[Este texto não é de autoria do Pe. Paulo Ricardo; foi escrito em 2002 pelo Pe. Peter Joseph e publicado na revista tradicional Latin Mass Magazine, em inglês. A tradução portuguesa abaixo foi feita por nossa equipe.]

Muita gente honesta tem repugnância pelas modas contemporâneas, como tatuagem, uso de muitos brincos e outros tipos de body piercing, mas se sentem despreparadas para formar um juízo claro sobre a moralidade dessas práticas ou para responder à acusação de estarem impondo como código moral suas preferências pessoais. Neste artigo, estabelecerei alguns critérios relevantes para formar um juízo moral a esse respeito.

No Antigo Testamento, o povo eleito recebeu uma ordem específica: “Não fareis incisões na vossa carne por um morto, nem fareis figura alguma no vosso corpo. Eu sou o Senhor” (Lv 19, 28). Inspirado por Deus, S. Paulo nos adverte: “Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habi­ta em vós, o qual recebes­tes de Deus e que, por isso mesmo, já não vos pertenceis?” (1Cor 6, 19). Por ser templo do Espírito Santo, devemos cuidar de nosso corpo, protegê-lo e tratá-lo com o devido decoro. Em algumas culturas, uma marca ou desenho especial — na testa, por exemplo — simboliza determinada conquista, o estado conjugal ou qualquer outra coisa, e é algo socialmente aceitável. Os cristãos etíopes, para dar um exemplo, tatuam cruzes na testa. Já foi costume em Samoa tatuar o filho mais velho da família dominante local. Nas sociedades ocidentais, brincos e maquiagens são aceitos como parte da moda e da apresentação pública da mulher. Mas certos tipos de body piercing e decorações são considerados extremos e desnecessários em nossa sociedade, e alguns deles têm por motivo sentimentos anticristãos.

Seria impossível formar um juízo sobre todas as ornamentações corporais de uma perspectiva “preto ou branco”. Mas podemos apontar alguns aspectos negativos que deveriam ser motivo de preocupação para um cristão. Salvo indicações em contrário, este artigo se refere apenas às sociedades ocidentais. Abordarei primeiro as preocupações mais graves; em seguida, as menos graves.

1. Imagens diabólicas. — Tatuagens de demônios são relativamente comuns. Porém, nenhum cristão deveria ter a imagem de um demônio ou de um símbolo satânico.

2. Celebração da feiúra. — Essa é uma marca de Satanás, que odeia a beleza da Criação de Deus, tenta destruí-la e impedir que outros a apreciem. Além de serem feios, alguns tipos de body piercing manifestam alegria com a feiúra. 

Reconhecemos o mau gosto de tatuagens, anéis e pinos ao observar sua natureza, tamanho, extensão e lugar no corpo. Ironicamente, tatuagens floridas e coloridas desbotam com o tempo e acabam ficando escuras e feias. Quando pensamos no fato de os prisioneiros de campos de concentração terem sido tratados como animais e marcados com um número no braço, ficamos espantados ao imaginar que, hoje, as pessoas adotam marcas semelhantes como se fossem elegantes ou “estilosas”. Esse é realmente o sinal de um retorno à barbárie, um comportamento de pessoas que não possuem nenhum senso da dignidade da pessoa humana. 

3. Automutilação e autodesfiguração. — São pecados contra o corpo e contra o quinto mandamento. Alguns tipos de body piercing beiram a automutilação. Múltiplos body piercings equivalem a um abuso contra si mesmo. Uma espécie de ódio contra si ou de autorrejeição motiva algumas pessoas a se perfurarem ou enfeitarem de um modo horrível ou nocivo. O corpo humano não foi feito por Deus para ser um porta-alfinetes nem um mural

4. Danos à saúde. — Médicos já falaram publicamente sobre esse tema. Em 2001, pesquisadores da Universidade do Texas e da Universidade Nacional Australiana publicaram um relatório sobre os danos à saúde causados por tatuagens e body piercing. Alguns brincos (no umbigo, língua ou na parte superior da orelha) são prejudiciais e causam infecções ou danos duradouros, como deformidades na pele. Também podem contaminar o sangue por algum tempo (septicemia). Alguns tipos de furo (por exemplo, no nariz, nas sobrancelhas, no lábio, na língua) não fecham nem mesmo depois da remoção do objeto. Esse tipo de perfuração, portanto, é imoral, já que não deveríamos pôr em risco a saúde sem um motivo razoável. Quando feitos sem a devida higiene, tatuagens e piercings causam infecções. Quando não é esterilizado de forma adequada, um instrumento usado pode transmitir hepatite ou HIV. 

