Maravilha das maravilhas: a Bélgica está processando três médicos pela prática ilegal da eutanásia. Depois que Tine Nys, 38, recebeu uma injeção letal, os familiares denunciaram os médicos — um deles, psiquiatra — às autoridades. Eles alegam que a injeção letal aplicada em Nys violou as diretrizes que os médicos deveriam seguir de acordo com as leis de eutanásia na Bélgica.
As alegações dos familiares são perturbadoras. Nys fora diagnosticada com autismo alguns meses antes de sua morte. Quando jovem, sofria de um transtorno depressivo e tentou suicídio. Mas os membros da família relatam que ela ficou muitos anos sem precisar de tratamento e que, na verdade, queria morrer por causa de um relacionamento desfeito. Segundo a lei, Nys não estava sofrendo de uma desordem “séria e incurável” — requisito necessário para que uma pessoa recorra legalmente à eutanásia.
De acordo com a mídia, esse caso demonstra que a Bélgica trata com seriedade a observância de limites rigorosos para a eutanásia. Mas “rigorosos” e “limites” são conceitos contraditórios quando estamos falando de médicos belgas que matam seus pacientes. Deveríamos ficar angustiados com o fato de essa ser uma das poucas tentativas de responsabilizar médicos, levando-se em conta que as autoridades têm feito vista grossa para outros casos igualmente graves, evitando tomar quaisquer medidas criminais ou administrativas.
A eutanásia foi legalizada na Bélgica em 2002, em meio às usuais garantias displicentes de que firmes limitações impediriam seu abuso. Mas as promessas eram falsas. Desde que a lei entrou em vigor, médicos têm aplicado a eutanásia não apenas em pacientes doentes, mas em pessoas com deficiência, idosos em situação de desespero e pessoas com doenças mentais. Até crianças de nove anos já sofreram eutanásia! Os corpos de pessoas com doenças mentais e com deficiências físicas progressivas são usados para captação de órgãos. Não fosse pela eutanásia, muitos dos que foram mortos teriam vivido por anos. De fato, diversos casos abusivos já foram relatados de forma fidedigna na mídia e por autoridades belgas especialistas em eutanásia — mas nenhum deles resultou em processo. Os casos seguintes são apenas um exemplo.
Há relatos de vários casos de casais de idosos que foram mortos juntos. O primeiro foi em 2011 — nenhum dos membros do casal estava seriamente debilitado, e a eutanásia foi lhes aplicada com o pleno conhecimento e a aprovação inequívoca de sua comunidade. Eles inclusive fizeram os ajustes finais no necrotério local antes de receberem a injeção letal.
Um caso se destaca por sua crueldade. Um casal saudável “temia o futuro”. Os dois receberam a eutanásia juntos, apoiados pelos filhos. O médico da morte foi inclusive contratado pelo filho deles, que disse ao Daily Mail que a morte dos pais era “a melhor solução”, já que seria “impossível” cuidar deles adequadamente. Sociedades decentes julgam que é trágico o suicídio conjunto de casais de idosos. Mas na Bélgica, aparentemente, ele é considerado uma solução legítima para problemas associados ao cuidado de idosos.
Outra história perturbadora é a de “Ann. G.”, que sofria de anorexia suicida. Ela fez uma acusação pública contra seu antigo psiquiatra por tê-la persuadido a manter relações sexuais com ele. Como o psiquiatra — que admitiu a acusação — não foi punido com severidade, Ann ficou tão desesperada que procurou outro especialista para pedir a eutanásia. Ela morreu com quarenta e quatro anos. Com amarga ironia, o primeiro psiquiatra só foi disciplinado pelo abuso depois da morte de Ann.
Agora imagine que você está no trabalho cumprindo suas tarefas. O telefone toca. Você atende, e a voz do outro lado lhe informa que ele trabalha para o necrotério do hospital onde está o corpo de sua mãe. “Como assim? O corpo da minha mãe está aí!?”, você exclama. “Ela recebeu a eutanásia hoje”, responde a voz. “O que deveríamos fazer com o corpo?”
