“Quando o homem depende de Deus, não depende do Estado. No entanto, uma vez perdida a dependência de Deus, o Estado assume os atributos da divindade e, por ser um ente material, esmaga até o último resquício do espírito humano.”
— Venerável Fulton Sheen, The World’s First Love [“O Primeiro Amor do Mundo”], 1952
É difícil não nos perguntarmos por que os governos modernos tendem a ser mais ateus que seus povos (e provavelmente muito mais que eles, se realmente soubéssemos o que pensam e não apenas o que dizem). Por que têm essa animosidade contra a Igreja, que mal conseguem dissimular? Por que essa determinação em violar as normas mais básicas da lei natural, em chamar o mal de bem e o bem de mal, em promover absurdos e perversões cada vez mais descabidas? E por que demonstram tanta aversão à família?
É claro que existem muitas razões, como é de se esperar de um fenômeno social tão amplo, mas a razão última já foi apontada pelo grande Fulton Sheen: a libido dominandi, o desejo de poder, que é uma paixão muito poderosa. Como é lógico, o desejo desordenado de poder existe mais ou menos desde Adão, mas, em particular desde que a sociedade tornou-se pós-cristã, inevitavelmente esse desejo se tornou irresistível e absoluto nos seus governantes (públicos e de fato), porque eles já não têm nada que os impeça. Por sua própria natureza decaída, o desejo de poder tende a consumi-los e a tornar-se um fim em si mesmo. Não é de estranhar, além disso, que uma corrupção cada vez mais aberta acompanhe frequentemente esse processo, como salientou Lord Acton.
De fato, os Estados modernos e os seus governantes têm empenhado todas as suas energias em eliminar qualquer obstáculo ao seu poder. Podem fingir que se importam com os direitos, que se preocupam com as liberdades ou a divisão de poderes, que desejam a paz e até que são religiosos, mas são as ações que contam e não as boas intenções: as ações deles os denunciam, porque elas visam criar um Estado absoluto que se intromete em tudo, controla tudo e regula tudo e todos, até nos mínimos detalhes. Dir-se-ia que o próprio nome democracias liberais, ostentado por nossos regimes mais característicos, é irônico, porque seria muito difícil imaginar Estados mais intervencionistas até nos mínimos detalhes, mais distantes do que as pessoas normais querem, mais ávidos de poder e mais alérgicos às liberdades verdadeiramente humanas.
Os governantes pós-modernos não têm fé, mas isso não quer dizer que sejam surdos. Têm bom ouvido e ouviram a antiga promessa, sussurrada e sedutora: sereis como deuses. Acima de tudo, querem ser como deuses e, para isso, tudo deve ser colocado sob os seus pés. O Estado, como paródia de Deus, deve ser onipresente, todo-poderoso, juiz do bem e do mal e criador da própria realidade.
Esse desejo de poder dos governantes depara-se com dois grandes obstáculos: a Igreja e a família. Não é por acaso que são precisamente essas duas instituições que há séculos são assediadas numa luta renhida, na qual vão perdendo terreno pouco a pouco, mas de forma inexorável. Trata-se, na verdade, das duas principais realidades que podem exigir uma lealdade mais imediata e poderosa do que aquela que une os homens aos poderes públicos e às causas com as quais distraem os ingênuos.
Existem outros obstáculos, como as tradições, os corpos sociais intermediários, o senso comum, a existência de uma verdade objetiva ou a lei moral, mas ou são muito mais fracos ou mais abstratos. Por isso, quando o Estado onipresente lhes declarou guerra, foram caindo um após o outro. Ninguém ignora que as únicas tradições lícitas atualmente são as de natureza meramente folclórica, e as demais foram ou estão sendo erradicadas em grande velocidade. Da mesma forma, basta abrir os olhos para constatar que os sindicatos, a imprensa e outras instituições intermediárias estão completamente nas mãos do Estado e daqueles que detêm o poder. Já há mais de meio século as poderosas forças educacionais, o mundo acadêmico e a propaganda constante dos meios de comunicação se empenham em extirpar do coração dos homens o sentido da lei moral, o senso comum e até mesmo a crença básica numa verdade objetiva. O Estado venit, vidit et vicit — “veio, viu e venceu”.
