A doutrina que afirma que S. José, mais do que qualquer outro santo, foi e sempre será o mais próximo de Nosso Senhor parece ser, cada vez mais, doutrina comum na Igreja. De fato, não duvida a nossa santa Madre Igreja em afirmar que o humilde carpinteiro superou em graça e bem-aventurança os Patriarcas; e, com base em diversos testemunhos, consta com certeza que ele ultrapassou em santidade o maior dos profetas, Moisés, assim como S. João Batista, os Apóstolos, os santos Pedro e João juntos e, por fim, S. Paulo. Elevou-se em santidade, portanto, acima dos grandes mártires e Doutores da Igreja.
A doutrina assim formulada vem de Gerson [1] e S. Bernardino de Sena [2]; mas, a partir do séc. XVI, se tornou cada vez mais comum: admitiram-na, com efeito, S. Teresa, S. Francisco de Sales, Suárez [3], S. Afonso de Ligório e muitos outros [4]. Ultimamente, escreveu S. S. Leão XIII na Encíclica “Quamquam pluries”:
Com certeza, a dignidade de Mãe de Deus é tão sublime que não se pode encontrar nada de mais excelso. Mas é também verdade que, como S. José está ligado a Maria pelo vínculo conjugal, ninguém, mais do que ele, se aproximou daquela dignidade excelsa que situa a Mãe de Deus acima de todas as criaturas. Com efeito, o matrimônio, entre todas as sociedades e uniões, forma a mais íntima, da qual deriva naturalmente uma participação recíproca de bens entre os cônjuges. Por isso, se Deus escolheu José como esposo da Virgem, com isso não somente o tornou seu companheiro de vida, testemunha de sua virgindade, defensor de sua honestidade; mas, por força da própria sociedade conjugal, o tornou também participante de sua dignidade sublime [5].
Ora, do fato de esta dignidade da Mãe de Deus situá-la acima de todas as criaturas, como se disse nesta declaração, se segue porventura que S. José, guardadas as proporções, ultrapassa em santidade também a todos os anjos? Não se pode afirmá-lo com certeza. Será suficiente exprimir esta doutrina, cada vez mais aceita na Igreja, nos seguintes termos: “Entre todos os bem-aventurados, abaixo de Jesus e sua Mãe, S. José ocupa nos céus o mais alto trono e está assentado entre anjos e arcanjos”. A missão dele sobre a Sagrada Família o fez patrono da Igreja universal, além de seu protetor e defensor. Também, em certo sentido, lhe foi confiada em todas as gerações uma multidão de cristãos, como se vê na famosa ladainha que canta suas excelências.
Queremos aqui expor o princípio em que se funda esta doutrina, admitida há muito mais de cinco séculos, sobre o primado de S. José no coro de todos os santos.
I. Uma missão supereminente a algo divino dada imediatamente por Deus reclama uma santidade proporcionada. — O princípio geral com que a sagrada Teologia mostra, explicitando a divina Revelação, que foi sumamente conveniente, já neste mundo, a) a plenitude da graça criada na alma do Salvador, b) ou a santidade de Maria, c) ou também a fé dos Apóstolos, se funda na missão divina e principal que lhes foi confiada: esta missão, com efeito, reclamava uma santidade proporcionada. Algo semelhante se pode dizer de S. José.
As obras de Deus são perfeitas, sobretudo as que dele procedem imediata e exclusivamente; nelas, nada desordenado nem fora de proporção se pode encontrar. Assim podemos falar do dia divino da criação, ou seja, das coisas originalmente instituídas por Deus [6]; assim também dos maiores servos de Deus, por Ele imediatamente suscitados para restaurar, antes de tudo, a obra divina perturbada pelo pecado. “Deus criou o homem à sua imagem” (Gn 1, 27), “manifestou o […] desígnio de reunir em Cristo todas as coisas” (Ef 1, 9s).