Sim, isso aconteceu em 2012 com o químico belga Tom Mortier. Numa conferência antieutanásia, da qual participei em 2014, ele descreveu o trauma emocional pelo qual passou. Sua mãe, Godelieva de Troyer, lutou contra a depressão durante boa parte da vida — algo que na Bélgica pode servir de fundamento jurídico para a eutanásia. Mas aqui está o truque: ela não foi morta por seu psiquiatra, que poderia ter determinado — de acordo com a lei — que ela era incurável. Em vez disso, ela foi morta pelo Dr. William Distelmans, um oncologista conhecido por sua predisposição para aplicar a eutanásia em pessoas que não foram seus pacientes anteriormente.
Infelizmente, o mesmo Distelmans também aplicou a eutanásia num homem transgênero que ficou perturbado por causa de uma cirurgia malfeita de mudança de sexo. Diz a história publicada no Daily Mail:
Um transexual belga decidiu morrer por meio da eutanásia depois que uma cirurgia malfeita de mudança de sexo, que deveria completar sua transformação em homem, o deixou parecido com um “monstro”. Nathan Verhelst, 44, morreu na tarde de ontem depois de ter recebido autorização para tirar a própria vida por causa de “sofrimento psicológico insuportável”. Horas antes de morrer, ele disse ao Het Laatste Nieuws: “Estava pronto para celebrar meu novo nascimento, mas quando me olhei no espelho fiquei indignado comigo”.
Agora temos de nos perguntar: Verhelst teve sua situação de desespero tratada por um profissional de saúde mental adequado? Recebeu ajuda em seu momento de angústia? Não. Ele foi morto por um especialista em câncer.
Os casos que destaquei aqui — há muitos outros — ilustram a frágil natureza das “diretrizes rigorosas” na Bélgica. Os casos dessas pessoas — que não estavam de modo algum próximas da morte — foram relatados; portanto, não se pode dizer que as autoridades não sabiam deles. Mesmo assim, nenhum dos seus assassinos foi responsabilizado criminalmente, como aconteceu no caso de Nys.
Uma condenação no caso de Nys poderia conter o impulso da contínua expansão da eutanásia na Bélgica. Parece não haver dúvidas sobre o caso. Porém, isso não significa muita coisa na cultura da morte. Para ser sincero, ficarei agradavelmente surpreso se houver uma condenação.
O recente processo contra uma médica que pratica a eutanásia na Holanda, onde a morte administrada por médicos também é legalizada, demonstra por que sou tão cético. Uma paciente que sofria de demência, ainda na posse de suas faculdades, pediu à médica que lhe aplicasse a eutanásia quando estivesse incapacitada. Mas ela também informou que gostaria de poder dizer quando isso ocorreria. Finalmente, a família dela e a médica decidiram, sem o consentimento dela, que a hora havia chegado. A médica pôs um entorpecente no café da paciente e, tão logo ela adormeceu, iniciou o procedimento para aplicar a injeção letal. Porém, a mulher acordou inesperadamente e lutou para impedir que fosse morta. Em vez de parar, a médica instruiu a família a segurá-la enquanto ela se debatia, para assim finalizar o homicídio.
Esse poderia parecer um caso inequívoco de eutanásia involuntária, que é tipificado como assassinato segundo a lei holandesa. Porém, um tribunal não apenas absolveu a médica, mas também a elogiou por ter agido no “interesse” da paciente. Em outras palavras, o juiz decidiu que a paciente que lutava para sobreviver não tinha mais capacidade mental para desejar viver.
Quando a eutanásia é legalizada, a mentalidade coletiva de uma cultura a respeito do significado e da importância da vida humana se distorce. Acabar logo com o sofrimento torna-se mais importante do que proteger a vida dos vulneráveis, dificultando cada vez mais a restrição da eutanásia e do suicídio assistido a casos extremos — aqueles aos quais essas práticas deveriam estar reservadas, segundo a falsa promessa de seus defensores. Os raros casos de processo decorrentes de abusos inequívocos, muitos dos quais malsucedidos, aceleram esse processo. Não há nada tão eufemístico quanto dizer que as pessoas com tendência suicida têm permissão moral para acabar com suas vidas, ao mesmo tempo que se garante que os médicos da morte acreditem ter a aprovação da lei para satisfazer os desejos mais obscuros dos membros mais desesperados da sociedade.
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