Apenas a Igreja e a família permanecem de pé, demonstrando ser muito mais persistentes e difíceis de destruir do que os ideólogos imaginavam. É verdade que vacilam e parecem estar em retirada perpétua, mas continuam aí, e os Estados pós-modernos não conseguem suportar isso, a ponto de, hoje em dia, nada lhes interessar mais do que acabar com esses dois grandes inimigos. Nada. O resto das suas ocupações e esforços são meras anedotas em comparação com a necessidade de subjugar finalmente a família humana e a família de Deus.
Como explicar de outra forma que a sociedade moderna se empenhe em fazer guerra à família natural, mesmo que isso signifique suicidar-se lentamente? Durante séculos, tentou destruir diretamente a família por meio do divórcio, do aborto, dos contraceptivos, da fornicação generalizada e da pornografia. Vendo que isso não era suficiente, nas últimas décadas começou a experimentar o método indireto, dissolvendo-a no “tudo é família”, de modo que nada o seja. A guerra é implacável: tudo é válido, desde que leve a menos família e mais Estado, a que os filhos desprezem os seus pais e as suas mães e sejam, finalmente, propriedade do Estado. Nos casos mais avançados, ou menos discretos, observa-se que as próprias palavras “família”, “pai” ou “mãe”, e até mesmo “mulher” e “homem”, repelem os governantes pós-modernos e lhes provocam uma fúria incontrolável.
Quanto ao segundo obstáculo, todas as religiões, em geral, devem ser erradicadas ou neutralizadas para que o Estado possa dominar sozinho, porque não pode haver mais do que um deus. No entanto, às vezes podemos dizer que os ateus têm mais fé do que muitos católicos, pois não há dúvida de que sabem ser a Igreja Católica o seu verdadeiro inimigo. De certa forma, tal como os demônios perante Deus, eles reconhecem a verdadeira Igreja e não conseguem deixar de tremer ao contemplar algo inaudito. As religiões não cristãs e as confissões não católicas certamente lhes causam incômodo, mas, no fim das contas, não têm significado para eles. Podem até aproveitá-las como ferramentas para enfraquecer a Igreja, seja através da imigração ou como pretexto para medidas que acabem com a presença pública do catolicismo. Mas a Igreja Católica, ah, com ela não pode haver paz a não ser uma falsa paz, porque, enquanto ela existir, o Estado pós-moderno e relativista nunca poderá ser deus. Écrasez l’infâme!
A Igreja e a família são aliadas naturais porque ambas provêm diretamente de Deus e constituem um espaço de verdadeira liberdade face à tirania estatal pós-moderna. Por isso, pelo menos desde a Revolução Francesa, não há paz autêntica entre elas e o Estado, mas, no máximo, tréguas temporárias e localizadas. A verdade é que vivemos tempos interessantes, imersos numa luta sem tréguas entre titãs, mal disfarçada por ficções políticas cada vez menos convincentes. Se não compreendermos isso, será impossível compreender qualquer coisa sobre a sociedade atual, as forças que a agitam e a forma “estranha” de agir de tantos governantes supostamente democráticos.
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Que instigante artigo… se todos pudessem lê-lo, principalmente os governantes, entenderiam porque tanta perseguição à Igreja Católica.
Muito importante e rico este artigo.
👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
E as revoluções protestantes? Também ajudaram no fortalecimento do Estado? Acho que sim! Vejam o exemplo de Henrique VIII, criador da religião anglicana! Virou o líder máximo dos seus domínios territoriais, com poder total! Sem as restrições morais do Vaticano!
Excelente análise!👏🏻