A verdade e a importância desse princípio, constante na Revelação e, ao mesmo tempo, evidente por si mesmo, se compreendem melhor se considerarmos por contraste o que sói acontecer no governo das coisas humanas. Não raro, homens inaptos e imprudentes obtêm funções altíssimas, para incômodo deles e em prejuízo daqueles a quem deveriam governar. Isso nos faria às vezes arder de raiva, se não pensássemos que Deus compensa tais defeitos com os atos frequentemente heroicos de alguma santidade oculta; o que, porém, temos de recordar mais do que tudo é que cada um de nós deve dizer um mea culpa por tantos negligentes no desempenho de seu ofício: tão frequentes são estas faltas, que já nem lhes damos importância. A desordem, no entanto, continua sendo desordem, e a incompetência, incompetência. Nada parecido se dá com os que, escolhidos imediatamente por Deus e por Ele diretamente preparados, foram chamados a um ministério supereminente na obra da Redenção. O Senhor lhes dá a santidade precisa, porque tudo faz com medida; assim, nada desordenado nem fora de proporção se pode encontrar nas obras propriamente divinas, das quais só Ele é autor.
a) Assim recebeu, especialmente, a santa alma de Jesus Cristo, no primeiro instante de sua criação, a plenitude absoluta de graça, por estar mais intimamente unida ao Verbo de Deus, que é a fonte de toda a vida sobrenatural. Não só isso: esta alma santa devia difundir a vida divina pela luz do Evangelho e pelos méritos infinitos do sacrifício na cruz: “Todos nós recebemos da sua plenitude graça sobre graça […]. Ninguém jamais viu Deus. O Filho único, que está no seio do Pai, foi quem o revelou” (Jo 1, 16.18).
Ora, viu o Doutor Angélico neste texto do Evangelho, e também em alguns outros semelhantes, não somente a plenitude de graça, mas também a glória ou visão beatífica que, ainda na terra, gozava o nosso Salvador, a fim de nos conduzir, como Mestre dos mestres e Senhor dos senhores, à vida eterna [7].
b) Por força do mesmo princípio, para ser digna Mãe de Deus, Maria teve de ser “cheia de graça” (cf. Lc 1, 28), preservada da mancha do pecado original, associada a todas as dores, mas também às glórias de Jesus. Por sua missão singular como Mãe de Deus, teve de acercar-se mais intimamente ao Verbo encarnado, e isto nos dois mistérios da Encarnação e Redenção. “Como fosse a mais próxima da Fonte de toda graça, foi sumamente conveniente que ela, mais do que qualquer outra criatura, mais até do que os santos e todos os anjos, recebesse graça sobre graça” [8].
c) Igualmente, ensina-nos a sagrada Teologia que os Apóstolos conheciam mais perfeitamente os mistérios da fé porque se encontravam mais perto do Senhor [9]. S. Tomás julga temerária a negação dessa doutrina; mas ele compara os Apóstolos com os santos de tempos posteriores, não com S. José nem com S. João Batista [10].
Ora, não será a missão de S. José superior à dos Apóstolos, e também à do santo Precursor? A vocação dele, assim como a de Maria, Mãe de Deus, foi decerto singular. Em previsão dessa missão singular, não teria S. José se acercado mais à Fonte da graça, para que estivesse mais intimamente unido ao Senhor?
II. A missão supereminente de S. José. — A S. João Batista incumbia o ofício de anunciar a vinda iminente do Messias. Por essa razão, pode-se dizer que ele foi, no Antigo Testamento, o maior Precursor de Jesus. Assim entende S. Tomás as palavras do Senhor no Evangelho segundo S. Mateus: “Em verdade vos digo: entre os filhos das mulheres, não surgiu outro maior que João Batista” (Mt 11, 11) [11]. Mas acrescenta o Salvador logo em seguida: “No entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele”. Ora, o Reino dos Céus é a Igreja, ao mesmo tempo na terra e no céu; é o Novo Testamento, mais perfeito do que o Antigo enquanto estado [permanente], ainda que alguns justos do Antigo Testamento tenham sido mais santos do que muitos da Nova Aliança [12]. Quem na Igreja é o menor? Há nestas palavras um grande mistério, razão por que foram explicadas de maneiras diversas. Evocam aquelas palavras ditas por Jesus noutra ocasião: “Quem dentre vós for o menor, esse será grande” (Lc 9, 48). O menor é o mais humilde, o servo de todos [13]. Devido à conexão e proporção entre as virtudes, significa também aquele que tem a máxima caridade [14]. Quem, portanto, foi na Igreja o mais humilde? Aquele, ao que parece, que não foi nem Apóstolo, nem evangelista, nem mártir (ao menos exteriormente), nem Pontífice, nem sacerdote, nem Doutor; mas que não conheceu e amou menos a Jesus do que os Apóstolos, os evangelistas, os mártires, os Pontífices e os Doutores: o humilde carpinteiro nazareno, José.
