Desde tempos imemoriais as pessoas têm enterrado seus mortos. Algumas vezes elas chegaram mesmo a arriscar as próprias vidas para cumprir esse dever básico de humanidade. Em tempos de perseguição, por exemplo, os cristãos se colocavam em grande perigo para reaver os corpos dos mártires, a fim de que estes passassem pelos ritos sagrados da sepultura cristã.

O Velho Testamento conta a história do velho Tobit, que, quando exilado em Nínive, observava a lei hebraica de enterrar os mortos, indo contra os desejos do Rei Senaquerib (cf. Tb 1, 20).

Até povos antigos como os gregos se sentiam compelidos a tributar uma reverência final aos defuntos. Na peça Antígona, Sófocles conta a história de uma irmã que desafia as ordens do tirano grego Creonte de não enterrar o seu irmão, que ele havia derrotado em batalha. Ela proclama então que o direito de enterrar o próprio irmão provinha de leis “que nunca foram escritas, mas são irrevogáveis; não existem a partir de ontem, ou de hoje; são eternas, sim! E ninguém sabe desde quando vigoram!”

O corpo humano é algo sagrado e deve ser tratado com todo o respeito e a dignidade devidas. Sempre foi dessa forma. Ninguém precisava explicar o porquê de os defuntos serem enterrados — até a nossa época.

Compostagem: um ato ecorreligioso. — De fato, quando a vida humana é tida como um bem disponível por meio do aborto e da eutanásia, o que poderia restar aos cadáveres humanos? De qualquer modo, é difícil não se chocar com um projeto de lei que tramita na Assembleia Legislativa de Washington, e com grande chance de ser aprovado: os legisladores estão trabalhando para autorizar um novo processo chamado “compostagem”, por meio do qual os seres humanos serão transformados em adubo.

A reciclagem humana não é apenas uma alternativa prática ao enterro. Trata-se de um ato ecorreligioso. Seus defensores promovem-no abertamente como uma expressão de justiça social e fervor ecológico. Ele se encaixa dentro de uma visão panteísta de mundo onde tudo é reduzido a matéria em constante transformação.

O processo de reciclagem humana consiste em colocar restos humanos em um reservatório juntamente com lascas de madeira, alfafa e outros materiais orgânicos para acelerar a decomposição. Depois de um mês, o corpo é reduzido a um metro cúbico de solo rico em nutrientes que pode ser usado para o plantio de árvores e o benefício do planeta.

Um manifesto antimetafísico. — Algumas pessoas pragmáticas não verão problema algum no processo. Elas dirão que pelo menos se dará um bom uso ao cadáver, promovendo o enriquecimento do solo e prevenindo a emissão de gás carbônico, responsável pelo aquecimento do planeta. Que diferença faz se o lugar do repouso final de uma pessoa for a base de uma árvore, ao invés de um túmulo?

De fato, não faria diferença nenhuma... se não existissem almas. A grande realização dos ecologistas que criaram a “compostagem” não é o desenvolvimento da engenhoca mecânica que transforma os humanos em adubo, mas sim a derrocada daquelas leis jamais escritas e irrevogáveis, inerentes à natureza humana, que nos impelem a reverenciar os mortos desde tempos imemoriais.

O processo aparentemente inofensivo de “compostagem” é como a publicação de um manifesto antimetafísico que, de modo implícito, nega a existência da alma, a ressurreição da carne e a necessidade da redenção. Ele leva a sugestões ainda mais radicais, como a de que a vida e a história humanas não têm nem sentido nem propósito algum.

Grande cuidado ao lidar com os mortos. — A Igreja sempre mostrou o maior cuidado ao lidar com os mortos. Enterrá-los é um ato de misericórdia. A Igreja os sepulta com grande pompa e cerimônia, além de manter cemitérios e consagrar o solo que cobrirá os corpos dos fiéis. Ainda que permita a cremação, ela insiste em que mesmos esses restos devem ser tratados com grande reverência, não podendo ser dispersos em lugares que todas as pessoas podem pisar.

As razões para esse grande cuidado são muitas:

