Quando, em abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente o pedido da liberação do aborto de bebês anencéfalos (ADPF 54), um dos fundamentos foi o de o Estado brasileiro ser “laico”. Veja-se a ementa:

ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações.

FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.

Também hoje, o argumento do Estado “laico” vem sendo repetido incessantemente pelos defensores da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que pleiteia, junto à Suprema Corte, a liberação do aborto até a 12.ª semana de gestação.

Na verdade, melhor do que Estado laico, poder-se-ia falar do “Estado louco” como fundamento do pedido de ambas as ações judiciais.

O que é um Estado louco?

Estado louco é aquele cuja Constituição é promulgada “sob a proteção de Deus” (assim diz o Preâmbulo), mas onde é rigorosamente proibido usar argumentos religiosos nas discussões judiciais.

Estado louco é aquele que reconhece a existência de três Poderes da União, “independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (art. 2.º, CF), mas admite que a mais alta instância do Poder Judiciário (o STF) invada a competência do Legislativo não só fazendo leis, mas até reformando a Constituição!

Estado louco é aquele cuja Constituição Federal reconhece apenas “a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar” (art. 226, § 3.º), mas cuja Suprema Corte, em decisão unânime (ADPF 132 e ADI 4277) de maio de 2011, ousa reconhecer a “união estável” entre pessoas do mesmo sexo “como ‘entidade familiar’, entendida esta como sinônimo perfeito de ‘família’” (!).

Estado louco é aquele que ousa pôr em discussão o direito à vida do mais inocente e indefeso dos membros da espécie humana: a criança por nascer.

Estado louco é aquele em que um Ministro do STF — Luís Roberto Barroso — antigo advogado do aborto de anencéfalos (ADPF 54) e da destruição de embriões humanos (ADI 3510), aproveita, em novembro de 2016, o julgamento de um habeas corpus (HC 124.306-RJ) em favor de uma quadrilha de aborteiros de Duque de Caxias (RJ) para inventar a tese de que os artigos 124 e 126 do Código Penal, que incriminam o aborto, deveriam ser interpretados “conforme a Constituição”, excluindo o aborto praticado nos três primeiros meses.

Estado louco é aquele em que o mesmo Ministro afirma que o grau de proteção da Constituição à criança por nascer vai aumentando “na medida em que a gestação avança”; mas no início da gravidez, justamente quando a criança é mais necessitada, o grau de proteção à sua vida é ínfimo.

Estado louco é aquele em que o mesmo Ministro afirma que, nos três primeiros meses de vida, a proteção da criança por nascer é tão pequena, que seria um absurdo proibir a mãe de matá-la!

Estado louco é aquele em que esse pensamento — de que proibir o aborto no primeiro trimestre seria violar o direito da mulher à sua “autonomia” — é acompanhado por dois colegas de Barroso na Primeira Turma: Rosa Weber e Edson Fachin.

Estado louco é aquele em que um minúsculo partido — o PSOL — que nunca obteve nem obteria no Congresso Nacional a legalização do aborto, dribla seus colegas parlamentares e ajuíza junto ao Supremo Tribunal Federal, em março de 2017, a ADPF 442, pleiteando que o esdrúxulo pensamento de Barroso e seus companheiros da Primeira Turma se estenda a todos os praticantes de aborto no primeiro trimestre e tenha efeito vinculante.

Estado louco é aquele em que o Supremo Tribunal Federal não indefere liminarmente o pedido formulado na ADPF 442, embora nunca tenha havido “controvérsia constitucional” sobre os artigos 124 e 126 do Código Penal [1] a não ser aquela fabricada artificialmente por Luís Roberto Barroso no julgamento do HC 124.306-RJ.

Estado louco é aquele em que os representantes do povo rejeitam por 33 votos a zero (em 07/05/2008 na CSSF) e depois por 57 votos contra 4 (em 09/07/2008 na CCJ) o Projeto de Lei 1135/91, que pretendia legalizar o aborto, e tal oposição frontal ao aborto é considerada uma “omissão” do Congresso sobre o tema, que deve ser “suprida” pelo Supremo Tribunal Federal [2].

Estado louco é aquele em que se pretende afirmar que o aborto, em que a criança é esquartejada (aborto por curetagem), aspirada em pedacinhos (aborto por sucção) ou cauterizada em solução cáustica (aborto por envenenamento salino), não viola a proibição constitucional à tortura (cf. art. 5.º, III, CF), mas que a aflição causada pela mãe por não poder fazer aborto é algo comparável à tortura, proibida pela Constituição.

Estado louco é aquele em que onze Ministros do Supremo Tribunal Federal, nenhum deles eleito pelo povo e todos eles nomeados pelo Presidente da República, podem, com um único golpe de martelo, destruir a inviolabilidade do direito à vida inscrita em nossa Constituição (art. 5.º, caput, CF) e instituir o direito de matar um inocente e indefeso.