Os Apóstolos foram chamados para revelar aos homens o Salvador e pregar o Evangelho da salvação. A missão deles, assim como a de João Batista, se refere à ordem da graça, que é necessária a todos para a salvação. Há porém outra ordem, superior à da graça, a saber: a ordem constituída pelo mistério mesmo da Encarnação, que é a ordem da união hipostática, ou seja, da união pessoal da humanidade de Jesus com o próprio Verbo de Deus. A esta ordem superior pertence, terminativamente, a missão especial de Maria, isto é, a divina maternidade, e em certo sentido (ou seja, extrínseca, moral e mediatamente) a missão oculta do bem-aventurado José.
Bossuet, no primeiro precônio deste grandíssimo santo, o expôs belamente com as seguintes palavras (3.º ponto): “Dentre todas as vocações, destaco duas, nas Escrituras, que parecem diretamente opostas: a primeira é a dos Apóstolos; a segunda, a de José. Jesus se revelou aos Apóstolos, para que o anunciassem por todo o mundo; revelou-se a José, para que o protegesse e ocultasse. Os Apóstolos são luzeiros para mostrar Jesus Cristo ao mundo. José é um véu para o encobrir; e sob esse véu misterioso se escondem a virgindade de Maria e a grandeza do Salvador das almas […]. Quem glorifica os Apóstolos com a honra da pregação, glorifica José com a humildade do silêncio”. Porque, de fato, ainda não tinha chegado o tempo de manifestar-se o mistério do Natal, mas devia preparar-se por trinta anos de vida oculta. Esta razão foi exposta, de diversas formas, por S. Bernardo [15], S. Bernardino de Sena [16], Isidoro Isolano [17], Suárez [18] e por vários autores modernos [19].
A perfeição consiste em fazer a vontade de Deus, cada um segundo a própria vocação. Ora, a vocação de José, no silêncio e no escondimento, supera a dos grandes Apóstolos, porque toca de mais perto o mistério da Encarnação redentora. Logo, não estará S. José, depois de Maria, o mais perto possível do próprio Autor da graça? Se tal é assim, José recebeu no silêncio de Belém, no exílio do Egito, até mesmo em sua casinha em Nazaré, graças mais copiosas do que as que já receberam os outros santos.
a) Qual foi a missão especial de S. José com respeito à bem-aventurada Maria? Foi, acima de tudo, a custódia da virgindade e da honra da Virgem Mãe, por ter contraído com a futura Mãe de Deus um matrimônio verdadeiro e absolutamente santo. Como se lê no Evangelho segundo S. Mateus: “Eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: ‘José, filho de Davi, não temas receber Maria por esposa, pois o que nela foi concebido vem do Espírito Santo’” (Mt 1, 20). Portanto, Maria é verdadeiramente esposa de José. Trata-se de matrimônio verdadeiro [20], que era, de fato, celeste e teria uma divina fecundidade [21]. A plenitude inicial de graça concedida à Virgem Mãe, em previsão da maternidade divina, de certo modo “exigia” o mistério da Encarnação [22]. Como diz Bossuet: “Foi a virgindade de Maria que trouxe Jesus do céu. Se é a sua pureza que a torna fecunda, não recearei mais afirmar que José teve sua parte nesse grande milagre. Porque essa pureza angélica, se é o bem da divina Maria, é também o depósito do justo José” [23].
Esta era a imaculada e reverendíssima união com a mais perfeita das criaturas, na simplicíssima casa de um pobre artesão. Assim, José foi mais íntimo do que qualquer outro santo daquela que é Mãe de Deus e também Mãe espiritual de todos os homens, inclusive do próprio José, daquela que é Corredentora, Medianeira universal e, enfim, distribuidora de todas as graças. Por isso, José amou Maria com amor puríssimo e devotíssimo. Era este amor também um amor teologal, porque em Deus e por Deus amava ele a bem-aventurada Virgem, em razão de toda a glória que lhe foi dada por Deus. A beleza do universo inteiro pouco valia em comparação com a união daquelas duas almas excelsas, união essa criada pelo próprio Senhor em ordem à nossa redenção, para exultação dos anjos e alegria do mesmo Senhor.
