Beatificações e canonizações são momentos muito importantes na vida da Igreja e, apesar disso, são muitos os católicos que não ficam a par desses eventos, a menos que a pessoa em questão seja famosa – como um São João Paulo II ou uma Beata Teresa de Calcutá – ou venha de sua própria terra natal.
No último dia 13 de setembro, a Igreja do mundo inteiro se uniu ao povo da África do Sul em ação de graças pela vida e pelo testemunho de Benedict Daswa.
O bispo da diocese de Tzaneen, Joao Noe Rodriguez, vê a beatificação como uma evento verdadeiramente significativo não só para a comunidade sul-africana, como para toda a Igreja universal.
"Não estamos celebrando a memória de Benedict Daswa por nacionalismo, mas porque ele era um homem de muita fé. E isso é o que é bonito: ele era um de nós e, ao mesmo tempo, profundamente comprometido na vida da sua família, do seu trabalho e da sua comunidade. Um homem que estava servindo, ajudando e educando: uma completa inspiração de fé para todos."
Esposo, pai e professor
Nascido no vilarejo de Mbahe, província de Limpopo, a 16 de junho de 1946, Tshimangadzo Samuel Daswa foi criado em meio à tribo dos lemba, um grupo étnico e religioso que observa leis e rituais judaicos tradicionais.
Na juventude, trabalhou como pastor de rebanhos, antes de começar sua educação formal, em 1957. Após a morte inesperada de seu pai, assumiu a responsabilidade financeira por sua família, trabalhando para sustentar seus três irmãos e sua irmã, a fim de que continuassem estudando.
Durante as férias escolares, viajando para Johannesburgo à procura de emprego, Samuel se aproxima de um jovem cristão e começa a frequentar círculos de amigos católicos.
Na volta para Mbahe, ele começa a receber formações de um catequista leigo, Benedict Risimati, que lhe oferece aulas semanais e uma celebração dominical debaixo de uma figueira do vilarejo (a Missa era celebrada apenas uma vez por mês). Risimati exerce forte influência sobre o jovem Daswa, que, depois de receber catequese por dois anos, é batizado, no dia 21 de abril de 1963, com o nome cristão de "Benedict". Até o fim de sua vida, ele será inspirado pelo lema de São Bento: "Ora et labora – Reza e trabalha".
Benedict consegue obter sua graduação e passa a dar aulas na escola primária de uma vila próxima. Serve aos seus alunos e a toda a comunidade como professor e catequista, além de desenvolver um trabalho de caridade com as famílias mais pobres. Por sua honestidade e dedicação como professor, pouco a pouco conquista o respeito e a estima de todos no vilarejo.
Ele ajuda a construir a primeira igreja da vila de Nweli e, em 1º de janeiro de 1979, torna-se diretor da escola da região. Em seu novo posto, ele trabalha dando apoio a seus professores e proteção a seus estudantes. Quando estes faltam às aulas, ele procura as famílias para ver se precisam de ajuda. Conta-se que ele chegou a convencer um pai a permitir que sua filha terminasse os seus estudos, evitando que ela se casasse com um homem mais velho. Alunos impossibilitados de pagar as taxas da escola recebem dinheiro trabalhando em sua horta e na colheita de alimentos, os quais são distribuídos a famílias carentes do vilarejo.
Em 1980, Benedict casa-se com Shadi Eveline Monyai. O jovem e fecundo casal será abençoado com oito filhos. Ele ficou conhecido por quebrar a tradição dos venda, ajudando a sua esposa nas tarefas domésticas. Seu comportamento era tão chocante que alguns no vilarejo acreditavam que ele estava enfeitiçado.
Um mártir pela fé
Em novembro de 1989, chuvas carregadas e temporais relampejantes causam danos severos à região. Em janeiro de 1990, os líderes do vilarejo começam a dizer que as tempestades se devem à ação de "magia negra". Eles exigem que os moradores da vila paguem uma taxa, a fim de contratar um curandeiro e identificar o bruxo responsável pela maldição.
