Santo Agostinho, este grande Doutor da Igreja que está muito acima de qualquer elogio humano, nasceu em Tagaste, na África, em 354. Patrício, seu pai, era pagão; Mônica, sua mãe, era cristã e é venerada como santa no dia 27 de agosto.
A natureza concedeu a Agostinho os dons mais generosos, e seus talentos eram tais que o habilitavam para o estudo de todas as ciências. Porém, destacou-se na oratória, para a qual desde cedo demonstrou grande inclinação. Seu pai o educara no paganismo, mas sua piedosa mãe procurava convertê-lo ao cristianismo.
Um dia, sofrendo excessivamente de cãibras e supondo que estava prestes a morrer, quis ser batizado, mas tão logo as dores cessaram, mudou de ideia. Quando estava em Cartago, onde estudava retórica, foi seduzido pelos maniqueus e tornou-se adepto de sua heresia. Segundo seu próprio relato, passou a juventude mergulhado na frivolidade e tornou-se tão escravo da impureza, que temia nunca conseguir abster-se dela. Foi levado a esse horrível vício, como ele mesmo disse, pela ociosidade, pelo jogo, pela negligência de seu pai, que não era suficientemente rigoroso com ele, pelas peças imorais que frequentava e pelas más companhias.
Sua piedosa mãe não mediu esforços para corrigir-lhe a conduta; exortou-o e castigou-o, mas tais esforços pareciam completamente infrutíferos. E assim ele permaneceu nesta vida pecaminosa e infame por nove anos, durante os quais Santa Mônica rezava ao Todo-Poderoso com lágrimas copiosas pela salvação de seu filho. Finalmente, Deus atendeu ao pedido da santa mulher, e Agostinho começou a mostrar-se insatisfeito com a heresia maniqueísta, pois percebeu que ela não tinha fundamento.
Sua vida pouco casta começou também a deixá-lo cada vez mais triste, e ele procurou libertar-se dela mudando de residência. Por isso, deixou Cartago, onde, depois de terminar o estudo da retórica, tinha sido muito bem-sucedido como professor, e foi para Roma contra a vontade de sua mãe. Lá ficou gravemente doente, e atribuiu sua recuperação às orações de sua mãe.
Depois de ter alcançado fama em Roma graças à sua eloquência, o prefeito romano Símaco enviou-o a Milão, onde o imperador desejava estabelecer um mestre de retórica. Naquela época, o santo bispo Ambrósio residia em Milão e era muito famoso por sua santidade e eloquência. Agostinho quis conhecê-lo e assistiu muitas vezes aos seus discursos, embora não fosse por desejo de aprender, mas simplesmente por curiosidade. Queria conhecer o estilo do bispo e saber se este realmente merecia a grande reputação de que gozava por causa de sua eloquência.
Tal curiosidade, no entanto, acabou por conduzi-lo à verdade, porque, embora pretendesse apenas ouvir o estilo com que o santo se exprimia, ouviu, ao mesmo tempo, como eram bem fundados os seus ensinamentos, e ficou completamente convencido da falsidade da heresia maniqueísta. Apesar disso, não conseguia persuadir-se a aceitar a veracidade da Igreja Católica, pois seus desejos pouco castos bloqueavam o caminho.
Admirava a vida pura de Santo Ambrósio, mas temia sua própria incapacidade de seguir tal exemplo. Enquanto isso, Santa Mônica, movida por uma piedosa solicitude pelo filho, havia chegado a Milão. Dirigindo-se a Santo Ambrósio, informou-o da condição espiritual do filho e suplicou-lhe, com os olhos cheios de lágrimas, que usasse todos os seus recursos para convertê-lo. O santo bispo, profundamente tocado pela devoção da mãe, consolou-a com a esperança de que o filho em breve chegaria ao conhecimento do mau uso que fazia de sua vida e se corrigiria, opinião que foi confirmada.
Simpliciano, um venerável e piedoso monge, um dia contou acidentalmente a Agostinho, cuja mente encontrava-se em estado muito instável, que Vitorino, o mais célebre orador de Roma, tinha a mesma idade que ele naquele tempo quando recebeu o santo Batismo. Ponticiano, amigo e compatriota de Agostinho, contou-lhe um dia sobre a conversão de dois cortesãos imperiais que, depois de lerem a vida de Santo Antão, corrigiram-se imediatamente, deixaram a corte e retiraram-se do mundo para viverem como eremitas na solidão. Estes e outros fatos comoveram profundamente o coração de Agostinho, e ele começou a pensar em mudar de conduta. A razão convenceu-o da necessidade de conversão, mas ele era impedido por seus maus hábitos.