b) Qual foi, por último, a missão especial de José com respeito ao Senhor? Foi-lhe confiado, verdadeira e realmente, o Verbo de Deus feito carne: a José, digo, mais do que a qualquer outro justo, entre os homens de todas as gerações. Teve, com efeito, o velho Simeão, por uns poucos momentos, o Menino Jesus entre os braços e viu nele a salvação do povo, “luz para iluminar as nações” (Lc 2, 32). José, porém, a todas as horas, de dia e de noite, tomou conta da infância do Senhor. Teve frequentemente em suas mãos aquele a quem reconhecia como seu Criador e Salvador; dele recebeu graça sobre graça nos momentos em que com Ele mais intimamente convivia; viu-o crescer e deu-lhe educação humana: e Jesus lhe era submisso. É comum, por isso, chamá-lo “pai nutrício” do nosso Salvador; mas, em certo sentido, foi até mais do que isso: com efeito, como observa S. Tomás [24], somente per accidens um homem se torna, após o matrimônio, pai “nutrício” ou “adotivo”; José, pelo contrário, não recebeu per accidens, de forma alguma, a missão de velar por Jesus, já que foi para isso, especificamente, que ele foi criado e veio ao mundo. Esta era a sua predestinação. Em previsão dessa missão totalmente divina, Deus lhe providenciou todas as graças por ele recebidas desde menino, a saber: a piedade, a virgindade, a prudência, uma perfeita fidelidade. Não só isso: recebeu também um coração de pai com respeito a Jesus, pois o motivo de sua união com a bem-aventurada Virgem era, nos eternos desígnios de Deus, proteger e educar o Salvador [25]. Esta é a principal missão de José, em virtude da qual recebeu uma santidade proporcionada, quer dizer, proporcionada ao seu grau [de participação] no mistério da Encarnação, superior à ordem da graça e de mais largos horizontes [26].
O Rev. D. Sinibaldi, em obra há pouco publicada (cf. La grandezza di San Giuseppe, pp. 23–36), o afirma abertamente. Ele mostra, pois, que S. José foi predestinado desde a eternidade para ser o esposo da bem-aventurada Virgem, e explica, com S. Tomás, a tríplice conveniência desta predestinação.
Pergunta-se o Doutor Angélico (cf. STh III 29, 1) se Cristo devia nascer de uma Virgem realmente desposada, e se houve verdadeiro matrimônio entre a Mãe do Senhor e José. Responde que isso foi conveniente, por causa de Cristo, de sua Mãe e também por nossa causa.
a) Por causa de Cristo, com efeito, para que, antes de manifestar-se o mistério do seu nascimento, não fosse rejeitado como filho ilegítimo, e também para a proteção do Menino recém-nascido. b) Não foi menos conveniente em relação a Maria, para que não fosse lapidada como adúltera pelos judeus, como notou Jerônimo; segundo, para que, desta forma, se livrasse da perseguição e dos perigos que, com o nascimento do Menino, teriam início. c) Também por nossa causa isso foi conveniente. Primeiro, porque com o testemunho de José se confirmou que o Cristo nasceu de uma Virgem; segundo a ordem das coisas humanas, admiravelmente, se tornam ainda mais críveis as palavras da Virgem. Por fim, foi maximamente conveniente porque, assim, encontramos em Maria o modelo perfeito tanto de virgem quanto de mulher e mãe cristã.
Assim se podem entender alguns autores que afirmam que o decreto da Encarnação promulgado desde a eternidade, por força do qual se dispôs como a Encarnação havia de acontecer, hic et nunc, em condições concretas, abarcava não somente a Jesus e sua Mãe, mas também a S. José. Fora, com efeito, estabelecido desde a eternidade que o Verbo de Deus feito carne nasceria admiravelmente de Maria sempre Virgem, unida ao justo José pelo vínculo de um verdadeiro matrimônio. Assim se exprime, no Evangelho segundo S. Lucas, a execução deste decreto: “O anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem que se chamava José, da casa de Davi e o nome da virgem era Maria” (Lc 1, 26–27).
Eis por que S. Bernardo chama a José nosso “fidelíssimo coadjutor do grande Conselho”.
