Uma resposta inequívoca sai da boca de Jesus, quando provado pelos fariseus sobre qual seria o principal mandamento da Lei divina:
amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo. O amor fraterno constitui um princípio basilar do cristianismo. O homem retribui a solicitude de Deus, amando-O no irmão, isto é, ajudando os outros em suas necessidades, sobretudo espirituais, a fim de que levem uma vida marcada pela santidade pessoal, voltada para o céu. Trata-se da lógica do amor: Deus nos ama e nós o amamos de volta por meio da caridade — pois "todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes" (Mt 25, 40).
Essa caridade, por sua vez, não se resume a uma preocupação meramente terrena, não significa tão somente um zelo pelo bem físico e material da pessoa, embora isso também seja necessário. A primeira preocupação de um coração enamorado por Cristo é a de levar seus irmãos para o céu. Neste sentido, faz-se imprescindível uma atenção para os modelos de vida que não correspondem às máximas do Evangelho. A chamada correção fraterna é uma prática recomendada várias vezes no Novo Testamento. Na carta aos hebreus, vemos São Paulo dizer: "Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras" (Hb 10, 24). Nos livros sapienciais também está escrito: "Repreende o sábio e ele te amará. Dá conselhos ao sábio e ele tornar-se-á ainda mais sábio, ensina o justo e ele aumentará o seu saber" (Pr 9, 8-9). Finalmente, é o próprio Jesus quem nos convida a cuidar da alma de nosso próximo: "Se teu irmão tiver pecado contra ti, vai e repreende-o entre ti e ele somente; se te ouvir, terás ganho teu irmão" (Mt 18, 15). E esse "ganhar teu irmão" significa verdadeiramente ganhá-lo para Deus.
Em uma sociedade cada vez mais secularizada, onde se vive muito mais voltado para as coisas da terra que para as do céu, surge evidentemente a tentação do materialismo, a qual conduz para um isolamento pessoal, mesmo dentro da Igreja. Quando a pregação dos pastores demonstra uma preocupação maior com "as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária", aí também se revela uma espécie de anestesia espiritual, que tende a considerar a fé como um dado secundário ou, muitas vezes, irrelevante para o desenvolvimento humano [1]. Ora, não seria isso exatamente uma das raízes da crise institucional que se apresenta hoje no seio da Igreja? [2] Lembra-nos o Papa Bento XVI: "Na Igreja dos primeiros tempos não era assim, como não o é nas comunidades verdadeiramente maduras na fé, nas quais se tem a peito não só a saúde corporal do irmão, mas também a da sua alma tendo em vista o seu destino derradeiro" [3]. Nas páginas do Evangelho é Jesus mesmo quem nos exorta a "buscar as coisas do alto" em primeiro lugar — "e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo" ( Mt 6, 33).
Com efeito, é mister que os cristãos do mundo moderno digam não ao indiferentismo, à tendência de querer "adequar-se à mentalidade comum em vez de alertar os próprios irmãos contra modos de pensar e agir que contradizem a verdade e não seguem o caminho do bem" [4]. O exemplo dos santos, sobretudo daqueles que preferiram o martírio a negar as verdades cristãs, impele-nos a isso. "O nosso amor pelo próximo — escrevia Santa Teresa Benedita da Cruz — é a medida do nosso amor a Deus" [5]. Trata-se de uma decisão: com Cristo ou contra Cristo. Não há neutralidade nesse caso. É justamente o que recorda São João Paulo II, na sua encíclica dedicada particularmente aos bispos, Veritatis Splendor [6]:
O martírio desautoriza como sendo ilusório e falso, qualquer «significado humano» que se pretenda atribuir, mesmo em condições «excepcionais», ao ato em si próprio moralmente mau; mais ainda, revela claramente a sua verdadeira face: a de uma violação da «humanidade» do homem, antes ainda em quem o realiza do que naquele que o padece.
Por outro lado, a correção fraterna exige um procedimento reto, que tenha em vista o bem espiritual da pessoa. Deve-se, por isso, rechaçar toda espécie de moralismo, a fim de que os mandamentos de Deus não sejam resumidos a um conjunto de negações, mas encarados como uma autoestrada que conduz à verdadeira liberdade do ser humano, isto é, a vida eterna. Na correção de um amigo, por conseguinte, o cristão necessita "fazer-se tudo para todos" ( 1 Cor 9, 22), pois "uns são como crianças recém-nascidas, outros como adolescentes e outros, finalmente, já são efetivamente adultos" [7]. Desse modo, faz-se necessário que o educador pondere "com toda a diligência quais são os que precisam de leite e quais os que carecem de um alimento mais sólido", adaptando "suas palavras à mentalidade e à inteligência dos seus ouvintes" [8]. De fato, é preciso cuidado para não quebrar a cana já rachada e apagar a chama que fumega (cf. Is 42, 3).
O princípio da correção fraterna traz em seu bojo outra verdade fundamental para o cristianismo: a fraternidade em Cristo. Pelo batismo, tornamo-nos todos irmãos. Assim, fazem todo sentido as palavras de São Paulo aos efésios: "Com toda a humildade e mansidão, suportai-vos uns aos outros com paciência, no amor" (cf. Ef 4, 1-6). Uma comunidade que não se preocupa com as necessidades básicas do outro está fadada ao fracasso, por mais supostamente piedosa que seja. A verdadeira espiritualidade nunca se fecha em si mesma; ao contrário, leva-nos a enxergar Jesus no outro, ajudando-o a carregar a cruz, tal qual fez o cirineu com Cristo. Também a Virgem Santíssima nas bodas de Caná — "Eles não têm mais vinho" (Jo 2, 3) — dá-nos o modelo de amor ao próximo, como também na sua partida apressada para a casa de Isabel — "Maria se levantou e foi às pressas às montanhas, a uma cidade de Judá" (cf. Lc 1, 39-45) —, a fim de servi-la e ajudá-la.
O amor de Deus pede uma resposta. E esta resposta, é preciso sempre repetir, está no amor aos irmãos: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração (...) Amarás ao teu próximo como a ti mesmo" ( Mt 22, 34-40).
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