Dia após dia, tomava a resolução de mudar de vida, mas causas imaginárias o impediam, e ele acabava adiando a decisão de tempos em tempos. Certo dia, depois de lutar duramente contra si — por um lado, aconselhado pelo mau hábito de que lhe seria impossível viver castamente, enquanto, por outro lado, a virtude da castidade apontava para tantos jovens e donzelas castos, homens e viúvas, que lhe diziam: “E tu não és capaz de fazer o que estes e aqueles estão fazendo?” —, Agostinho chorou amargamente e, caminhando para o jardim, sentou-se debaixo de uma figueira. Suspirou a Deus com profunda dor: “Senhor, até quando? Amanhã, amanhã? Por que não ponho fim de uma vez a esta existência miserável?”
Exausto com a dor de sua alma, quando estava assim sentado, ouviu uma voz que lhe dizia: “Toma e lê! Toma e lê!” Cheio de temor, levantou-se, pegou o livro mais próximo e, abrindo-o, leu as palavras de São Paulo: “Caminhemos, como de dia, honestamente; não em glutonarias e na embriaguez, não em desonestidades e dissoluções, não em contendas e emulações, mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não tenhais cuidado da carne em suas concupiscências” (Rm 13, 13-14). Não foi preciso mais nada para acalmar a tempestade no coração de Agostinho e acabar com aquela luta interior. Sua mente mudou repentinamente e ele decidiu não apenas levar uma vida casta, mas também abandonar a heresia e unir-se à verdadeira fé pela recepção do santo Batismo.
Transmitiu a resolução imediatamente à sua piedosa mãe, tão dedicada ao seu bem-estar espiritual, e a Santo Ambrósio, e depois de cuidadosa preparação, recebeu o santo batismo na véspera da Páscoa, aos 33 anos de idade. Acredita-se que o conhecido hino Te Deum foi composto por Santo Ambrósio e pelo recém-batizado Agostinho, e que foi cantado naquela ocasião pela primeira vez, para agradecer ao Todo-Poderoso a graça concedida.
É mais fácil imaginar do que descrever a alegria de Santo Ambrósio e de Santa Mônica por esta conversão. Direi apenas o seguinte: assim como a piedosa mãe tinha derramado lágrimas na amargura de seu sofrimento, também derramou lágrimas de alegria quando finalmente realizou-se o acontecimento que ela tanto esperava. Pouco depois de ter sido batizado, Santo Agostinho desejou regressar à sua terra, para dedicar-se apenas à sua salvação. Partiu acompanhado de sua santa mãe, que adoeceu quando chegaram a Óstia e terminou sua vida santa com uma morte feliz.
Depois de ter permanecido por algum tempo em Roma, Agostinho prosseguiu a sua viagem até chegar na África. Retirou-se em sua casa de campo e lá viveu três anos em solidão e oração contínua, jejuns e outras penitências, contemplando os mistérios divinos e lendo a palavra de Deus. Um nobre convidou-o a ir para Hipona e, como lhe parecia ter um propósito bom e santo, Agostinho aceitou. Depois de ter permanecido lá por algum tempo, foi ordenado sacerdote pelo bispo Valério, que conhecia bem sua virtude e grande conhecimento.
Depois da ordenação, à qual se opôs por muito tempo em razão de sua grande humildade, fundou um mosteiro e começou a viver uma vida religiosa com vários outros homens cultos. Escreveu regras para eles e assim deu origem àquilo que viria a ser a “Ordem de Santo Agostinho”, posteriormente tão célebre na Igreja de Cristo. Depois de ter passado quatro anos nesse estado, o bispo Valério ordenou-lhe que pregasse o Evangelho, algo que, naquele passado remoto, só era feito por bispos.
É incrível o bem que o santo homem fez com seus sermões e a estima que alcançou. Por causa disso, Valério, com a aprovação dos outros bispos, e para grande alegria de todos os católicos, sagrou Santo Agostinho como seu coadjutor, a fim de que o ajudasse no governo da diocese e o sucedesse depois de sua morte.
