O dever de guardar e ensinar a doutrina cristã tal qual a recebemos dos Apóstolos constitui uma tarefa fundamental para a Igreja, porque é por meio da fé em Jesus Cristo que o homem pode chegar à salvação. Esse ministério, por sua vez, encontra sua justificativa nas próprias palavras do Evangelho: foi Cristo quem primeiro prometeu o repouso para as almas de todos aqueles que tomassem seu jugo e recebessem sua doutrina [1]. É por isso que, desde o princípio de sua missão, a Igreja procurou defender o conteúdo da fé de todo e qualquer possível desvio. A tutela do depositum fidei corresponde àquela parábola do Evangelho que compara o Reino dos Céus a um tesouro [2]. Assim como o homem que o encontra e o mantém escondido, também a Igreja guarda a fé, a fim de que ela chegue aos ouvidos dos fiéis com toda a sua integridade.
Ao longo de sua história, a Igreja foi inúmeras vezes instada a professar “a razão de sua esperança" [3], sobretudo quando se punha em risco a verdade sobre Nosso Senhor Jesus Cristo. Fala-nos mais alto o testemunho de tantos mártires que, postos à prova pelos poderes seculares, preferiram o derramamento do próprio sangue a negar um artigo sequer das disciplinas sagradas: Beato José Sanchez del Río que, negando-se a blasfemar contra Deus, morreu pelas mãos de seus algozes com o grito de “Viva Cristo Rei" nos lábios; Edith Stein, a santa filósofa, morta pelos sequazes de Hitler, como forma de vingança pelas condenações dos bispos holandeses aos crimes do nazismo; São Thomas More, o “maior de todos os ingleses", que, diante do sanguinário Henrique VIII, não hesitou a expor os erros do soberano da Inglaterra – “a Igreja é una e indivisível, e vós não tendes autoridade alguma para fazer uma lei que quebre a unidade cristã" –, antes que sua cabeça rolasse sobre o cepo [4]. De fato, no trabalho apostólico exercido pela Igreja, frequentemente atormentada pelas tentações do mundo, irrompe-se o alerta de São Josemaría Escrivá aos seus filhos espirituais:
Assim também é a Igreja, não toca em nada, em nenhuma coisa essencial, de forma nenhuma; os sacramentos são os mesmos, os mandamentos são os mesmos, o sacrifício do altar é o mesmo.
Essa santa intransigência vista nos santos deve-se à consciência de que a religião católica não é uma invenção humana, manipulável ao sabor das modas, mas uma revelação divina confiada à Igreja. Trata-se de um caminho designado por Deus; Ele é o único autor da fé. Não por menos o Papa João XXIII, ao início do Concílio Vaticano II, declarou que a tarefa mais importante daquele evento era guardar e ensinar o depósito sagrado da doutrina cristã de forma mais eficaz [5]. João XXIII vislumbrava, neste discurso, o apelo de seu predecessor, Pio XII, na Encíclica Summi Pontificatus [6]:
Quem quer que pertença à milícia de Cristo – eclesiástico ou leigo – não deveria acaso sentir-se estimulado e incitado a maior vigilância, a mais decidida defesa, ao ver que as fileiras dos inimigos de Cristo cada vez aumentam mais, ao perceber que os porta-vozes dessas tendências, renegando ou praticamente descurando as verdades vivificadoras e os valores contidos na fé em Deus e em Cristo, partem sacrilegamente as tábuas dos mandamentos de Deus para substituí-las com tábuas e normas que excluem a substância ética da revelação do Sinai, o espírito do Sermão da montanha e da cruz?
Não obstante o aviso dos dois grandes pontífices, não faltou à Igreja quem, em nome de um suposto “espírito do Concílio", ousasse partir as tábuas dos mandamentos de Deus, como condenava Pio XII, para substituí-las por falsos conceitos modernos [7]. Tamanha foi a crise que se desenvolveu entre os fiéis, que o próprio Papa Paulo VI, na missa de quinze anos de seu pontificado, se viu obrigado a admoestar tais teólogos a que deixassem de perturbar a Igreja: “chegou o momento da verdade e é necessário que cada um reconheça as suas responsabilidades perante as decisões que devem concorrer para a salvaguarda da fé" [8]. E ainda hoje esse pedido se faz ressoar. Se a fé se torna um canteiro de obras, onde qualquer um pode retirar ou acrescentar o que lhe aprouver, ela deixa de constituir um caminho de salvação. Torna-se, ao contrário, uma celebração vazia e autorreferencial.
O que distingue o cristianismo das demais religiões é justamente a encarnação do Verbo Divino. Reza o credo Niceno-Constantinopolitano sobre Jesus: “ Deus de Deus, Luz da Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não criado, consubstancial ao Pai" [9]. Esse mesmo Verbo Encarnado confiou à sua Igreja a tarefa de ensinar a todos os povos a doutrina imutável de Deus, que conduz o gênero humano à salvação. “Daí ser necessária uma santa astúcia para guardar a fé", conclui o Papa Francisco [10]. Eis, portanto, o que deve fazer todo católico com sua fé: guardá-la como um tesouro.
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