Benedict, que não participou nem da discussão nem da decisão, recusa-se a pagar, observando que tudo aquilo não passava de um fenômeno natural. Ele estava particularmente preocupado por aquela repentina adesão a superstições antigas e à crença de que um bruxo poderia ter causado os relâmpagos. Sua atitude era explicada, sobretudo, por sua fé católica, que o proibia de participar em qualquer coisa ligada à feitiçaria ou a atos de violência.
Muitos no vilarejo, porém, viram a sua resistência em cooperar como um ataque às crenças tradicionais da comunidade. O veredito final? Benedict deveria ser morto.
No dia 2 de fevereiro de 1990, voltando de carro para casa, Benedict encontra a estrada bloqueada por uma árvore caída. Enquanto tenta limpar o caminho, é atacado por um grupo de jovens rapazes que começam a atirar-lhe pedras. Sangrando e machucado, ele deixa seu carro e sai à procura de ajuda em uma cabana próxima. Quando os criminosos chegam à cabana, ameaçam matar as donas da casa, caso elas não revelem onde Benedict está escondido. Ouvindo as ameaças, Benedict sai de seu esconderijo e pergunta-lhes por que, afinal, eles queriam matá-lo. Sem responder, eles atacam Benedict e espancam-no até a morte. – Senhor, em tuas mãos recebe o meu espírito – são as últimas palavras de Daswa.
O caminho para a beatificação
A Missa de funeral foi celebrada no dia 10 de fevereiro. A procissão com o seu corpo saiu da casa onde ele morava até a igreja que ele tinha ajudado a construir, em Nweli. Durante a cerimônia, todos os padres trajaram paramentos vermelhos, demonstrando a firme convicção de que Benedict tinha morrido como mártir.
A causa de beatificação de Benedict Daswa foi aberta em 10 de junho de 2008. No último dia 22 de janeiro, o Papa Francisco reconheceu o seu martírio, abrindo o caminho para a sua beatificação.
Seguindo uma tradição antiquíssima da Igreja, os restos mortais de Benedict foram removidos de seu túmulo em 24 de agosto, em preparação para a sua beatificação. Durante a exumação, estiveram presentes todos os seus filhos. A pedido deles, o seu caixão foi primeiramente transportado para junto do túmulo de sua amada esposa (que morreu em 2008). Ali, seus restos físicos foram examinados e pequenas partículas de seus ossos e pedaços de sua roupa foram removidos, para serem venerados como relíquias. Por fim, o caixão foi lacrado e coberto com um tradicional tecido claro dos venda. Depois, foi levado por seus filhos a uma urna recém construída na igreja paroquial de Mbahe.
Uma companhia no caminho para o Céu
São Jerônimo escreveu certa vez que "o martírio não consiste apenas em morrer pela fé, mas também em servir a Deus com amor e pureza de coração todos os dias da nossa vida". O bem-aventurado Benedict Daswa é uma dessas almas agraciadas que viveram esse mistério de maneira particularmente efetiva em sua própria vida. Foi o que disse o Papa Francisco, no dia 13 de setembro, durante a tradicional oração do Angelus, na Praça de São Pedro:
"Na sua vida, [Benedict] demonstrou sempre muita coerência, assumindo corajosamente atitudes cristãs e rejeitando hábitos mundanos e pagãos. O seu testemunho ajude especialmente as famílias a difundir a verdade e a caridade de Cristo. E o seu testemunho junta-se ao de tantos nossos irmãos e irmãs, jovens, idosos, adolescentes, crianças, perseguidos, expulsos, assassinados por confessarem Jesus Cristo."
Comprometido com sua família e com sua vocação de pai e professor, Benedict realmente fez da fé católica o primeiro ponto de referência em todos os aspectos de sua vida.
Em entrevista concedida antes da beatificação, o arcebispo William Slattery, de Pretória, capital da África do Sul, afirmou que o bem-aventurado Benedict Daswa é honrado como mártir e exemplo não só para o povo sul-africano, como para o mundo inteiro: "O Papa está dizendo: Povos do mundo, eis um antepassado espiritual, um exemplo para o mundo inteiro, e, também, uma companhia em nosso caminho rumo a Deus. Porque todos nós somos uma família: vivos e mortos, todos nos movemos na direção d'Ele."
O arcebispo concluiu dizendo que "os santos e os beatos são presentes de Deus para nós, um exemplo da graça de Deus operando em Seu povo".
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