A falta de espaço nos impossibilita de falar de todo o bem que Santo Agostinho fez durante a vida de Valério e depois de sua morte, ao suprimir muitos abusos, defender a fé católica, derrotar os hereges mais implacáveis e, principalmente, ao escrever muitos livros, que contêm um tesouro inesgotável de erudição. Mesmo os mais eruditos da época não conseguiam compreender como um homem podia escrever com tanta habilidade sobre tantos assuntos diferentes. Por isso, a conclusão a que todos chegaram foi que seus talentos e erudição foram um dom especial que Deus lhe concedera, porque a Igreja de Cristo, atacada e perseguida por tantas heresias diferentes, precisava de alguém com um génio tão extraordinário para protegê-la e defendê-la.
Nenhum dos hereges se igualava a ele, e todos o temiam na mesma medida em que os católicos o amavam e honravam. A fama de sua grande santidade e sabedoria chegava até mesmo a terras distantes, e em todos os lugares ressoavam louvores a ele, por causa das muitas e gloriosas vitórias que obteve contra os hereges, tanto em disputas públicas como em todas as outras ocasiões. São Jerônimo, São Paulino e outros homens santos que viviam na época buscavam sua amizade, correspondiam-se com ele e não hesitavam em pedir-lhe conselhos. Os soberanos pontífices de seu tempo tinham-no em elevada estima e em todos os concílios a que assistia sua voz era ouvida com respeito e atenção.
Considerava-se desprovido de méritos e estava tão longe de qualquer amor-próprio, que recebia humildemente os conselhos de qualquer pessoa. Reconheceu publicamente e corrigiu vários erros que tinham se infiltrado em suas obras. Ainda mais digno de admiração é o fato de ter escrito um livro no qual expôs, perante o mundo inteiro, todas as iniquidades que cometera antes de sua conversão à verdadeira fé, a fim de que a misericórdia divina que lhe foi concedida pudesse levar outros pecadores ao arrependimento.
Doava aos pobres todos os seus rendimentos como bispo e todos os presentes que recebia. Viveu castamente do seu batismo até a sua morte, e provou que um homem, mesmo tendo sido por muitos anos escravo do vício, pode, pela graça de Deus, quebrar todos os grilhões do pecado. No entanto, ele evitava cuidadosamente todas as ocasiões que pudessem pôr em risco sua castidade, e usava meios severos para protegê-la.
Superou tão completamente o hábito de praguejar que tinha antes de ser batizado que, durante todo o resto da sua vida, nunca ninguém ouviu um xingamento de seus lábios. Detestava tanto a calúnia e a detração, que mandou escrever as seguintes palavras na parede de sua sala de jantar: “Não há lugar nesta mesa para aquele que difama o caráter do próximo.” Certa vez, um visitante começou a falar mal de um vizinho. Dirigindo-se a ele, o santo lhe disse: “Senhor, ou eu apago essas palavras ou tu mudas de conversa.”
O grande amor de Deus que ardia no seu coração levava-o a se arrepender incessantemente das iniquidades de sua vida pregressa. Por isso exclamava muitas vezes, com o coração pesaroso: “Tarde te conheci; tarde te amei, ó Beleza sempre antiga e sempre nova! Ó tempo infeliz em que não te amei!” Este arrependimento prolongou-se até a sua morte, que ocorreu quando tinha 76 anos, para grande tristeza de todos os católicos. Quatro anos antes de falecer, confiou as funções episcopais a outra pessoa, pois sentia-se exausto com seus incessantes trabalhos e desde então passou a ocupar o tempo com exercícios de piedade.
Durante aquele período, Hipona foi sitiada pelos cruéis vândalos. A miséria que assolava a cidade afligiu de tal forma o santo que ele rezou com fervor ao Todo-Poderoso para que salvasse a cidade do inimigo ou para que não o deixasse viver para ver sua destruição. Depois desta oração, foi acometido por uma febre, que considerou como mensageira da morte que se aproximava. Recebeu os santos sacramentos com a mais profunda devoção e, tendo pedido que lhe escrevessem os sete salmos penitenciais, mandou pendurá-los na parede, perto de sua cama, para que pudesse terminar sua vida com a leitura deles.