Estado louco é aquele em que um Ministro da Suprema Corte — Luiz Fux — diz em 05/12/2016: “Como nós não somos eleitos, nós temos talvez um grau de independência maior porque não devemos satisfação, depois da investidura, a absolutamente mais ninguém”.

Estado louco é aquele em que uma questão de vida ou morte, como é o aborto, é decidida por juízes cujo cargo é vitalício, que não dependem dos cidadãos para se manterem no poder nem podem ser punidos se exorbitarem de suas funções.

Caso o STF queira aprovar o pedido da ADPF 442, eis uma sugestão de ementa, à semelhança da ementa da ADPF 54, que legitimou o aborto de anencéfalos:

ESTADO – LOUQUICE. O Brasil é uma república louca, surgindo absolutamente neutro quanto à razão.

Considerações. CRIANÇA ATÉ TRÊS MESES – PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL MÍNIMA – MÃE GESTANTE – DIREITO À LIBERDADE E AUTONOMIA INCLUINDO O DIREITO DE MATAR O FILHO. CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação do aborto de criança até doze semanas de vida ser conduta tipificada nos artigos 124 e 126, do Código Penal.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DEVER DE PRESTAR SATISFAÇÃO – INEXISTÊNCIA. Esta Corte não deve satisfação a absolutamente ninguém.

Notas

  1. “Caberá também arguição de descumprimento de preceito fundamental […] quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição” (art. 1.º, parágrafo único, inciso I da lei 9882/1999).
  2. “O Judiciário decide porque há omissão do Parlamento” (Luiz Fux, em 05/12/2016, no 10º Encontro Nacional do Poder Judiciário).

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MK
Maria Klein
21 Set 2023

Verdadeiramente estamos vivendo uma página muito triste da nossa história. O povo brasileiro não é ouvido, já não conta com representantes capazes que assumir seu papel institucional e fazer frente aos demandos do STF.  Nossa Senhora olhe pelo Brasil e São Miguel Arcanjo ajude-nos no combate contra as trevas.   

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MG
Michael Gomes
20 Set 2023

Fiz meu cadastro apenas para comentar. Sou um protestante, entretanto, vejo que é necessário, não só agora, mas sempre, as vertentes do Cristianismo, o Catolicismo, Protestantismo e Ortodoxismo, nos unirmos, como irmãos e em oração, jejum ou penitência, além de uma caminhada, a favor da vida, afinal, não queremos todos saúde pública?

Deus lhe abençoe padre Ricardo, e guarde e guie todos os irmãos, que se preocupam imensamente quanto a esta maldita lei.

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SF
Sergio Ferrez
16 Set 2023

1 Falais verdadeiramente justiça, ó juízes? Julgais com retidão os filhos dos homens?

2 Longe disso; antes, no íntimo engendrais iniquidades e distribuís na terra a violência de vossas mãos.

3 Desviam-se os ímpios desde a sua concepção; nascem e já se desencaminham, proferindo mentiras.

4 Têm peçonha semelhante à peçonha da serpente; são como a víbora surda, que tapa os ouvidos,

5 para não ouvir a voz dos encantadores, do mais fascinante em encantamentos.

6 Ó Deus, quebra-lhes os dentes na boca; arranca, Senhor, os queixais aos leõezinhos.

7 Desapareçam como águas que se escoam; ao dispararem flechas, fiquem elas embotadas.

8 Sejam como a lesma, que passa diluindo-se; como o aborto de mulher, não vejam nunca o sol.

9 Como espinheiros, antes que vossas panelas sintam deles o calor, tanto os verdes como os que estão em brasa serão arrebatados como por um redemoinho.

10 Alegrar-se-á o justo quando vir a vingança; banhará os pés no sangue do ímpio.

11 Então, se dirá: Na verdade, há recompensa para o justo; há um Deus, com efeito, que julga na terra.

Salmo 58

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JX
Jussara Xavier
16 Set 2023

Excelente texto. País governado por loucos.

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CR
Cristiane Rocha
14 Set 2023
(Editado)

Meu Deus, misericórdia, perdoai-nos Senhor 😔😢 

Será que nós cristãos não estamos pecando por omissão? Nos ajude Senhor 🙏🏼 Maria passa na frente, olha por nós 😭

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RC
Robson Cola
14 Set 2023

Em um país onde grande parte da população é Cristã, é tragicômico falar em Estado  laico! Nossas leis, e os Três Poderes deveriam seguir os ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo! Em todos os detalhes de suas decisões!

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BP
Bianca Provenzano
13 Set 2023
(Editado)

Rezo muito para que o aborto não seja legalizado, pelo padre Paulo e padre Lodi, quem escreveu... recebe muitas calúnias. Que Deus os proteja sempre.

