Na sequência das encíclicas de Bento XVI sobre as virtudes teologais, a carta Lumen Fidei trouxe a novidade da eleição do Papa Francisco, cujas impressões pastorais complementaram mais esta obra-prima do Papa Ratzinger.

Em sua rica produção teológica e nos documentos de seu Magistério ordinário, Bento XVI fez linha de frente contra o que chamou, na homilia durante a Missa pro eligendo Romano Pontifice, em 2005, de a "ditadura do relativismo". Tratava-se de uma expressão nova para um problema antigo: a questão da verdade que vinha sendo relegada ao campo privado, aos sentimentos e emoções do indivíduo. O homem não seria mais responsável por buscar a Verdade, mas por criar a sua própria verdade.

Não é nem preciso dizer o quanto isto é prejudicial para a saúde da fé cristã, de cuja essência brota a missão irrenunciável de evangelizar e, portanto, de conhecer e anunciar a Verdade. Como exemplo, basta mostrar o testemunho de um Santo Agostinho. Se Agostinho fosse como o homem de nosso século e acreditasse na farsa do relativismo, jamais se converteria ao Cristianismo. Afinal, se o "certo" e o "errado" são meras construções pessoais, qual a diferença entre continuar no maniqueísmo e ser batizado na Igreja? O Agostinho que suspirava pela Verdade em suas Confissões – "Ó verdade, verdade! Quão intimamente suspiravam por ti as fibras da minha alma" (III, 6, 10), escrevia – só era capaz de fazê-lo porque sabia que a Verdade não é algo que se inventa, mas algo que se recebe.

"Sem verdade, a fé não salva, não torna seguro os nossos passos": eis o ensinamento do Papa Francisco em sua primeira encíclica. A fé sem verdade "seria uma linda fábula" ou "um sentimento bom que consola e afaga", mas não uma realidade capaz de envolver a vida do homem e transformá-lo por completo. Ao contrário, sabemos que não se pode dissociar a fé da verdade, bem como – lembrando o ensinamento de Bento XVI na Caritas in Veritate (n. 3) – "só na verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida".

Por que insistir nestas lições? Porque vivemos – diz o Papa Francisco – uma "crise de verdade". O perigo que aqui reside, além do desprezo da verdade, é de quando o homem alça a esta categoria aquilo que é mau e perverso. Então, como diz o profeta Isaías, "ao mal chamam bem, e ao bem, mal, (...) mudam as trevas em luz e a luz em trevas, (...) tornam doce o que é amargo, e amargo o que é doce" (5, 20). O assassínio voluntário de fetos é transformado em direito, a perversão de nossas crianças com manuais recheados de linguagem e imagens promíscuas é chamada de "educação", a destruição da família é institucionalizada... E ai de quem discordar desta maldita inversão de valores! – é "quadrado" e quer "impor" às outras pessoas a "sua" verdade.

Mas trata-se de – mais uma – acusação injusta. Afinal, na lógica do Evangelho, não são as pessoas que impõem a verdade, mas é ela mesmo que, "tal como o amor, (...) de certa forma impõe-se ao ser humano"1. Mais do que o homem se decidir por Cristo, é Cristo quem se decide pelo homem – e ama-o a ponto de entregar-lhe a Sua vida.

Diante de Cristo, que disse ser "o caminho, a verdade e a vida" (Jo 14, 6), várias atitudes são possíveis, menos a indiferença. Diante do Amor que se fez carne, da Verdade que impele, é possível dizer "sim" e deixar-se tomar por Sua beleza, bem como é possível dizer "não", vivendo a esquizofrenia de uma vida desobediente e arredia de Deus. Vencida a ignorância, porém, não é possível esconder-se, nem furtar-se à presença ofuscante da lumen fidei – a luz da fé.

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