem do coração através da quinta e sexta costelas. Um fluido claro pode ser visto na mortalha em fotografias de raios-x.

Depois que Jesus morreu, o rico José de Arimateia buscou o corpo: “Ele o desceu da cruz, envolveu-o em um pano de linho e colocou-o num sepulcro” (Lc 23, 52). A composição do tecido, uma trama trançada em espinha de peixe, era de fabricação cara na época. As Escrituras não mencionam a preservação de qualquer tecido fúnebre, talvez porque não houvesse tempo para um enterro digno. O sábado se aproximava às pressas, e, como judeus praticantes, os discípulos ficaram talvez angustiados por não conseguirem limpar o corpo devidamente limpo nem ungi-lo com óleos e especiarias antes da sepultura.

Talvez o maior mistério do Sudário seja o que aconteceu com o corpo dentro dele. Não há sinais de decomposição física do corpo de Jesus na imagem. A imagem existe como uma espécie de “instantâneo” de um cadáver removido dentro de 72h após o enterro. Isso, somado a muitos outros fatores, indica que se trata do Sudário de Jesus Cristo. As pernas intactas, a coroa de espinhos, a ferida lateral e a flagelação são historicamente incomuns. Seja como for, nossa fé na crucificação e na ressurreição de Jesus Cristo não depende da autenticidade do Sudário de Turim. Na verdade, o Sudário nos dá uma visão clara de como Jesus morreu por nós — terrivelmente torturado, cheio de dor e de sofrimentos indescritíveis. Isso não pode deixar de nos humilhar.

Notas

  1. O texto original foi adaptado aqui para esta publicação, tendo em vista que foi divulgado pela primeira vez em 2 de abril de 2021 (N.T.).
  2. Esta tese, embora tenha ganhado o mundo especialmente depois da pesquisa do Dr. Pierre Barbet (cf. A Paixão de Cristo segundo o Cirurgião, trad. de Pe. José Alberto de Castro Pinto, 14. ed., São Paulo: Loyola: 2014), ainda é objeto de discussão e controvérsia. Veja-se, por exemplo, a esse respeito: Paul Casey, The Crucifixion of Our Lord: Where Were His Nails?, in OnePeterFive.com, 6 abr. 2020 (N.T.).

O que achou desse conteúdo?

Mais recentes
Mais antigos