A expressão “Causa da nossa alegria” corresponde a um dos títulos de Nossa Senhora na Ladainha Lauretana. Partindo dessa expressão, à qual voltaremos mais adiante, pretendemos, neste programa, abordar o significado da alegria e por que está tão difícil encontrá-la nos dias de hoje. E, nesta abordagem, veremos que a Virgem Maria ocupará um papel especialíssimo como nossa Auxiliadora.
O que é a alegria? — A palavra “alegria” pode ser traduzida por gaudium, em latim [1], ou por Χαρά, em grego. Já em alemão, curiosamente, o termo utilizado é freude, que muito se assemelha ao sobrenome do famoso psicanalista Sigmund Freud. É baseado nos estudos dele, aliás, que a “alegria” é comumente associada ao que está pura e simplesmente no âmbito do prazer. Segundo Freud, a alegria seria a realização dos desejos, das nossas pulsões, especialmente a sexual. Todavia, entende ele, o homem não consegue atingir facilmente a felicidade, porque a sua razão torna a “alegria” algo muito complexo, de modo que as pessoas não se satisfazem como os demais animais.
De fato, notamos essa insatisfação humana mesmo depois de tantas experiências prazerosas. Nestes dias, sobretudo, as pessoas têm demonstrado enorme raiva e tristeza pelas circunstâncias da pandemia, ainda que se cerquem de prazeres. Por outro lado, a abordagem de Freud é bastante reducionista, porque pretende explicar tal problema por uma ótica tão somente material. Nesse sentido, devemos recorrer a Santo Tomás de Aquino, cuja antropologia se fundamenta em algo muito mais realista e abrangente.
Em primeiro lugar, ele explica que a fonte das emoções humanas é o amor, embora este seja algo ainda rudimentar, ou seja, como nos demais animais. Portanto, Santo Tomás de Aquino não fala, neste momento, nem da caridade cristã, nem da moralidade dos atos; trata apenas da concupiscência ou do desejo que provoca a união de quem ama com o amado. Por exemplo, o desejo que nos leva a consumir um alimento gostoso. Essa união gera, afinal, um deleite (delectatio).
Num nível superior, no entanto, os seres humanos, por possuírem racionalidade, são capazes de alcançar algo mais sublime — a verdadeira alegria, por assim dizer —, que nenhum outro animal pode obter. O Doutor Angélico então faz a seguinte distinção: “A palavra alegria só se emprega para prazeres consecutivos à razão: assim, não atribuímos alegria aos animais irracionais, mas apenas o prazer” (STh I-II 31, 3 c.). Em outras palavras, enquanto o animal chega ao deleite apenas por meio da satisfação dos sentidos, o ser humano alegra-se quando encontra o sentido (logos) das coisas, segundo a razão (secundum rationem). Por isso, os casais humanos não ficam satisfeitos apenas com a relação sexual; eles procuram também dar pleno significado a ela, transformando-a em um ato consecutivo à razão.
O ser humano não foi feito para desfrutar o prazer pelo prazer, mas para encontrar o sentido das coisas. Isso não é, como muitos defendem, uma ideia “castradora e moralista” imposta pela sociedade judaico-cristã, mas um fenômeno observável em todos os tempos e lugares. Os hippies da década de 1960, que foram educados nessa suposta sociedade castradora, recorriam às drogas para que, livrando-se dos ditames da consciência, pudessem fazer sexo de forma desenfreada sem cair num vazio de sentido. Já as gerações atuais foram educadas no relativismo moral e, ainda assim, vivem deprimidas e tristes. Chegamos ao absurdo de ver crianças com depressão, mesmo tendo recebido de seus pais todos os prazeres possíveis e imagináveis. Percebemos, portanto, que esse tipo de educação, diferentemente do que dizia Freud, só conduz à infelicidade. Na busca do prazer por si mesmo, as pessoas acabam se autodestruindo, porque se rebaixam à condição animalesca e, rejeitando a própria racionalidade, não conseguem encontrar o sentido de suas vidas.
Na educação dos filhos, por exemplo, para conduzi-los à verdadeira felicidade, os pais não podem simplesmente realizar todos os desejos deles, pois nem sempre o que eles querem é aquilo que, de fato, precisam. E o discernimento adequado sobre o que eles precisam só ocorre secundum rationem, identificando o verdadeiro sentido de suas vidas. A simples observação dos fatos, portanto, já evidencia que a antropologia de Santo Tomás explica com muito mais consistência aquilo que realmente proporciona a alegria humana.
Redescobrir a alegria. — Tendo clara a concepção tomista de que a causa da nossa alegria está no encontro do sentido daquilo que amamos, cabe agora o seguinte questionamento: na sociedade atual, onde as pessoas vivem constantemente infelizes, por reduzirem a alegria ao deleite, como podemos redescobrir a capacidade de ser feliz?
Os caminhos são muitos assim como muitos são os meios, na vida cristã, de nos encontrarmos com Deus, fonte e razão de nossa felicidade. No entanto, queremos aqui destacar um caminho simples e despretensioso — embora eficaz — que consiste na atitude filosófica e racional de ter um novo olhar diante da vida, como uma criança que, de forma corajosa e, ao mesmo tempo, ingênua, contempla tudo o que a cerca com admiração e encanto.
