O grande e santo Carlos Borromeu é, com justiça, considerado um dos santos mais célebres que viveram no século XVI e que, por causa de suas virtudes e dos milagres que realizou, tornaram a Igreja Católica gloriosa perante seus inimigos. Carlos nasceu em 1538 de pais muito ilustres, no castelo de Arona, a cerca de 22 quilômetros de Milão. 

No momento em que Carlos nasceu, uma luz radiante brilhou sobre o castelo, projetando seus raios a uma grande distância e perdurando por mais de duas horas. Sem dúvida alguma, foi um sinal da grande virtude e santidade com que esse recém-nascido ornaria e iluminaria a Igreja de Cristo. 

Desde a infância, Carlos manifestava uma grande inclinação para a vida religiosa, pois imitava em casa tudo o que via os padres fazerem na igreja. Anos depois, quando iniciou seus estudos, serviu a todos como modelo de virtude. Sua pureza mantinha-se intacta em meio aos maiores perigos; ninguém jamais o ouviu dizer uma palavra indecorosa, e se outros dissessem qualquer coisa que ofendesse minimamente seu ouvido, ele imediatamente se retirava, evitando cuidadosamente o contato com qualquer jovem frívolo, ocioso ou desobediente. 

“São Carlos Borromeu”, por Orazio Borgianni.

Ao atingir a idade adequada, o Papa Pio IV chamou-o a Roma e concedeu-lhe o chapéu cardinalício junto com o arcebispado de Milão. Quando, mais tarde, seu irmão morreu sem deixar descendência, os amigos da família instaram Carlos a abandonar o estado clerical para perpetuar sua linhagem, mas ele permaneceu firme na resolução de servir ao Senhor através do celibato.

Participou do Concílio de Trento e foi o primeiro a esforçar-se por reformar sua sé em perfeita conformidade com os decretos conciliares. Começou a implementar as medidas em sua própria diocese, prescrevendo normas que, observadas pelos sacerdotes, haveriam de torná-los operários perfeitos na vinha do Senhor. Sua resolução ao tornar-se prelado da Igreja fora esta: “Ou não serei cardeal e arcebispo, ou me esforçarei por adquirir as virtudes condizentes com a minha dignidade”. E podemos dizer, verdadeiramente, que Carlos possuía em grau elevado todas as virtudes próprias de um prelado de tão nobre posição. 

Realizou muitos conselhos eclesiásticos e estabeleceu os mais salutares regimentos a fim de eliminar abusos e restaurar a moral cristã. Não destinava aos familiares nenhuma parte de seus rendimentos como bispo, mas empregava tudo na promoção da honra de Deus e na assistência aos pobres. O número de igrejas que construiu e restaurou, tanto em sua diocese como em outros lugares, é quase inacreditável. Todas elas foram adornadas com grande liberalidade. Acima da porta de cada igreja, colocou uma imagem da Santíssima Virgem, não só para admoestar todos a honrá-la, mas também para ensiná-los a procurar, por meio dela, a adesão a Cristo, nosso Mediador e Redentor. 

Erigiu muitas casas religiosas para homens e mulheres, a fim de que o Todo-Poderoso pudesse ser louvado por seus moradores, e sua bênção, alcançada por suas orações. Também construiu muitos hospitais para os doentes, e vários para os estrangeiros sem lar, para os órfãos e para as pecadoras que desejavam levar uma vida melhor. Instituiu também escolas para crianças e seminários para estudantes de teologia, a fim de que suas paróquias ficassem repletas de sacerdotes cultos e piedosos. 

Além disso, instituiu uma sociedade de sacerdotes, à qual deu o nome de Oblatos, para encarregá-los da pregação e de outras funções espirituais. Com o objetivo de proporcionar à sua sé episcopal os benefícios de uma educação verdadeiramente cristã, da mais alta qualidade, levou os padres da Companhia de Jesus para Milão e deu-lhes um colégio e uma igreja magnífica. Aqueles que conheciam todas as grandes obras feitas por ele consideravam impossível um cardeal arrecadar a enorme quantia de dinheiro que ele gastava, sobretudo porque havia renunciado a todos os outros benefícios recebidos do Papa, desejando viver apenas com os rendimentos de seu arcebispado.

“São Carlos Borromeu distribuindo esmolas aos pobres”, por José Salomé Pina.

Ainda mais admirável e milagroso era o fato de que, além de sustentar as obras mencionadas acima, ainda lhe sobrava muito para confortar os miseráveis. Seu palácio estava sempre aberto a todos os pobres e estrangeiros, principalmente aos religiosos; e todos recebiam não apenas comida, mas também esmolas, livros devotos, rosários etc. Tinha dois criados cuja única função era distribuir as esmolas. Um deles cuidava dos pobres que iam ao palácio; o outro levava as esmolas às casas dos indigentes.