Por isso afirma o Rev. D. Sinibaldi, na esteira de Suárez e outros autores, que o ministério de José pertence à ordem da união hipostática extrínseca, moral e mediatamente [27]. Não porque José, como instrumento físico do Espírito Santo, tenha cooperado para [produzir-se] o mistério da Encarnação. Neste aspecto, com efeito, o papel dele se encontra muito abaixo da participação de Maria, que foi Mãe de Deus; ele foi, não obstante, predestinado a ser, na ordem das causas morais, custódio da virgindade e da honra da bem-aventurada Maria, além de guardião do Menino Jesus. Aqui, portanto, se há de evitar toda exageração que possa gerar falsas expressões de tão grande mistério [28]. De fato, o culto que se deve tributar a S. José não excede, especificamente, aquele a que chamamos “de dulia”; no entanto, podemos com justiça pensar que este culto de dulia corresponde a S. José num grau superior ao de qualquer outro santo [29]. Por esse motivo, invoca-o a Santa Igreja, em suas coletas, imediatamente depois de Maria, mas antes dos Apóstolos, como vemos na oração “A cunctis”. Do mesmo modo, hoje ele é honrado com uma menção especial no Prefácio [N.T.: e também no Cânon Romano, por desejo de S. João XXIII, e nas demais Orações Eucarísticas, por decreto recente do Papa Francisco], e foi-lhe dedicado o mês de março.
III. As virtudes e dons sobrenaturais de S. José. — As virtudes de S. José são, antes de tudo, as virtudes da vida oculta, em grau correspondente ao de sua graça habitual [30]: humildade profunda; fé grande, que nunca é perturbada; esperança inabalável; mais do que tudo, uma caridade imensa, que crescia sem interrupção, pelo contato diário do Senhor Jesus; além disso, a fina bondade de um pobre que, embora sem bens, era rico dos mais preciosos dons de Deus, a saber: os sete dons do Espírito Santo, no mesmo grau de sua caridade. Assim canta a ladainha: “José justíssimo, castíssimo, prudentíssimo, fortíssimo, obedientíssimo, justíssimo, fidelíssimo, espelho de paciência, amante da pobreza, modelo dos operários, honra da vida de família”.
A sua viva fé foi, por vezes, dolorosa, devido à obscuridade com que entrevia algum [mistério] altíssimo, sobretudo quando ainda ignorava o segredo da concepção virginal, que a humildade de Maria lhe ocultava [31]. Então, a palavra de Deus, transmitida pelo anjo ao anunciar o admirável nascimento do Salvador, o atravessou de luz. José, decerto, poderia ter duvidado de coisa tão inaudita; acreditou, porém, com simplicidade de coração, e aquela insígne graça não só não o encheu de soberba como o confirmou ainda mais na humildade. “Por que”, diria ele, “a mim, José, antes que a qualquer outro, o Altíssimo confiou como depósito o seu infinito tesouro?” Tal dom não lhe era devido por seus méritos, como ele bem reconhecia. Assim interpretou aquela gratuita predileção de Deus para com ele, pois o beneplácito de Deus, que é sumamente livre, é também razão de si mesmo; então se desanuviam as profecias, e a fé do carpinteiro cresce admiravelmente.
Pouco depois, no entanto, tornou a escuridão: por entre os raios e sombras do mistério deve caminhar José. Já era pobre antes que se lhe manifestasse a predileção divina, isto é, o segredo de Deus; fez-se mais pobre, como nota Bossuet, ao nascer Jesus. Não havia lugar para ele na menor hospedaria em Belém: era preciso recolher-se num estábulo. Em seu delicado coração, certamente José se sentiu pungido por não ter nada que pudesse dar a Maria e a seu Filho. Quando Jesus entra em uma alma, como dizem os santos, entra com a cruz e dela afasta qualquer outra coisa, a fim de uni-la a si. Foram Maria e José os primeiros a entendê-lo, e a profecia de Simeão lhes confirmou a tribulação.
Tem início a perseguição. Herodes quer matar o Messias. Avisado pelo anjo, o chefe da Sagrada Família deve fugir com Maria e o Menino para o Egito. Como fosse um pobre artesão e nada mais tivesse além do trabalho de suas mãos, partiu para uma região longínqua, onde ninguém o conhecia, fortalecido porém pela palavra de Deus que lhe trouxera o anjo. Esta foi a sua missão: deve esconder o Senhor e livrá-lo dos perseguidores; quando não houver mais o que temer, deverá retornar para Nazaré. Assim é José, ministro e protetor da vida oculta de Jesus, como também os Apóstolos são os ministros de sua vida pública; daí que, no segredo, ninguém esteve, depois da bem-aventurada Virgem, mais intimamente unido ao Verbo de Deus encarnado [32].