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HA
Hermés Azevedo
13 Set 2023

Aí daquele que constrói uma cidade com sangue

e funda uma capital na injustiça!

Isto não vem do Senhor dos Exércitos;

que os povos trabalhem para o fogo

e que as nações se esgotem para o nada...

Tu te saciaste de ignomínia e não de glória!

Bebe, pois tu também, e mostra o teu prepúcio!

Volta-se contra ti a taça da direita do Senhor,

e a infâmia cobrirá a tua glória!

Maldição contra o opressor 

Habacuc 2, 12 -14; 16

A desobediência impera. 

Peçamos que a esperança tome o lugar da aflição nestes tempos de heresia, impiedade, impureza. 

Existe um caminho de volta?

Multipliquemos nossas orações à Nossa Senhora do Bom Sucesso.

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CP
Cristiano Paulino
13 Set 2023

Vamos cobrar de nossos Deputados Federais eleitos a suspensão imediata dessa inacreditável  invasão de competência! Vamos lá pessoal, cada um fazendo sua parte para que esses impeçam essa loucura satânica!!!

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GF
Graciete Ferreira
13 Set 2023

Este mundo é mesmo de loucos! Às vezes até dá medo de perder também o juízo e pedir contas a Deus .. pelo menos Ele ouve-nos, o mundo não!

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PC
Pulo Camilo
13 Set 2023

Esses  e essas assassinas do STF deviam ser banidos pelo Senado e pelo Congresso. Os ministros e ministras do Supremo estão brincando de ser Deus. O fogo do inferno os espera. Tudo omissão do terem em sua maioria o rabo preso

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GM
Gustavo Marynowski
13 Set 2023

Meus senhores: que artigo! 

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SR
Salve Rainha
13 Set 2023
(Editado)

Que Nosso Senhor tenha misericórdia das almas de todas as crianças assassinadas. Impossível não sentir repugnância em perceber que da época deste texto até então as coisas só pioraram e se encaminham para a legalização desta barbárie. 

Infelizmente, este é o resultado do egoísmo utilitarista da sociedade moderna. A vida não possui mais valor algum se ela, de alguma forma, causar "sofrimento" para alguém. Quando as pessoas esquecem Deus, nada mais importa; nem mesmo a vida. Se a pessoa tiver uma limitação por uma doença incurável; mate-a. Se uma mulher inconsequente quer se entregar à lascívia sem ter de arcar com as consequências da sua vida desregrada; assassine seus filhos ainda na barriga. É isso aí. 

Claro, para essas pessoas, não existe crueldade alguma, visto que elas sequer acreditam em uma alma. Esta é a sociedade "racional", que preza somente pelo "bem estar" de seus cidadãos. Esta é a "liberdade". 

Dói ver que tantas pessoas, principalmente mulheres, não conseguem enxergar o egoísmo de suas exigências, que não conseguem sequer perceber a crueldade de seus atos. Essas pessoas são tão manipuladas por essa agenda mórbida que nem cogitam outras soluções para seus infortúnios.

Repensar a libertinagem sexual promovida pelas últimas oito décadas, nem pensar; mas "lutar" para que mães tenham direito de assassinar seus filhos é uma escolha louvável. É mais importante utilizar o Estado para promover assassinatos sistemáticos do que abrir mão da sua "liberdade" sexual. É mais fácil eliminar seres humanos em uma clínica do que abdicar de ter incontáveis parceiros sexuais sem nenhum compromisso. Se não fosse trágico, seria minimamente cômica a lógica deturpada destas pessoas - ou melhor, do mundo. É realmente desolador ver tantas mulheres jovens cometendo atos grotescos por pura alienação, enquanto poderiam apenas assumir os seus erros e, no fim, formarem uma família.

Essas pessoas veem o mundo sob uma ótica tão individualista que nem percebem que, provavelmente, elas mesmas são fruto de algum "imprevisto" de seus pais. Esse individualismo está encarnado em tudo que elas argumentam para defender seus atos repugnantes. "Ora, mas a criança vai nascer sem pais presentes, pobre, ou vai ser abandonado, virar mendigo, a mãe não vai poder fazer faculdade, trabalhar, etc.". Apelam para supostas consequências que tampouco são ocasionadas pelo nascimento de um filho indesejado, e que, na verdade, são fruto direto dos valores pós-modernos. Eles querem defender os assassinatos porque, hipoteticamente, já previram o futuro dessas crianças e, por isso, não há motivos para dar uma chance de viver para elas. Claro, é fácil colocar a culpa em seres indefesos que nem sequer nasceram, ao invés de olhar para o esgoto moral em que vivem.

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PR
Patrícia Reis
1 Set 2023

Texto esplêndido. 

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