Na esperança de evitar problemas de saúde, alguns fizeram tatuagens de henna, que são pintadas, não feitas com agulhas. A pintura com henna de desenhos florais nos pés e nas mãos é um antigo costume matrimonial hindu. Um relatório da Associação Médica Alemã publicado em 2002 descobriu que turistas que voltaram para casa com hennas feitas em Bali e Bangkok, entre outros lugares, procuraram um médico por causa de graves infecções na pele e, em alguns casos, alergias permanentes. Em alguns casos, também foi usado um corante que, supostamente, faria a tatuagem desaparecer; mas, depois de algumas semanas de irritação na pele, o desenho reapareceu na forma de uma tatuagem avermelhada, que muitas vezes provocava muitas dores no paciente. Alergias surgiram entre doze horas e uma semana após a aplicação da henna, provocando coceira intensa, vermelhidão, bolhas e descamação.  

5. Desejo de chocar e provocar repugnância. — Pode ser conveniente chocar as pessoas quando, por exemplo, alguém relata o drama de pessoas famintas, ou quando protesta contra crimes ou uma terrível exploração. Isso pode ser algo saudável, se feito de modo apropriado e com o devido cuidado, com o objetivo de tirar as pessoas de uma postura de complacência e fazê-las perceber que algo deve ser feito. No entanto, chocar as pessoas apenas por diversão, sem a intenção de promover a verdade e o bem, não é uma virtude, mas sinal de um senso de valores pervertido

Ao avaliar as tatuagens em função da repugnância, observamos a natureza das imagens, o tamanho, o número de tatuagens e seu lugar no corpo; ao avaliar as perfurações, consideramos, de modo semelhante, sua extensão e localização no corpo. 

6. Indecência e irreverência. — É sempre imoral fazer ou exibir tatuagens de imagens ou frases indecentes, ou imagens satíricas de Nosso Senhor, de Nossa Senhora ou de coisas sagradas. 

7. Sinais de desorientação sexual. — Os piratas eram os únicos homens que usavam brincos (por seja qual for o motivo!), enquanto marinheiros e artistas esquisitos eram praticamente as únicas pessoas com tatuagens. O que outrora era algo restrito hoje está disseminado em amplas partes da sociedade. Na década de 1970, um brinco na orelha de um homem (na esquerda, na direita ou em ambas) era um código para expressar sua “orientação” pessoal e, portanto, uma forma de conseguir parceiros. Era algo flagrantemente imoral e, de regra, uma propaganda da imoralidade do indivíduo. Brincos em garotos e homens são tão comuns hoje, que perderam sua importância; porém, não são nunca uma exigência positiva de nenhuma demanda social, como é o caso do terno e da gravata, socialmente necessários em determinadas ocasiões formais.

Mesmo reconhecendo a falta de um simbolismo claro hoje em dia, eu esperaria que qualquer seminário pedisse a qualquer candidato que removesse brincos ou pinos antes de entrar na instituição, e lhe perguntasse quando e por que razão havia começado a usá-los. Não são socialmente aceitáveis na Igreja Católica um seminarista ou um sacerdote de brinco. Um bom número de paroquianos ficaria em dúvida sobre as razões ou motivações mais profundas para usá-lo. Ninguém que exerce esse tipo de função pública começa a usar brinco sem ter tomado uma decisão deliberada. Como me disse certa vez um velho e sábio padre jesuíta: “Ninguém muda o exterior sem ter mudado o interior”. É aquilo que as pessoas chamam de “causar impacto”. O mesmo código de conduta prevista aplica-se a homens de outras profissões, como policiais ou professores [1].

8. Inadequação. — Às vezes as pessoas fazem a tatuagem de um grande crucifixo ou de outras imagens sacras. O corpo humano é um local bastante inadequado para esse tipo de imagem, ainda que seja uma bela imagem. Sempre que essas pessoas vão nadar, por exemplo, exibem essa imagem de modo inadequado. Nenhum sacerdote iria a um centro de compras usando paramentos litúrgicos, não porque haja algo errado com eles, mas porque há um momento e um local para o uso de símbolos religiosos especiais.

9. Vaidade. — Alguns homens tatuam o antebraço e bíceps para ostentar e parecer imponentes. Querem ser o centro das atenções. Todos os que deparam com eles acabam reparando nas tatuagens, a ponto de se tornarem uma distração constante. Por causa delas, as pessoas deixam de ser o foco, que passa a ser a aparência externa do corpo. O mesmo se pode dizer de um pino na língua, um anel no nariz ou vários brincos nas orelhas e nas sobrancelhas. Essas coisas não fazem parte da nossa cultura; no máximo, são parte de uma determinada subcultura, uma afetação minoritária desprovida de relevância social religiosa ou positiva.

Ninguém está dizendo que é errado vestir-se com elegância: trata-se aqui de uma questão de moderação e discrição. A Sagrada Escritura reconhece implicitamente que é bom que a esposa se enfeite para seu marido, ao comparar a Jerusalém celeste a esse tipo de mulher (cf. Ap 21, 2). É bom que uma dama esteja bem vestida e maquiada quando a ocasião o requer, mas todos sabem quando o enfeite passa dos limites e dá uma aparência sedutora ou vulgar.  