Após a morte de seu irmão, São Carlos foi declarado por Filipe II de Espanha herdeiro do principado de Oria, cujo rendimento anual beirava os 10 mil ducados. Desse montante, não usou nenhum centavo para si ou seus familiares, mas deu uma parte aos pobres e a outra às igrejas e hospitais. Pelo grande cuidado que teve com o bem-estar temporal dos miseráveis, podemos facilmente concluir quão grande deve ter sido sua solicitude pelas almas dos que estavam sob sua responsabilidade. 

Carlos foi um modelo perfeito de pastor vigilante. Extraordinários foram os seus esforços por afastar do rebanho os hereges que naquela época vagavam como lobos vorazes, bem como por conservar no rebanho de Cristo, a verdadeira Igreja, aqueles que estavam sob seus cuidados. Pregava em várias igrejas, não só aos domingos e dias de festa, mas também durante a semana. Admoestava e instruía o povo em suas próprias casas, visitava os doentes e consolava os moribundos. Esforçava-se por acabar com os maus costumes que prevaleciam no carnaval. Percorria toda a sua diocese acompanhado de vários sacerdotes. Não deixava de visitar nenhuma cidade ou aldeia. Em todos os lugares, reformava as igrejas, pregava, instruía, administrava os santos sacramentos e exortava todos a levar uma vida cristã. 

Ninguém conseguia entender como o santo cardeal, cuja saúde era delicada, podia suportar tanta fadiga nas viagens, sem permitir que o calor ou o frio, a neve ou a chuva o atrapalhassem. O zelo apostólico e o cuidado incansável com seu amado rebanho tornavam-lhe fáceis todos os trabalhos e dificuldades. Foi em 1575, quando a peste assolou Milão durante vários meses, que deu a prova mais esplêndida dessa dedicação. Para que pudesse salvar sua vida da terrível doença, rogaram-lhe que deixasse a cidade, mas ele não se deixou convencer. “Um bom pastor”, disse ele, “dá a vida por suas ovelhas”. 

“São Carlos Borromeu assistindo as vítimas da peste”, por Pierre Mignard I.

Assim, permaneceu na cidade e designou sacerdotes para cada rua, a fim de que nenhuma pessoa morresse sem os santos sacramentos. Ele ia pessoalmente às casas dos doentes, em especial às dos pobres, ouvia suas confissões, administrava-lhes os sacramentos e cuidava de seu conforto físico. Era tão alto o número de pobres vindos de outros lugares para pedir ajuda que, por falta de dinheiro, o santo dividia entre eles as provisões que guardara para uso pessoal. 

Além disso, vendeu sua louça e os móveis de sua casa, e deu o dinheiro aos necessitados. Não poupou nem as tapeçarias das paredes, nem as cortinas das janelas, nem mesmo as suas próprias roupas: tudo foi doado para ajudar os pobres. Sua própria cama foi levada para o hospital, e Carlos passou a fazer seu breve repouso em cima de tábuas duras. Sem dúvida, estas são provas do grande amor que ele tinha pelo próximo.

Além disso, o santo cardeal organizou várias procissões penitenciais para aplacar a ira divina. Ele mesmo tomava parte nelas, descalço, com uma corda ao pescoço e uma pesada cruz sobre os ombros. Ofereceu ao Todo-Poderoso a própria vida, pronto e disposto a morrer por suas ovelhas. Depois que a peste desapareceu, agradeceu ao Altíssimo e ordenou a todos que fizessem o mesmo. Quando, com justiça, elogiavam seu zelo, ele dizia: “Apenas cumpri os deveres de um verdadeiro pastor para com suas ovelhas.” 

Seriam necessárias muitas páginas para descrever a devoção e as virtudes deste santo homem, pois ele possuía em grau eminente o espírito de oração, e dedicava à contemplação muitas horas do dia e da noite. Durante a devoção das quarenta horas [1], mais de uma vez permaneceu na igreja do início da manhã até o anoitecer. Jejuava quase todos os dias e, nos anos finais de sua vida, os jejuns eram à base de pão e água. Durante a Quaresma, chegava inclusive a abster-se de pão, comendo apenas alguns figos. Usava sempre um cilício grosseiro e flagelava-se sem piedade. No inverno, nunca se aquecia junto à lareira e dormia muito pouco, mortificando-se constantemente. 

Mas, acima de tudo, como eram admiráveis sua paciência heroica e sua fortaleza nas vicissitudes, sua doçura cativante, sua humildade profunda e sua perfeição nas outras virtudes! 

“São Carlos Borromeu rezando diante do Santo Cravo”, por Francisco de Zurbarán.

Terminou cedo, no entanto, esta vida tão fecunda em bons e grandes feitos. Embora o cardeal estivesse ainda na melhor fase de sua vida, resignou-se à vontade de Deus quando uma voz interior lhe disse estar próxima a sua morte. Fez uma peregrinação ao Sacro Monte di Varallo [2], onde passou quinze dias fazendo os exercícios espirituais de Santo Inácio, sob a direção de um sacerdote da Companhia de Jesus que tomara por confessor. Com uma confissão geral, purificou sua alma, que jamais havia sido manchada por um único pecado mortal.