Tal atitude foi expressa, de forma ficcional, por G. K. Chesterton na obra Manalive, em que o protagonista, Innocent Smith, é acusado, entre tantas coisas, de poligamia. Durante a investigação, contudo, fica provado que, na verdade, ele havia se casado várias vezes com a própria esposa, a fim de redescobrir o valor do matrimônio. Assim, por meio de uma situação extrema e exagerada, Chesterton expressa a realidade imprescindível na vida matrimonial de que, a cada dia, os cônjuges redescubram o valor um do outro. Embora Innocent Smith seja um louco como personagem ficcional, suas atitudes nos conduzem à sanidade, fazendo-nos perceber que, ao banalizar a vida e as pessoas, terminamos tornando a alegria algo inalcançável.
Até aqui, não estamos falando de verdades sobrenaturais. Porém, essa atitude filosófica fundamental de redescoberta da alegria e da admiração deve preceder qualquer realidade espiritual, visto que a graça pressupõe a natureza que a recebe. É impossível que cheguemos à alegria enquanto fruto do Espírito Santo se ainda agimos como animais, guiados pelo instinto e pelo prazer sensorial.
A perfeita alegria, que ocorre em nível sobrenatural, é aquela que resulta do encontro com o Amado. Como nos diz o Catecismo da Igreja Católica (n. 27), “o desejo de Deus está inscrito no coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus”, o qual, por sua vez, “não cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar”. Portanto, é no amor das realidades divinas e perenes que encontramos a alegria sobrenatural; e, amando-as, vamos nos assemelhando a elas, porque o amor tem essa capacidade de nos transformar naquilo que amamos.
Essa alegria sobrenatural pode, muitas vezes, não ser acompanhada pelo deleite, e sim pela dor. Nos Fioretti de São Francisco (c. 8), vemos tal realidade muito bem expressa pelo santo frade de Assis quando ele descreve ao frei Leão em que consiste a verdadeira alegria:
Quando chegarmos a Santa Maria dos Anjos, inteiramente molhados pela chuva e transidos de frio, cheios de lama e aflitos de fome, e batermos à porta do convento, e o porteiro chegar irritado e disser:
— Quem são vocês?
E nós dissermos:
— Somos dois dos vossos irmãos, e ele disser:
— Não dizem a verdade; são dois vagabundos que andam enganando o mundo e roubando as esmolas dos pobres; fora daqui!
E não nos abrir e deixar-nos estar ao tempo, à neve e à chuva, com frio e fome até à noite: então, se suportarmos tal injúria e tal crueldade, tantos maus tratos, prazenteiramente, sem nos perturbarmos e sem murmurarmos contra ele (…), escreve que nisso está a perfeita alegria.
E se ainda, constrangidos pela fome e pelo frio e pela noite batermos mais e chamarmos e pedirmos pelo amor de Deus, com muitas lágrimas, que nos abra a porta e nos deixe entrar, e se ele mais escandalizado disser:
— Vagabundos importunos, pagar-lhes-ei como merecem.
E sair com um bastão nodoso e nos agarrar pelo capuz e nos atirar ao chão e nos arrastar pela neve e nos bater com o pau de nó em nó:
Se nós suportarmos todas estas coisas pacientemente e com alegria, pensando nos sofrimentos de Cristo bendito, as quais devemos suportar por seu amor: Ó irmão Leão, escreve que aí e nisso está a perfeita alegria.
Com essa explicação, percebemos que quanto mais sobrenatural e elevado é o objeto da nossa alegria, maiores são as tribulações e sofrimentos que o acompanham, pois, para que consigamos nos elevar, não podemos estar apegados às consolações e deleites terrenos.
Esse desapego, que resulta de um exercício da alma, é fundamental para vivermos tanto as alegrias simples do cotidiano quanto as alegrias sobrenaturais, que são fruto do Espírito Santo.
Nossa Senhora, causa da nossa alegria. — A causa primeira e eficiente de nossa alegria é Deus. Mas existem também causas instrumentais, entre elas Maria, que é a porta pela qual Jesus Cristo veio a este mundo.
Nos mistérios gozosos do Santo Terço, desde o primeiro, o anúncio do anjo a Maria, até o quinto, a perda e o reencontro do Menino Jesus no templo, vemos Nossa Senhora desempenhando esse papel de causa instrumental da nossa alegria, pois ela nos conduz ao seu Filho Jesus Cristo, em quem encontramos o verdadeiro sentido de nossas vidas.
A situação em que vivemos, nestes dias de pandemia, parece semelhante ao quinto mistério gozoso, pois momentaneamente “perdemos” os sacramentos e aguardamos o dia em que alegremente poderemos reencontrá-los. Tal alegria, porém, só será alcançada se zelarmos pelo bem e salvação de nossa alma, sem nos entregarmos a uma atitude de passividade que nos rebaixa ao nível dos animais e, por consequência, impossibilita-nos de viver a alegria.
Devido à necessidade deste zelo espiritual, a alegria constitui-se também em uma exortação sobre como devemos agir, conforme vemos nas palavras de São Paulo: “Alegrai-vos sempre no Senhor” (Fl 4, 4). Portanto, deixemos de lado a preguiça espiritual e, com o impulso da alma e as graças do Espírito Santo, busquemos Aquele que é a causa da nossa alegria, sem nos esquecermos que a Virgem Santíssima é o grande instrumento utilizado por Deus para nos levar ao seu Filho.
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