Os ataques terroristas de 11 de setembro acabaram de completar 15 anos. Com eles, no dia seguinte, completou seu décimo aniversário o famoso discurso do Papa Bento XVI em Ratisbona, na Alemanha. Ainda que a controvérsia sobre essa breve exposição se tenha concentrado nos comentários do Papa a respeito do Islã e da violência, a principal crítica do pontífice era direcionada não ao Islã, mas ao Ocidente.

O propósito de Ratzinger era prover "uma crítica à razão moderna a partir do seu interior", mostrando as autorrestrições que ela tem imposto a si mesma e que a têm tornado incapaz de responder a questões fundamentais de moralidade e da existência humana. Essas autorrestrições advêm da ideia de que só seria possível conhecer o que se pode comprovar empiricamente. Dita posição — que encontra em Bacon e em Hume os seus pioneiros e no positivismo lógico do início do século XX, a sua expressão mais forte — é vista muito claramente hoje sob a forma de "cientificismo", ideologia segundo a qual todo conhecimento vem da ciência e qualquer coisa que não possa ser investigada por raciocínio dedutivo-hipotético, usando métodos quantitativos, não passa de crença e superstição irracional. O cientificismo não sustenta que os métodos matemáticos das ciências experimentais (e até das ciências sociais) sejam a melhor forma de descobrir a verdade; eles seriam, na verdade, o único meio de fazê-lo.

Como sublinha o Papa Bento XVI, esse estreitamento da razão acarreta inúmeras consequências. Em primeiro lugar, a razão moderna deve reconhecer que é incapaz de explicar seus próprios pressupostos. O cientificismo deve admitir "a estrutura racional da matéria e a correspondência entre o nosso espírito e as estruturas racionais operativas na natureza como um dado de fato, sobre o qual se baseia o seu percurso metódico". O método científico em si mesmo não pode ser justificado usando o método científico, a ponto de podermos dizer inclusive que esse é um método "exclusivo" das ciências naturais. Em segundo lugar, não cabe à ciência comentar ou avaliar a racionalidade de crenças religiosas e asserções morais. A constrição que impossibilita o Ocidente de criticar ou dialogar com o Islã é a mesma que torna o secularismo ocidental incapaz e desinteressado de ouvir ou mesmo tolerar a moral cristã tradicional no próprio Ocidente.

A descrição de razão moderna feita pelo Pontífice pode ajudar-nos a entender melhor a relutância da esquerda atual em tentar dialogar com religiosos e conservadores no Ocidente. Por um lado, credos religiosos tendem a ser considerados intrinsecamente irracionais. Entendimentos tradicionais a respeito de complementaridade sexual, sexo e gênero, igualdade e justiça são vistos como se não tivessem qualquer base sólida. Isso ajuda a explicar por que, ao descreverem o que consideram intolerância, as pessoas vêm substituindo "ismos" por "fobias".

Ironicamente, a ligação que Ratzinger faz entre voluntarismo e coação, encontrada na teologia violenta da jihad — "está certo porque Deus quer e, se Ele mandar, também podemos impô-lo violentamente" —, aplica-se perfeitamente ao movimento revolucionário moderno. A esquerda secularista moderna é coerciva. Ao invés de tentar convencer seus oponentes raciocinando a partir de princípios comuns, o que ela procura fazer é silenciá-los. A atual ideologia de gênero surgiu praticamente do nada. Isso não significa dizer que não houve nenhuma estrutura intelectual da qual ela tenha advindo. Houve, sim, e trata-se de uma estrutura perturbadora. No entanto, sem qualquer debate ou tentativa de persuasão, pessoas comuns foram simplesmente informadas de que, agora, deveriam aceitar e jurar fidelidade a uma ideologia que reconhece homens travestidos de "mulheres". Quaisquer pessoas que não usem sua voz para louvá-los ou suas mãos para aplaudi-los não são apenas insensíveis como constituem casos de "fanatismo" e "intolerância", provenientes de uma "fobia" profundamente arraigada. Não pode haver nenhuma dissensão.

