As fotos chocantes da chinesa Feng Jianmei, deitada ao lado de seu bebê morto, rodaram o mundo em 2012. Assim como tantas outras mães de família, ela foi forçada a abortar por causa da "política do filho único". A repercussão do seu caso levou o Partido Comunista a "relaxar" a medida em 2013. Não adiantou nada.

O governo comunista da China anunciou, em outubro deste ano, que estava dando fim à conhecida "política do filho único", que já leva os seus 35 anos. A medida restringia famílias urbanas a ter apenas um filho e casais da zona rural a não mais do que dois. Essa não é a primeira vez que as manchetes proclamam o fim dessa política abusiva. Enquanto isso, os fatos seguem a direção contrária: as violações dos direitos humanos por parte do regime parecem longe de chegar a um término.

Sob as novas medidas, o governo chinês afirma que concederá a todos os casais que vivem na cidade a permissão para ter um segundo filho. Assim como aconteceu após a revisão de 2013 da mesma medida – que permitiu o privilégio de ter outro filho, caso ao menos um dos pais fosse filho único –, os casais terão que passar por vários procedimentos a fim de conseguir uma permissão do Estado. Além disso, as famílias ainda terão que enfrentar restrições de diversos tipos, relacionadas à "idade certa" para a paternidade, à procedência étnica e ao lugar em que vivem.

"A primeira coisa que a maioria dos casais faz quando descobre uma gravidez é agendar uma consulta com um obstetra, para começar a assistência pré-natal para a mãe e para o bebê. Na China, porém – explica a jornalista Sophia Lin –, a primeira coisa que a maioria dos casais faz é inscrever-se para conseguir uma 'permissão de nascimento' do governo (agora conhecida como 'certificado do serviço de planejamento familiar'), a fim de que o bebê possa nascer legalmente."

O processo para obter o "certificado" é árduo. Os casais devem conseguir selos de aprovação de uma varidade de pessoas, incluindo seus próprios supervisores de trabalho. Vizinhos e funcionários de empresas são motivados a denunciar quaisquer famílias que tenham um número de filhos superior ao permitido, e incentivos como abonos salariais são suspensos se alguém dentro de uma companhia é descoberto violando a política governamental. Casais que infringem a medida correm o risco de serem multados, perderem o emprego ou serem vítimas de aborto e esterilização forçados.

Nada disso terá fim com a última adaptação da medida.

O ativista de direitos humanos Chen Guangcheng escreveu em seu Twitter que "não há nada por que se alegrar": "Antes, o Partido Comunista matava qualquer filho que viesse depois do primeiro; agora, matarão qualquer um que venha depois do segundo."

"A mudança não é suficiente", disse Matthew Li, fundador da organização China Life Alliance. "Casais que têm dois filhos ainda estarão sujeitos a meios coercivos e intrusivos de contracepção, bem como a abortos forçados, que equivalem a tortura. (...) Hoje haverá centenas de mulheres chorando na China, por serem obrigadas a abortar contra a própria vontade. Mesmo depois que a política do filho único mudar para a anunciada 'política dos dois filhos', ainda haverá centenas de mulheres chorando todos os dias."

Outra organização que trabalha para acabar com o aborto forçado na China é a Women's Rights without Frontiers. Também para ela, não há nenhuma garantia de que o Partido Comunista Chinês acabe com os "terríveis métodos de execução" de sua política de controle populacional. Em uma nota, a organização afirmou que, "independentemente do número de filhos permitido, mulheres que ficarem grávidas sem permissão ainda serão arrastadas de suas casas, amarradas a mesas de operação e forçadas a abortar bebês".

De fato, até o momento presente, os abortos forçados continuam acontecendo no país. O governo chinês insiste que a nova medida ainda não está em vigor e não terá importância alguma, enquanto o Legislativo não ratificar a nova "política dos dois filhos", em março de 2016.

O verdadeiro problema da política do filho único não é que os casais chineses sejam impedidos de ter outro filho, mas simplesmente que eles sejam impedidos de ter quantos filhos quiserem. "Forçar as famílias ao limite de dois filhos continua sendo uma terrível violação dos direitos humanos e usar métodos como a esterilização e o aborto para assegurar o cumprimento dessa medida é ainda mais horrível e apavorante. "Não se deve dizer a nenhuma pessoa quantos filhos ela deve ter", afirmou Matthew Li, que pede que a China acabe de vez com todas as políticas de planejamento familiar.

Além das horríveis e comuns ocorrências de aborto forçado, esterilização e contracepção, a política comunista do filho único tem levado a consequências ainda mais trágicas, dentre as quais se sobressai o genocídio de milhões de mulheres. A desproporção entre os sexos é tão grande que, em algumas áreas do país, há apenas 100 mulheres para 190 rapazes. Estima-se que 37 milhões de homens chineses estão sem moças com que se casarem. Essa tragédia também tem levado a um aumento no tráfico e na exploração sexual na China, bem como nos países vizinhos. A nova "política dos dois filhos" não fará nada para reverter esse quadro, já que vários casais continuarão abortando bebês do sexo feminino até que engravidem de um menino.

Apesar do drama terrível que vive o povo da China, o governo não fez menção alguma aos direitos humanos como razão para implementar as mudanças na política de controle populacional. As suas preocupações manifestas são de ordem puramente econômica: conter a iminente escassez de trabalho e lidar com o crescente número de idosos no país.

Trata-se de apenas mais um motivo para desconfiar da nova medida do Partido Comunista Chinês. A organização China Life Alliance chega a pôr em dúvida que a "política dos dois filhos" vá realmente ser aplicada. "Na China, nós hesitamos em acreditar nas mudanças que são anunciadas, até que descubramos maiores detalhes", explica Matthew Li. "Não sabemos ao certo quando essa política terá pleno efeito. O que sabemos é que nosso site está bloqueado na China e uma de nossas funcionárias grávida está em fuga, na tentativa de se esconder das autoridades que procuram forçar o aborto de seu filho."

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