O Salmo 50 dá o tom. É o salmo penitencial por excelência, que concentra o nosso olhar no elemento mais importante do ato penitencial, a contrição: “Meu sacrifício é minha alma penitente, não desprezeis um coração arrependido” (Sl 50, 19). 

Santo Tomás observa que a contrição “inclui virtualmente toda a penitência” (STh III 90, 3). Ela contém em germe as outras dimensões do sacramento da Penitência: confissão, reconciliação e satisfação. Essa verdade salienta a necessidade de aprofundarmos a nossa contrição, sobretudo quando nos preparamos para a Confissão.

Analisemos primeiro o caráter pessoal da autêntica contrição. Para nós, é tentador esconder-nos na multidão, participando das orações, liturgias e devoções penitenciais da Igreja sem realmente nos empenharmos. Mas isso não é o bastante. Não importa o quanto a Santa Madre Igreja possa nos exortar, conduzir na oração e interceder por nós. Em última análise, cada um de nós deve se arrepender pessoalmente. Há também outra razão por que a contrição cristã é pessoal. Ao contrário do arrependimento natural ou do remorso mundano, ela tem origem na consciência da ofensa à pessoa de Jesus Cristo, não a uma simples lei ou padrão ético.

A contrição fecunda surge do exame de consciência. Este, por sua vez, deveria ser um “intenso e corajoso inventário moral de nós mesmos”, para tomar emprestado um trecho dos Doze Passos dos Alcoólicos Anônimos: intenso, porque exige refletir e recordar quando e como erramos; corajoso, porque exige superar o orgulho, a vergonha e a autojustificação. Devemos dar nomes aos bois, reconhecendo de maneira clara e sincera o que fizemos de errado.  

Há muitas ferramentas que nos ajudam no exame de consciência: os Dez Mandamentos, o duplo mandamento do amor (cf. Mc 12, 28-34), os sete pecados capitais etc. Independentemente do instrumento utilizado, o objetivo é discernir com precisão quais são os nossos pecados e quantas vezes os cometemos, isto é, em que medida falhamos em corresponder à bondade do Senhor.

A Igreja define a contrição de modo simples. É “uma dor da alma e uma detestação do pecado cometido, com o propósito de não mais pecar no futuro” (Catecismo da Igreja Católica, § 1451). Ora, isso difere do emocionalismo que as pessoas podem associar à contrição. Sim, os Evangelhos nos falam das lágrimas de Maria Madalena e do choro amargo de Pedro. Mas, ainda que tenham sua utilidade, tais emoções não são necessárias para a contrição. Necessários são o simples reconhecimento do pecado e a decisão de não mais cometê-lo.

A sobriedade da definição da Igreja revela a solicitude do Senhor com a nossa fraqueza. Ele sabe que os nossos sentimentos rebeldes e inconstantes podem nem sempre cooperar com a nossa contrição. Nem sempre nos sentimos arrependidos. Ele não exige, portanto, mais sentimentos do que aqueles que podemos oferecer. Isso também significa que não podemos esperar que tais emoções apareçam antes de identificarmos e decidirmos odiar os nossos pecados.

Por si mesma, a contrição tende naturalmente à confissão dos pecados. É uma necessidade que procede mais do coração humano do que da lei da Igreja. “Enquanto eu silenciei meu pecado, dentro de mim definhavam meus ossos e eu gemia por dias inteiros” (Sl 31, 3). Como mostram essas palavras do salmista, a tristeza humana sempre procura se manifestar. Do contrário, estamos fazendo violência contra nós mesmos.

Ora, a Igreja exige que confessemos os pecados mortais por sua espécie e número, algo que pode ter a aparência de legalismo e de ser contrário a esse desejo do coração humano: Qual a necessidade de coisas particulares? Por que especificar? Deus realmente se importa com tais detalhes? Ele é tão legalista assim? Não estaria mais interessado no relacionamento do que em coisas específicas?  

Tais perguntas revelam a tendência nociva do homem a evitar o específico e o concreto no arrependimento. Preferimos permanecer na superfície e nas generalidades (“Não fui bom… ofendi a Deus…”), quando podemos evitar exatamente o horror do que fizemos. No entanto, relacionamentos não são construídos com base em abstrações.

O amor procura ser definido e específico em sua manifestação. Nós amamos nos particulares ou não amamos de forma alguma. Infelizmente, também pecamos nos particulares. A nossa relação com Deus e com o próximo não é prejudicada por nós de forma abstrata ou teórica, mas por meio de pensamentos, palavras e atos específicos. Por isso, o coração, se está mesmo contrito, procura ser específico na confissão.

É a lógica da Encarnação, acima de tudo, que exige isso. O Verbo se fez carne. Nosso Senhor expressou o seu amor por meio de palavras e atos concretos e específicos. Ele não confrontou o pecado “em geral” ou “em teoria”, mas em pessoas particulares, na carne e na Cruz. A disciplina da Igreja, longe de impor um fardo externo, simplesmente faz eco às exigências do coração humano e do Sagrado Coração. A confissão não requer particulares apesar do relacionamento, mas por causa dele. 

A confissão sacramental também é um ato pessoal de fé, porque implica confiar na presença contínua de Cristo em sua Igreja e ministros. Não confessamos ao sacerdote por causa de seu mérito ou santidade, mas porque temos fé em que Cristo lhe confiou um poder sagrado.

Nós realmente cremos que o próprio Cristo age por meio do sacerdote, que lhe serve de instrumento. Assim, nesse sacramento fazemos uma dupla confissão: de culpa e de fé (culpa pelos nossos pecados e na ação de Cristo).

A contrição autêntica busca a reconciliação. Produz em nós o desejo de nos libertarmos dos nossos pecados e, principalmente, de nos reconciliarmos com Cristo. Assim, a contrição nos impele logicamente ao sacramento da reconciliação, que restaura nossa união com Ele. Qual será a medida real de nossa contrição, se não desejamos reconciliar-nos com Ele pelo meio que Ele mesmo estabeleceu?

Finalmente, a contrição nos leva não só à confissão e à reconciliação, mas também à satisfação e à expiação dos nossos pecados — em suma, a fazer penitência —, algo que pode parecer impossível. Afinal, ninguém pode reparar ou satisfazer por seus próprios pecados. Só o sacrifício perfeito de Jesus Cristo expia o pecado.

Não obstante, o penitente de fato oferece satisfação — não por seu próprio poder, mas por sua união com o Cristo sofredor; ou, antes, ele se torna partícipe do próprio ato de reparação de Cristo. É um fruto da reconciliação sacramental. O sacramento produz uma reconciliação tão real, uma tal ligação com Cristo, que o penitente se torna participante do único sacrifício perfeito de Cristo pelos nossos pecados. Fazer penitência em união com Cristo é, de fato, o auge da contrição do penitente. Essa participação na expiação e na tristeza de Cristo é o que a contrição procura expressar e oferecer desde o início.

“Meu sacrifício é minha alma penitente, não desprezeis um coração arrependido” (Sl 50, 19). Continuemos essa oração para alcançar uma contrição mais profunda e perfeita, a fim de que a nossa recepção do sacramento da Penitência nos beneficie de forma mais frutuosa até a vida eterna.

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