10. Imaturidade e imprudência. — Uma ação aceitável ou indiferente em si mesma pode se tornar errada se a intenção ou motivação for errada. Alguns jovens aderem a modas ultrajantes por causa de um desejo imaturo de se rebelar contra a sociedade ou os pais. Esse tipo de desobediência é pecaminoso. Alguns o fazem por um desejo imaturo de se adequar ao grupo de amigos; outros, por um desejo igualmente imaturo de se diferenciar das pessoas ao seu redor. Alguns o fazem por tédio, por ser algo diferente, por entusiasmo, por ser algo de que seus amigos gostarão e sobre o qual falarão. A adesão irracional a modas é sempre um sinal de imaturidade. Para jovens que moram com os pais e, portanto, estão sob sua autoridade, basta que estes manifestem sua reprovação de tais modas, para que os filhos saibam que não podem seguir com elas. Alguns jovens ficam ainda mais extremistas e competem uns com os outros para ver quem põe mais piercings em determinada parte do corpo. Os pais devem proibir absolutamente esse tipo de comportamento.

É difícil para os jovens justificar a enorme despesa (sem falar na dor) de uma tatuagem. Além disso, é desnecessário e tolo marcar o próprio corpo para a vida inteira com imagens sem valor ou com o nome da atual pessoa amada. Soube de um exemplo recente que dá uma ideia de tempo e despesa: uma jovem tinha um dos braços todo tatuado. Foram necessárias duas sessões de 4h cada, num total de 1.000 dólares.

Tatuagens são mais sérias do que outros adornos, pois são marcas mais ou menos permanentes no corpo. Muita gente se tatua com gosto na juventude; mas, não muito tempo, depois se arrepende, pois começa a vê-las como uma desfiguração constrangedora. Quando amadurecem, pagam caro pelo “luxo” que é a remoção de uma tatuagem: algo caro, difícil e que pode deixar cicatrizes. A remoção de tatuagens grandes requer às vezes cirurgia com anestesia geral, com todos os riscos potenciais, além dos consideráveis custos médicos e hospitalares. Casos desse tipo, além do mais, podem deixar grandes partes da pele desfiguradas ou manchadas permanentemente, como se a pele tivesse sofrido queimaduras. Muitos adultos se tornam inelegíveis para determinados postos de trabalho, porque há empresas que não contratam pessoas com mãos cobertas de tatuagens, algo impossível de esconder vários anos depois das tolices da juventude.

Critérios universais. — Em qualquer cultura podem surgir costumes que se tornam aceitáveis e passam a fazer parte dela. Mas isso não as torna certas, necessariamente. Eis alguns exemplos de culturas estrangeiras que considero igualmente errados. Em determinada tribo da África, as mulheres usam brincos gigantes e pesados que alteram o formato dos lóbulos. Em outro lugar, as mulheres põem uma espiral em torno do pescoço para que sejam alongados de modo artificial, ou uma placa na boca para que os lábios sejam projetados alguns centímetros. Na China, houve outrora a prática de amarrar os pés das moças firmemente para impedir que eles crescessem, porque os pés pequenos e delicados eram admirados. Estas e outras alterações drásticas no crescimento natural do corpo humano devem ser consideradas imorais, pois são formas de abuso que decorrem da vaidade.

Nem sempre é possível determinar um limite exato e dizer quando se ultrapassou as fronteiras da moderação. Mas isso não significa que não exista um limite. Ninguém pode definir a temperatura exata em que um dia deixa de ser fresco e se torna frio, mas todos sabem que, quando a temperatura está próxima de zero, já não é possível questionar que esteja frio. Jamais devemos cair no truque dos que tentam “provar”, a partir de casos difíceis e excepcionais, que não existem referências ou princípios, nem um justo meio ou a moderação, só porque eles são difíceis de definir. 

O corpo humano deve ser tratado com cuidado, e não maltratado ou desfigurado. Sua dignidade e beleza devem ser preservadas e cultivadas, para que ele seja uma expressão da beleza mais profunda da alma.

Notas

  1. Nesta parte do texto original, o autor vai além e opina que “empregadores e diretores deveriam criar regras para proibir que funcionários e estudantes do sexo masculino usassem esse tipo de adorno”, isto é, brincos ou pinos. O sacerdote argumenta que regras assim poderiam proteger os jovens de si e da pressão dos pares. Além do que, “ainda hoje, brincos são mais comuns entre mulheres, e somente uma minoria de homens os utiliza”. Deslocamos este comentário para o campo das notas a fim de lhe fornecer o devido contexto. De fato, a recomendação do sacerdote poderia ser tranquilamente aplicada numa civilização cristã, regida pela autoridade das famílias e da Igreja. Numa sociedade como a nossa, porém, altamente judicializada e com as famílias em franca decadência, normas como essas dificilmente seriam aplicáveis: ou se tornariam “letra morta”, ou cairiam sob a pressão do “politicamente correto” e da cultura do “cancelamento” (N.T.).

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