  1. Templo do Espírito Santo. — A Igreja toma grande cuidado ao tratar dos corpos dos fiéis batizados porque ela sabe que o corpo não é apenas uma carcaça que pode ser jogada fora uma vez que a alma se foi. Para os cristãos, o sepultamento não é o descarte de uma coisa. É um aspecto do cuidado devido a toda pessoa humana, cuja alma continua a existir e está nas mãos de Deus. A Igreja ensina que o corpo é sagrado porque é templo do Espírito Santo, o instrumento por meio do qual a alma cristã se expressava em vida. De fato, o corpo foi lavado nas águas do Batismo, ungido com os óleos da salvação e alimentado pela Sagrada Eucaristia. O corpo foi o meio através do qual atos de caridade e virtude foram praticados. Não é adequado que o mesmo corpo seja tratado com indiferença e negligência.
  2. A ressurreição do corpo. — O sepultamento dos mortos está associado à crença na ressurreição dos mortos no fim dos tempos. Nós, católicos, cremos que todos os homens ressuscitarão para o Juízo Final. Por isso, a reverência e o cuidado dispensados ao corpo derivam da honra e do respeito pela pessoa falecida. Não somos livres para dispor dos corpos como se eles fossem lixo ou adubo. O corpo que é enterrado pertence à pessoa que ressuscitará um dia e novamente tomará posse de seu corpo. A crença na ressurreição dos mortos é essencial à fé. Negar essa verdade é rejeitar a Ressurreição de Cristo e a necessidade da redenção. Sem esses dogmas relativos à vitória de Cristo sobre a morte e à promessa de vida eterna, a fé perde o seu sentido.
  3. A morte não termina relacionamentos. — Outra razão pela qual a Igreja sepulta os mortos é o reconhecimento de que a morte não dá fim a nosso relacionamento com os fiéis defuntos. Eles são simplesmente transformados. Os mortos ainda são parte da comunidade cristã. O devido sepultamento fornece os meios para as famílias cumprirem suas obrigações para com seus entes queridos. Rezar pelos mortos é um ato de misericórdia espiritual, estimulado pelo enterro e pelas visitas aos cemitérios. As Missas oferecidas pelo repouso das almas são ainda outra forma de demonstrar caridade para com os mortos. De sua parte, as pobres almas do Purgatório também podem interceder pelos vivos. Assim, o falecido se beneficia da participação da comunidade paroquial, que estende esses relacionamentos para além da morte. Ao mesmo tempo, a comunidade passa a reconhecer o impacto da intercessão que as pessoas podem realizar umas pelas outras. O fiel defunto é integrado à história da comunidade, registrada como ela costuma ser pela Igreja.

Ecologistas radicais e o fim do homem. — Mas quão diferente da prática cristã é a opção da “compostagem” agora em debate! Implícita nessa iniciativa está a noção secular moderna do homem como um ser desprovido de alma ou de qualquer propósito na vida. O corpo é uma mera fase no processo de constante transformação da matéria. Um indivíduo não tem nenhum significado, nenhuma história real, nenhum destino eterno.

Era a partir de uma concepção assim que o filósofo Bertrand Russell († 1970) era capaz de afirmar que “a origem do homem, o seu crescimento, os seus temores e esperanças, as suas crenças e amores, constituem o resultado de colocações acidentais de átomos; nenhuma paixão, nenhum heroísmo, nenhuma intensidade de pensamento ou de sentimento pode preservar uma vida individual além do túmulo”.

Os ecologistas de hoje deduzem conclusões ainda mais radicais a partir dessa visão secular. Eles não só acreditam que os seres humanos são insignificantes; acham que eles são prejudiciais ao planeta Terra. Alguns denunciam a humanidade como um vírus que melhor seria que fosse varrido da Terra. Eles deploram a civilização e aspiram por viver (ou morrer) em harmonia com a natureza.

Na verdade, se uma ditadura ecológica vier a estabelecer-se sobre a Terra (além das amplas regulações socialistas já vigentes), a opção da “compostagem” não será mais opcional, mas obrigatória.

Sobre a extinção da espécie humana. — Essas ideias mórbidas sobre a humanidade são mainstream em muitos setores da sociedade. Um professor de filosofia universitário escreveu recentemente para o jornal The New York Times se perguntando se a extinção da espécie humana seria uma tragédia. “A extinção da humanidade poderia fazer do mundo um lugar melhor e, ao mesmo tempo, ser uma tragédia”, ele medita. “Eu não gostaria de dizer isso com segurança, já que o assunto é bem complexo. Mas certamente parece uma possibilidade real, e que por si mesma me perturba.”

Considerações assim sombrias e desanimadoras são o pano de fundo de um espírito de infelicidade e depressão que assombra e escarnece da sociedade pós-moderna. Somente a Igreja tem a resposta adequada para essas questões, baseada como está em leis jamais escritas e irrevogáveis, que dão à vida humana sentido e propósito.

Obviamente, o fato de muitos não acreditarem na existência da alma ou na vida eterna não muda a realidade das coisas. A alma de fato existe. Deus realmente criou e redimiu a humanidade. Haverá, sim, uma ressurreição geral e o Juízo Final para ratificar nosso destino eterno, seja ele passado no Céu ou no Inferno. O homem não é uma colisão acidental de átomos compostos; ele foi criado para se tornar filho adotivo de Deus e coerdeiro de seu Reino.

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