Inicia-se na noite de hoje, Quinta-feira Santa, a celebração do Sagrado Tríduo da Paixão. Com a Missa comemorativa da Ceia do Senhor, durante a qual se realiza a cerimônia do lava-pés, a Igreja nos ambienta naquele cenáculo em que, há dois mil anos, nos foram concedidos dois dons intimamente relacionados: o sacerdócio católico e a Santíssima Eucaristia, dois sacramentos da Nova Aliança que, cada um ao seu modo, imortalizam neste mundo a presença do nosso divino Redentor.
São dons que brotam do Coração Eucarístico de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nós, que nos preparamos ao longo da Quaresma para a celebração deste momento, temos hoje de recordar que Jesus se preparou para tão sublime hora, não durante uns poucos dias, mas durante toda a sua vida. “Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa, antes de sofrer” (Lc 22, 15), diz Ele no Evangelho segundo S. Lucas. Do Coração de Cristo nasce este desejo porque, como complementa o Apóstolo S. João, “tendo amado os seus que estavam no mundo, até o extremo os amou” (Jo 13, 1).
Na Última Ceia, portanto, Cristo experimenta verdadeira e profundamente, antecipando o seu sacrifício na cruz, a entrega amorosa e salvífica de si mesmo. Nesta noite santíssima, Ele toma o cálice e diz: “Tomai este cálice e distribuí-o entre vós […]. Este cálice é a Nova Aliança em meu sangue, que é derramado por vós” (Lc 22, 17.20). Hoje, Ele derrama na ceia eucarística o próprio Sangue por nós, a fim de dar-nos a salvação eterna. É, numa palavra, o Sangue do verdadeiro Cordeiro pascal — e não mais a figura passageira do Antigo Testamento —, que afasta de nós a pena devida aos nossos pecados.
Mas, além de livrar-nos da punição dos nossos crimes, o sacrifício de Cristo nos faz entrar em comunhão com Deus. De fato, assim como os antigos israelitas tinham de comer o cordeiro pascal, e não só untar o batente das portas com o sangue dele, assim também nós, incorporados ao novo Israel, que é a Igreja, somos chamados a alimentar-nos espiritualmente do Cordeiro de Deus pela participação na mesa eucarística. Como escreve S. Paulo, “o cálice de bênção, que benzemos, não é a comunhão do sangue de Cristo? E o pão, que partimos, não é a comunhão do corpo de Cristo?” (1Cor 10, 16).
A Eucaristia, desse ponto de vista, é ao mesmo tempo sacrifício e comunhão: sacrifício salvador, que nos alcança o perdão dos nossos pecados, e comunhão de amor, que nos une e incorpora a Deus mediante o seu Filho unigênito. E tudo isso, Cristo o quis levar a cabo com toda a força do seu Coração: “Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa” (Lc 22, 15).
Nós, porém, muitas vezes respondemos a este amor com pouco caso, indo à Missa de corpo arrastado, preguiçoso e mal arrumado. E no entanto ali no altar, glorioso e ressuscitado, está o Senhor presente, desejando ardorosamente estar conosco e fazer de nossa pobre alma o seu cenáculo. Não há, pois, maneira de imaginar nem de medir o desejo com que Ele, fornalha ardente de caridade, quer vir a nós e dar-nos a salvação.
Nesta noite santa, temos de pedir-lhe que nos comunique um pouco do seu Coração amantíssimo, a fim de nos darmos conta, ainda que com imperfeição, da vontade imensa que Ele tem de unir-se a nós. Precisamos, a exemplo do discípulo amado, reclinar a cabeça sobre o seu peito e deixar que as pulsações do seu Coração nos revelem por si mesmas o quanto somos amados. A noite de hoje, portanto, é noite para abandonar-nos filialmente à graça de Cristo, cientes da nossa fraqueza, que bem nos poderia levar, como sucedeu com S. Pedro, a negar não só três, mas inúmeras vezes o nosso amado Salvador.
Sim, todos somos como Pedro. Confiantes em nossas próprias forças, achamos que está em nossas mãos morrer por Jesus, como se fôssemos capazes de fazer algo sem o seu auxílio. Quantas e quantas vezes, com efeito, já não saímos do confessionário, dispostos a tomar outro rumo, a ter mais vida de oração, a largar este ou aquele pecado habitual, e talvez no mesmo dia, poucas horas depois, caímos nas mesmas misérias…
Precisamos, sim, todos os dias, reclinar a cabeça sobre o peito de Cristo para dali receber a graça sem a qual nada somos, para dali receber um coração novo, capaz de também querer ardentemente estar com Ele. Sem isso, acabaremos negando-o como Pedro ou, o que é pior, traindo-o como Judas.
Nesta noite, quando terminarmos a Santa Missa in Cœna Domini, com os olhos postos no SS. Sacramento sendo levado para o altar da reposição, peçamos a Nosso Senhor que nos conceda a graça de, ao menos por uma hora, velarmos ao seu lado em oração. Porque, se o seu Coração não vier em nosso socorro, seremos como aqueles discípulos sonolentos, insensíveis, lentos para crer e para amar. Se Ele não vier hoje em nosso auxílio, faremos repetir-se a mesma história: a negação, motivada pelo menor desconforto, e a traição de preferir-nos a nós mesmos ao amor de Jesus.
Hoje, Deus insiste mais uma vez em estar conosco. Porque nos ama, pede-nos amor. Porque nos quer, pede-nos que o queiramos. Hoje, vivendo a fragilidade humana até o extremo, pede que estejamos ao seu lado, consolando-o, fazendo-lhe companhia, dando-lhe o pouco que podemos dar. Hoje, não deve haver em nossos corações lugar para indiferença nem sonolência: “Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa”!
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