A Álvaro del Portillo, o servo de Deus que será beatificado amanhã, 27 de setembro, em Madri, a Igreja aplica as palavras do Autor Sagrado: “ Vir fidelis multum laudabitur - O homem fiel será muito louvado" [1].
A beatificação deste apóstolo, que partiu para o Céu em 1994, é mais um daqueles processos rápidos, fruto da abundância e unanimidade de testemunhos em favor de sua santidade. Foi assim com São João Paulo II, foi assim com São Josemaría Escrivá… e foi assim com Monsenhor Álvaro, que, nas pegadas desses dois grandes homens, chegou “à estatura do Cristo em sua plenitude" [2].
Mas, afinal, qual o grande segredo de Álvaro para chegar ao heroísmo de uma vida santa? É impossível compreender o seu caminho sem se referir à espiritualidade do Opus Dei, uma fundação hierárquica da Igreja em que ele não só tomou parte, como colaborou ativamente, sendo eleito o sucessor de Josemaría Escrivá à frente da instituição. O carisma dessa “obra de Deus" consiste, resumidamente, em amar a Deus através dos deveres ordinários do dia a dia. “Meus filhos", insistia São Josemaría Escrivá, “aí onde estão nossos irmãos, os homens, aí onde estão as nossas aspirações, nosso trabalho, nossos amores - aí está o lugar do nosso encontro cotidiano com Cristo" [3]. Não é preciso retirar-se para o claustro ou ir ao deserto para encontrar a Deus - alguns, é verdade, são chamados a esse belo modelo de vida, mas não todos -, basta que se cumpra os deveres da própria vocação com o espírito de Cristo.
Com essa mensagem - cujo cerne não é nada mais que o anúncio do Evangelho -, o Opus Dei ganhou, literalmente, o mundo. Hoje, a instituição, que está em todos os continentes, conta com cerca de 90 mil membros, entre homens e mulheres, casados e celibatários.
Na árdua tarefa de abrir rotas de evangelização ao redor do mundo, Álvaro del Portillo foi um missionário verdadeiramente incansável. Começou por transformar em realidade o grande sonho de seu pai e amigo, que era achar uma configuração jurídica adequada para o Opus Dei dentro da Igreja: em 1982, a obra foi erigida em prelazia pessoal pelo Papa João Paulo II. Depois de fazer um grande trabalho em várias cidades da Itália, viajou para outros vinte países, dentre os quais Bolívia, Suécia, Congo, Nova Zelândia, Índia, Finlândia e Camarões.
Por onde passou, deixou a marca de sua profunda humildade. “Ao advertir a sua presença amável e discreta ao lado da dinâmica figura de Mons. Escrivá, vinha ao meu pensamento a modéstia de São José", nota o padre John O'Connor, agostiniano. Para Dom Álvaro, permanecer “à sombra" de São Josemaría significou, ao invés de uma posição subalterna, como muitos poderiam supor, uma ocasião para emular as suas virtudes e viver a obediência. O antigo porta-voz da Santa Sé, Joaquín Navarro-Valls, declara que ele “era um protagonista, mas tinha a imensa virtude de não aparecer como protagonista".
O atual prelado do Opus Dei, Javier Echevarría, dá atenção ao fato de que o seu antecessor “não desejou para si (...) êxitos pessoais ou ocasiões de poder brilhar". Em vida, ele “teve uma única ambição: ser um bom filho de Deus e um servidor fiel da Igreja, de acordo com o espírito recebido de São Josemaría e seguindo o seu exemplo". Ele também refere uma história interessante, que ilustra como Dom Álvaro se configurou ao carisma do fundador do Opus Dei:
“Em 1950, D. Álvaro sofreu um ataque de apendicite aguda com dores muito fortes e risco de vida, pelo que foi necessária uma operação cirúrgica urgente. Era o dia 26 de fevereiro. Tanto pela técnica então usada, como pela duração da cirurgia - que se complicou mais que o previsto -, os médicos decidiram aumentar a dose de anestesia; e, por este motivo, o despertar pós-operatório foi mais lento que o habitual. (...)"
“Quando já D. Álvaro estava no quarto, aproximou-se um dos médicos para controlar a evolução do pós-operatório. Ficou surpreendido quando viu que ninguém conseguia despertá-lo e começou a preocupar-se, porque se estavam a utilizar todos os meios possíveis, sem êxito. Estando nesta situação, o Fundador do Opus Dei chegou à Clínica e referiram-lhe o estado de D. Álvaro eventualmente crítico. S. Josemaría aproximou-se da cabeceira da cama e, com grande calma, sussurrou-lhe afetuosamente: 'Álvaro!' A resposta do doente foi imediata: 'Padre!' E assim começou o despertar que até àquele momento não parecia iminente. S. Josemaría concluiu com naturalidade, como se se tratasse de coisa habitual, com este comentário: 'Este filho até a dormir me obedece'." [4]
Se Josemaría apontou o “Caminho", Álvaro nada mais fez senão segui-lo e, hoje, a bem-aventurança dos dois sacerdotes confirma a grandeza das lições de Escrivá, que cumpriram o fim a que foram escritas: engendrar santos. “Qual é o segredo da perseverança? O Amor", respondia São Josemaría Escrivá. “Enamora-te, e não O deixarás" [5]. Monsenhor Álvaro - amanhã, beato - invertia a frase e acrescentava: “ Sê leal e acabarás louco de amor a Deus".
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