Em seus últimos dias, desejou ficar sozinho, para que seus exercícios de piedade não fossem interrompidos. Esta solidão durou doze dias, durante os quais derramou abundantes lágrimas enquanto lia os salmos penitenciais. Disse um dia: “Todo cristão, por mais piedoso que tenha sido, deve morrer como um penitente.” Com tais sentimentos de intenso amor e contrição, este grande e santo Doutor da Igreja morreu no ano 430 de Nosso Senhor. Seu santo corpo foi sepultado com grande solenidade na catedral, mas depois foi levado para a Sardenha, e daí para Pavia, onde repousa até hoje, e é muito honrado e venerado. Suas obras, nas quais ainda permanece vivo, elevam a fama de sua ciência e virtude acima de qualquer elogio humano.
Considerações práticas
Dentre os muitos pontos da vida de Santo Agostinho dignos de serem imitados, consideraremos apenas alguns:
I. Santo Agostinho já tinha completado trinta e três anos de idade quando se converteu e começou a servir ao Todo-Poderoso. Até então vivera mergulhado na frivolidade, mas, depois disso, na mais perfeita santidade. Chorava muitas vezes por ter começado tão tarde a amar e a servir a Deus, e esforçava-se com zelo para compensar a sua negligência. Talvez a maior parte de sua vida tenha sido tão ou mais ímpia do que a de Santo Agostinho. Portanto, procure corrigir sua conduta no tempo que ainda lhe resta. Arrependa-se diariamente, de todo o coração, por ter começado tão tarde a servir a Deus, e corrija, com redobrado fervor, o tempo perdido.
II. Santo Agostinho adiou sua conversão por muito tempo, mas, uma vez decidido, fez penitência com fervor, perseverou nela e não voltou à sua antiga vida de pecado. Será que você também não tem adiado por muito tempo sua mudança de vida? Faça hoje uma resolução heroica. Corrija-se, faça penitência e continue nela com firmeza e constância.
III. O incentivo à conversão de Santo Agostinho foi a pregação de Santo Ambrósio, que ele foi escutar, e o versículo da Epístola de São Paulo, que leu. Um pecador que não vai ouvir um sermão, nem lê livros devotos, está longe da conversão, longe de sua salvação. Qual é sua conduta em relação a isso?
IV. Santo Agostinho revelou ao mundo inteiro as iniquidades que havia cometido na juventude. Por que você hesita em revelar seus pecados a um padre, em segredo? O mesmo santo mestre diz: “Se te esconderes sem confessar”, isto é, se você não se confessar e esconder seus pecados, “serás condenado sem confissão”. Porventura, o que é pior: ser condenado ou confessar seus pecados a um padre que jamais poderá revelar uma palavra deles?
V. A princípio, Santo Agostinho acreditava que lhe seria impossível viver castamente e corrigir seus maus hábitos. Mas o exemplo de tantos santos de vida casta e, depois, sua própria experiência, ensinaram-lhe que isso era possível, pois confessou que o que parecia impossível tornara-se uma tarefa fácil. O mesmo acontecerá se, como Santo Agostinho, você começar a vencer-se a si mesmo.
VI. De herege empedernido, Santo Agostinho tornou-se não só um católico fervoroso, mas também um mestre e protetor da verdadeira fé, uma dádiva estimada por ele acima de tudo, e pela qual frequentemente agradecia a Deus com humildade. Disse ele: “Neste mundo não há maior tesouro, não há maior honra, não há maior bem do que a fé católica.” Desde a sua conversão, esforçou-se com afinco para dissuadir os hereges de seus erros e trazê-los de volta à luz da verdadeira Igreja, tanto pela palavra como pela pena. Seu mais ardente desejo era que todos pudessem ser católicos. Que você possa estimar o dom da fé católica mais do que o fez até agora. Agradeça a Deus por lhe ter concedido este dom.
Procure, tanto por palavras como por uma vida verdadeiramente cristã, converter os outros à verdadeira fé. E, finalmente, aprenda com Santo Agostinho como deve passar o tempo que Deus lhe der, quando enviar a doença antes da sua morte. Evite conversas frívolas e ociosas, não as permita em seu leito de morte. Aproveite o tempo para se arrepender de suas iniquidades. Deixe que outros leiam para você um livro devoto, a fim de que possa estar constantemente ocupado com bons pensamentos.
Os últimos dias de sua vida serão preciosos. Use-os bem, pois eles não voltarão. Não pare de se arrepender de seus pecados e de pedir a Deus que o perdoe, até seu último suspiro, pois as palavras de Santo Agostinho são e permanecerão sempre verdadeiras: “Nenhum cristão, por mais piedoso que tenha sido, deve morrer sem arrependimento.”
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