Se há uma coisa em que os protestantes são praticamente unânimes é a certeza de que os católicos somos idólatras. Mas não simplesmente por causa do culto aos santos e à Virgem Maria, como poderíamos pensar num primeiro momento. A principal “idolatria” de que somos culpados, e que eles não toleram, é o culto de adoração ao sacramento da Eucaristia.
Desta acusação porém não temos com o que nos defender, senão com o que disse o próprio Jesus a respeito de seu Corpo e de seu Sangue, que Ele nos daria como alimento: “Minha carne é verdadeira comida e meu sangue é verdadeira bebida” (Jo 6, 55). No discurso sobre o pão da vida, Nosso Senhor não fez uma parábola. Quando disse que todos deveriam consumir a sua carne, usou o verbo “comer” — que São Jerônimo verteu para o latim manducare, “mastigar”. Os discípulos mesmo compreenderam o “escândalo” daquelas palavras. Justamente por isso, dali em diante, muitos deixaram de o seguir (cf. Jo 6, 66).
Na Última Ceia, com os Apóstolos, fiel ao que havia dito, não deixou mais uma vez a mínima margem a dúvidas: “Isto é o meu corpo” e “Este é o cálice do meu sangue” — e não: Isto simboliza o meu corpo, ou: Este líquido representa o meu sangue.
Também São Paulo, ao narrar o modo como os cristãos já celebravam os santos mistérios, disse transmitir simplesmente o que ele mesmo recebera (cf. 1Cor 11, 23). Ajuntou ainda que quem comesse e bebesse daquele pão e daquele cálice sem distinguir o Corpo e o Sangue do Senhor, estaria a comer e beber a própria condenação. Ora, se os elementos da Eucaristia fossem meros “símbolos”, por que uma pena tão grave — o inferno! — a quem deles abusasse?
São Justino, mártir do século II, foi ainda mais enfático ao descrever a Santa Missa. Sobre o momento da comunhão eucarística, ele dizia:
Em seguida, ao que preside aos irmãos é trazido pão e um copo de água e de vinho; tendo-os recebido, ele louva e glorifica ao Pai pelo nome do Filho e do Espírito Santo, e dá graças abundantes por estes dons dele recebidos. Depois que ele terminou as preces e a ação de graças, o povo todo aclama: Amém, que na língua hebraica é o mesmo que Assim seja. Pois bem, depois que aquele que preside terminou as preces e a ação de graças, e povo todo aclamou, os que entre nós são chamados diáconos distribuem a cada um dos presentes e levam aos ausentes o pão, o vinho e a água sobre os quais se deram graças… E não os tomamos como pão comum nem como bebida comum, senão que, assim como o Verbo de Deus feito carne, Jesus Cristo, nosso salvador, teve carne e sangue para a nossa salvação, assim também nos ensinaram que aquela alimentos — sobre os quais, pela prece que contêm as palavras dele, se deram graças e pela qual nosso sangue e nossas carnes, pela mutação, são nutridos —, são a carne e o sangue do mesmo Jesus encarnado (Apologias I 65-66: PG 6, 427-430; J 128s).
Só com as referências acima fica muito nítida a continuidade na doutrina eucarística da Igreja, e ela se verifica ainda nos primeiros anos da história cristã, mostrando que se trata de uma doutrina apostólica, antiquíssima, original. A acusação protestante de que idolatramos um “pedaço de pão” e um “cálice de vinho” não tem, pois, fundamento algum. Não é que prestemos culto de adoração a elementos inanimados; nós adoramos a Deus presente neles, pois Ele mesmo disse que ali estaria quando seus Apóstolos, repetindo o que Ele fez, dissessem suas palavras.
As coisas estão invertidas, portanto: não somos nós os idólatras; são os protestantes que estão em dívida com Deus, por não obedecer à doutrina eucarística por Ele estabelecida dois mil anos atrás.
Para eles, a Eucaristia é apenas uma “representação”, um “teatro” piedoso. Mas qual seria então a “grande coisa” a respeito deste sacramento? O que de mais haveria nele?
A escritora norte-americana Flannery O’Connor, católica, compreendera bem essa interrogação e fez questão de expô-la, certa vez, em um jantar com protestantes:
Certa vez, cinco ou seis anos atrás, alguns amigos me levaram para jantar com Mary McCarthy e seu esposo, o senhor Broadwater. (Ela escreveu aquele livro, A Charmed Life.) Deixou a Igreja aos 15 anos e é uma grande intelectual… Eu não havia ainda aberto minha boca, não me havendo em tal companhia nada que dizer. As pessoas que me levaram foram Robert Lowell e sua agora esposa Elizabeth Hardwick. Ter a mim ali presente era como ter um cachorro que, tendo sido treinado para dizer umas poucas palavras, acabou vencido pelo desconforto e as esqueceu. Bem, quase de manhã a conversa se voltou para a Eucaristia — que eu, como católica, obviamente deveria defender. A senhora Broadwater disse que, quando era criança e recebeu a Hóstia, pensara nela como sendo o Espírito Santo, por ser a pessoa “mais portátil” da Trindade; agora, ela pensava nela como um símbolo — e um muito bom, ela sugeria. Eu disse então, com uma voz bem trêmula: “Bem, se é um símbolo, que se dane” [Well, if it’s a symbol, to the hell with it]. Essa foi toda a defesa de que fui capaz, mas percebo agora que isso sempre será tudo que terei a dizer a esse respeito, fora de uma história, além de que esse é o centro da existência para mim; todo o resto da vida é prescindível.
As palavras desta mulher podem parecer fortes e até exageradas e desnecessárias, mas elas vão ao núcleo da nossa fé. O pão com que o povo de Israel fôra alimentado no deserto, por exemplo, caía literalmente do céu; não sem razão foi chamado pelo Autor Sagrado “pão dos anjos” (cf. Sl 77, 25). Ora, se a Eucaristia não passasse de um “símbolo” — como queria a interlocutora de Flannery O’Connor e como querem ainda hoje as denominações protestantes —, como não dizer que o antigo alimento mosaico era muito superior a ele? Não tinha dito o próprio Cristo, porém, ser Ele o verdadeiro “pão da vida”, do qual o maná não era senão uma figura? Os protestantes, com sua falta de fé eucarística, não terminam rebaixando, na prática, o Novo Testamento, a Nova Aliança?
São esses os verdadeiros questionamentos que precisam ser feitos. Nós católicos somos, de fato, ousados em nossa devoção eucarística e não tememos ser chamados de idólatras por isso. Mas ao nosso lado está o testemunho inequívoco das Escrituras e da Tradição ao longo dos séculos. Os protestantes, ao contrário, o que têm?
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