Nesta vida oculta de muitos trabalhos, a noite escura da fé é iluminada, com luz radiante e suave, pelo crescimento da santa humanidade do Verbo encarnado. De volta a Nazaré, nos anos em que lá viveu a Sagrada Família, imperava o silêncio da contemplação na pequenina casa do carpinteiro, que era um verdadeiro santuário, de fato mais santo do que o Templo de Jerusalém: um silêncio cheio de doçura, uma amorosíssima contemplação do mistério da Encarnação, já consumado, mas ainda por todos ignorado. As palavras ali proferidas revelavam o estado das almas; mas, mesmo sem palavras, nesta casa repleta de inocência e amor transluziam as almas, que se entendiam umas às outras perfeitamente.
Depois da contemplação da bem-aventurada Maria, houve por acaso neste mundo contemplação mais discreta e amorosa do que aquela em que se regalava o humilde artesão enquanto contemplava Jesus? Em virtude dessa graça, experimentava ele afetos de pai e devotíssimo e exímio protetor: era amado por Jesus, menino e adolescente, com piedade e benevolência e, ao mesmo tempo, com certa força singular que não pode encontrar-se senão no próprio Coração de Deus. Os olhares de José para Jesus traziam-lhe à memória o mistério de Belém, o exílio egípcio e o alto mistério da salvação de todo o mundo. A ação incessante do Verbo encarnado em José era a própria ação criadora continuada, que conserva a vida natural, e também o amor de Deus que infunde, conserva e acrescenta a luz natural e a caridade na mente, fonte ubérrima de sempre novas graças.
Em nenhum outro lugar se acha maior grandeza nem mais perfeita simplicidade. Como no profeta José do Antigo Testamento, isto é, no José vendido por seus irmãos, que era figura de Cristo, assim era esta altíssima contemplação, em formas as mais simples, contemplação divina, imersa num puro amor de caridade. Trazia José no coração o maior dos segredos, ou seja, o da Encarnação redentora, mas ainda não havia chegado a hora de revelar este mistério. Com efeito, os judeus não acreditariam nem o entenderiam. Muitos deles esperavam um Messias temporal, coroado de glória, mas não um Messias pobre, que padecesse por nós. Este mistério, velava-o a presença de S. José, enquanto Jesus era chamado “o filho do carpinteiro”. O pobre artesão mantinha em casa o Verbo encarnado. Guardava o Desejado das gentes, que fora prenunciado pelos profetas, e não dizia palavra sobre este grande milagre. Esta amorosíssima contemplação de José era a mais doce; exigia-lhe, porém, a maior abnegação, ao ponto da mais acerba imolação, quando se lembrava das palavras de Simeão: “Será um sinal que provocará contradições” (Lc 2, 34), e do que foi dito a Maria: “Uma espada transpassará a tua alma” (Lc 2, 35). A aceitação do mistério da Redenção dolorosa se lhe afigurava como a acerba consumação da Encarnação; e, de fato, lhe foi necessário um amor generoso para oferecer a Deus, em sumo holocausto, o Menino Jesus com sua Mãe, aos quais amava mais do que à própria vida. José não ofereceu o sacrifício eucarístico; mas, em seu coração, ofereceu ao Pai o Menino Jesus pela nossa salvação.
Não podemos imaginar que progressos admiráveis de fé, contemplação e amor realizava a alma de José. Tanto se ocultou o carpinteiro na terra quanto foi glorificado no céu. Aquele a quem o Verbo de Deus aqui se fez obediente alegra-se agora na vida celeste, por sua admirável intercessão junto ao SS. Coração de Jesus. Os serviços que prestava à casa de Nazaré, presta-os ainda hoje às famílias cristãs, às comunidades religiosas e às virgens consagradas a Deus. Como observa S. Teresa, é para todos mestre na vida de oração; também, como canta a ladainha, alívio dos miseráveis, esperança dos doentes, padroeiro dos moribundos, terror dos demônios, protetor da Santa Igreja, a grande família de Nosso Senhor. Imploremos-lhe que nos mostre o valor da vida escondida, o esplendor dos mistérios de Cristo e a bondade infinita de Deus, que ele mesmo viu na Encarnação libertadora.
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