O mesmo pode ser observado na chamada teoria do "privilégio" e na sua prática nos campus das universidades. O apelo "Reveja seus privilégios" (Check your privilege), constante em sites de esquerda norte-americanos, não serve senão para afirmar que homens brancos, heterossexuais e "cisgêneros" devem reconhecer que possuem vantagens imerecidas na sociedade. É uma declaração de que eles não têm nenhum direito de opinar sobre questões de "interseccionalidade". Isso equivale à reivindicação de que as minorias detêm um lugar privilegiado para julgar o que é justo e injusto com base puramente em seu tom de pele, em sua "orientação sexual", em sua "identidade de gênero" etc. Se alguém de qualquer uma dessas classes "oprimidas" se sentir minimamente agredido, então o que quer que tenha acionado esses sentimentos de opressão deve ser considerado injusto e imoral. Não se trata de um juízo moral baseado em princípios comuns de racionalidade. "Eu não gosto, então está errado e você tem que respeitar os meus sentimentos" é um exemplo textual do ressentimento nietzscheniano, a "vontade de poder" exercida pelos ressentidos.

Analisando essa situação a partir dos comentários do Papa, percebemos que tudo isso não passa de uma forma diferente de voluntarismo. A esquerda não quer usar argumentos recorrendo à razão; o que ela quer é encerrar toda e qualquer discussão. Acontece que a expressão "cala a boca" não é racionalidade, mas arbítrio puro e simples. Será que deveríamos surpreender-nos, no entanto, com um desenvolvimento desse tipo, quando o conceito moderno de razão definiu que questões morais e existenciais estão para além dos limites da investigação racional? Essa é a consequência de estreitar a esfera da razão ao que é puramente matemático. Raciocínios filosóficos sobre moralidade deixaram de ser científicos ou racionais. Se é assim, não há necessidade alguma de tentar convencer aqueles que discordam de você. Os outros devem simplesmente ser silenciados.

Isso tudo é bastante irônico, é claro. Os proponentes da "liberação" sexual, da confusão de gênero e de todas essas coisas demonizam a moral cristã como objetivamente retrógrada e errada — e falam com certeza e segurança morais. Acontece que o mesmo argumento, de que a fé cristã deve ser rejeitada como irracional por não ser científica, aplica-se igualmente à nova ortodoxia da esquerda. Como católicos, porém, não devemos meramente contentar-nos em apontar essa inconsistência. Afinal, se nosso único argumento for tu quoque ("você também"), acabamos abandonando a premissa de que os ensinamentos da Igreja têm fundamento e podem ser conhecidos e defendidos racionalmente.

Se é verdade que devemos defender nossa liberdade religiosa, não podemos simplesmente dizer: "Eu me oponho ao casamento gay porque sou católico". Precisamos explicar que nos opomos a isso porque se trata de uma incompreensão e de uma perversão do casamento, baseada em um falso entendimento da natureza humana, do sexo e do amor. Do mesmo modo, não nos opomos ao aborto simplesmente porque o Papa nos diz para fazê-lo. Opomo-nos a isso pela mesma razão por que o Papa se opõe: porque é algo objetivamente mau, e nós podemos usar a razão para demonstrá-lo.

Em seu discurso, o Papa Bento XVI defendeu por que é imperativo à academia reconhecer que os amplos horizontes da investigação racional incluem questões de fé, de moral e de metafísica. Para aqueles que não estão na educação superior, que nada têm a dizer sobre esse departamento, nós devemos continuar a educar-nos e prover defesas claras e racionais de nossos princípios morais. Não devemos pressupor que a fé é a crença cega em afirmações que não podem ser amparadas ou fundamentadas pela razão. Apelar para a liberdade religiosa como argumento único é implicitamente conceder que a religião é algo irracional e, no fim das contas, sequer seremos capazes de explicar por que nos é devida essa liberdade, em primeiro lugar.

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