Sentindo-se afetado pela doença que, como já era de seu conhecimento, haveria de libertá-lo da terra, voltou para Milão a 2 de novembro. No dia seguinte, recebeu os santos sacramentos com grande devoção e, desejando morrer como penitente, deitou-se sobre um lençol coberto de cinzas. Rezando continuamente, permaneceu nessa posição penitencial até a terceira hora após o pôr do sol, quando, levantando os olhos para a imagem do Salvador, entregou a Deus a sua alma, aos 47 anos de vida.

Seria necessário um volume inteiro para relatar todos os milagres que o Todo-Poderoso operou em honra deste incansável servo, tanto durante sua vida como depois de sua morte. O esplêndido exemplo de suas virtudes é suficiente para merecer a nossa mais elevada estima. Acrescentarei apenas que o santo cardeal, depois de sua morte, apareceu a um de seus amigos, radiante de glória celeste, e disse: “Sou feliz”. 

Considerações práticas

I. “Sou feliz”, disse São Carlos após a sua morte. Como poderia ser diferente com alguém que manteve sua inocência preservada em meio a tantos perigos; que demonstrou um zelo tão constante na oração, no jejum e na esmola; que trabalhou tão fielmente pela honra de Deus e pela salvação das almas; que foi tão severo consigo mesmo e tão bondoso com os pobres, os doentes e os desamparados? 

“São Carlos Borromeu ante o Cristo morto”, por Giovanni Battista Crespi.

A promessa de Deus é que os justos serão felizes. “Dizei ao justo que ele será bem sucedido” (Is 3, 10). Mas, depois de sua morte, ficará tudo bem com você? Pela graça de Deus, isso depende apenas de você. Se seguir o exemplo de São Carlos, evitando o pecado, praticando boas obras, mortificando o corpo, tendo bondade para com os pobres e, tanto quanto estiver ao seu alcance, trabalhando com zelo pela honra de Deus e pela salvação das almas, eu lhe garanto que será feliz após a morte. Mas, se persistir no caminho oposto, se pecar voluntariamente, se for indolente na prática das boas obras, se viver apenas para buscar prazer e conforto, e não for caridoso com os pobres, só posso prever, de acordo com o Evangelho, que você não poderá dizer com São Carlos: “Sou feliz”, mas chorará com o homem rico: “Sou atormentado nesta chama” (Lc 16, 24).  

II. São Carlos usou todos os seus rendimentos para honrar a Deus e confortar os pobres. São provas disso a construção e a reforma de muitas igrejas, a fundação de muitos conventos e hospitais, as generosas esmolas dadas aos pobres. Até hoje, isso diz muito mais a favor do santo cardeal do que se ele tivesse doado seus bens aos parentes e amigos, ou os tivesse empregado na construção de palácios magníficos, na criação de animais inúteis, na compra de roupas luxuosas, em banquetes esplêndidos e diversões vãs, como muitos de sua classe fizeram antes e depois dele, e cujos nomes foram esquecidos. 

Mas este é o menor dos seus méritos. Pense nos louvores e nas honras que o santo cardeal recebeu de Deus; na alegria e na glória que se tornaram suas no Céu. De que lhe serviria, nesse momento, ter dissipado seus bens, como muitos outros fizeram? Não teria conquistado o amor de Deus nem o dos homens; nem teria sido recebido nas glórias do Céu; ao contrário, poderia ter granjeado a vergonha e a condenação eternas. 

E que proveito terão um dia aqueles que não dispõem dos bens temporais como São Carlos? Que consolo, que vantagem isso lhes proporcionará? Certamente, nem vantagem nem consolo, mas uma grande responsabilidade, um severo castigo, porque não usaram o que Deus lhes deu para o fim e o objetivo para o qual o receberam. Você mesmo pode chegar a essa conclusão. Como diz São Leão Magno: 

Não são apenas os bens espirituais que vêm de Deus, mas também os temporais. Portanto, Deus exigirá, com justiça, que prestemos contas deles, pois os recebemos não tanto para possuí-los, como para distribuí-los. Devemos, portanto, esforçar-nos por fazer um uso correto dos dons do Todo-Poderoso, para que a ocasião de boas obras não se torne ocasião de fazer o mal.

Referências

Extraído, traduzido e adaptado passim de: Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 562ss.

Notas

  1. Devoção antiquíssima da Igreja, em que o Santíssimo Sacramento é exposto à adoração dos fiéis por quarenta horas, recordando o tempo em que Jesus permaneceu no sepulcro, entre sua Morte e Ressurreição. (N.T.)
  2. O Sacro Monte di Varallo, “Sagrado Monte de Varallo”, integra um grupo de nove complexos religiosos construídos na Itália, normalmente no alto de algumas montanhas, com uma série de capelas ou tendas apresentando episódios da vida de Nosso Senhor, da Virgem Santíssima e dos santos, tanto em pinturas quanto em esculturas. A ideia é emular as célebres peregrinações à Terra Santa, assim como a devoção à Via-Sacra procura imitar a peregrinação.

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