A beatificação do jovem Carlo Acutis chamou a atenção dos católicos no mundo inteiro. Na internet, há alguns meses, não se falava de outra coisa. O túmulo do beato, em Assis, recebeu a visita de mais de 40 mil pessoas só na primeira quinzena de outubro, mesmo em meio a severas restrições devido à pandemia do novo coronavírus. 

Infelizmente, porém, como acontece com seja qual for a devoção, a seja qual for o santo, poucas pessoas procurarão ir a fundo na história desse menino e fazer-se realmente devotas dele, imitando-lhe a vida e as virtudes.

O que é uma pena, pois a primeira biografia a seu respeito, escrita pelo italiano Nicola Gori, encontra-se facilmente à disposição em língua portuguesa no site Cultor de Livros, e todos os jovens católicos brasileiros fariam um bem enorme a si, a seus amigos, a seus familiares, a seus grupos de oração, a todos que os rodeiam, enfim, se procurassem ler e estudar a vida do agora beato Carlo.

Os santos não se improvisam!

Sim, pois não basta nutrir, com relação a ele, o entusiasmo superficial de quem se identifica com sua camisa polo, com seu tênis de marca, com seu amor por videogames ou com sua aptidão geral para as novas tecnologias. Todos esses aspectos contemporâneos do Carlo são, sem dúvida, um estímulo para nós, mas não devemos parar neles, pois a essência da santidade está em outras coisas, não nestas. A esse respeito, o escritor Peter Kwasniewski teceu algumas considerações muito relevantes, justamente ao escrever sobre os santos mais novos da Igreja:

No que tange aos santos que viveram sob a nova barbárie cultural de nossos tempos, devemos tomar o cuidado de não “canonizar”, junto com a santidade deles, algo incidental a respeito de suas vidas modernas. Isso vai acontecer com bastante frequência de agora em diante. “Ah, o Beato Betinho gostava tanto de música pop! Não é maravilhoso? A música pop agora faz parte da santidade! Não importa o que você escuta ou dança!”, ou: “A Santa Carol amava sair por aí de moletom e com camiseta rosa fluorescente! Acredito que não importa mais como você se veste quando o assunto é ser santo”. É possível imaginar todos os tipos de cenários e falsas inferências como essas.

O modo de contornar esse problema — que, para ser justo, tem paralelos em toda época da Igreja; por exemplo, os santos da Idade Média tinham notavelmente uma má higiene, mas ninguém, ao meu conhecimento, sugere que os devamos imitar nesse aspecto — é lembrar a relação, e a distinção, entre fé e razão, natureza e graça. Um homem notável por sua santidade pode não o ser nos argumentos que apresenta de teologia; uma mulher de santidade indiscutível pode não ter bom gosto em matéria de arte. Como discípulos do Doutor Comum da Igreja, Santo Tomás de Aquino, precisamos ser capazes de fazer distinções e imitar o que merece ser imitado, desculpando, ao mesmo tempo, o que pode ser desculpado, ou ignorando o que é melhor que seja ignorado.

Considere o seguinte: se fosse necessário escolher, melhor seria dedicar-se à oração e ouvir música medíocre, ou vestir-se de modo medíocre, do que ser um egoísta mentiroso com gosto impecável em abotoaduras e gravatas-borboleta; mas o melhor é ser, ao mesmo tempo, santo e bem educado, piedoso e inteligente, porque isso representa uma perfeição mais completa da humanidade tal como Deus a pensou. Graças sejam dadas a Ele por podermos alcançar a bem-aventurança apesar de certos defeitos nossos, mas nem por isso eles se tornam admiráveis ou dignos de imitação.

Trocando em miúdos: se o menino Carlo Acutis vier a ser canonizado, não será porque ele “manjava” de informática ou de jogos virtuais. Isso é acidental à santidade. (A propósito, se o quiséssemos imitar inclusive nesses aspectos, valeria a pena considerar também que, como penitência, Carlo não despendia em seu PlayStation 2 mais do que uma hora por semana — um tempo certamente bem inferior àquele com o qual estão acostumados nossos jovens. A santidade não se resume a isso, é certo, mas o exemplo é válido para reforçar a ideia: se vamos imitar o beato, que seja no que ele fazia de beatificante, e não só no que nos parece mais agradável ou atrativo!)

A pureza de Carlo

Comecemos a desenhar um retrato da santidade de Carlo a partir da pureza, que ele viveu com grande fidelidade, mesmo em meio aos inúmeros perigos que nossa época apresenta para a vivência dessa virtude. A mãe do menino e um rapaz que trabalhava em sua casa testemunham: ele “tapava os olhos com as mãos se passasse algum programa ou propaganda escandalosos na televisão” [1]. Os registros do computador que ele utilizava atestam a mesma delicadeza de consciência: nenhum vestígio de acesso a algum site da internet que fosse menos decente. 

No relacionamento com as meninas, seu comportamento era o apropriado para um rapaz de sua idade (lembrando que Carlo morreu com apenas 15 anos): nada de “namoricos” indevidos, nem de interesses precoces. O menino chegaria a declarar, com a maturidade própria de quem compreendeu o que significa amar a Deus de modo esponsal: “Nossa Senhora é a única mulher da minha vida!” [2].

Carlo Acutis, quando criança.

Esses fatos não estão muito além do que se deve esperar de um discípulo de Cristo, sim, mas precisam ser recordados a uma época como a nossa, que tanto avançou na degradação da sexualidade e que corrompeu a sua juventude praticamente sem deixar sobreviventes. O acesso à pornografia, por exemplo, nunca foi tão fácil como agora, e as crianças e adolescentes estão tendo contato com esse tipo de conteúdo cada vez mais cedo, com consequências seriíssimas para sua saúde mental, física e espiritual. 

Se quisermos ser verdadeiros devotos do beato Carlo Acutis, precisamos “correr atrás do prejuízo”, se já fomos manchados de alguma forma nessa matéria, procurando imitá-lo na penitência, já que perdemos a nossa primeira inocência [3]. Mesmo os que foram preservados, no entanto, não devem dormir jamais: quando o assunto são os pecados contra a castidade, confirma-se com ainda mais força que o nosso adversário “ronda como um leão a rugir, procurando a quem devorar” (1Pd 5, 8).

Os que já servem a Deus, enfim, seja na vocação do Matrimônio, seja no celibato ou na vida consagrada, podem aprender com Carlo a experiência do coração indiviso, que ele viveu como uma graça extraordinária desde a mais tenra idade. Será que nós temos real dimensão do que é um menino proclamar, de coração, que a Santíssima Virgem é a “única mulher” da sua vida? 

Deixemos que essa declaração íntima de amor, de uma criança a sua Mãe celeste, nos impressione e examine a consciência, elevando nossos corações ao alto, purificando nossa relação com Deus, ordenando, enfim, nossos amores nesta terra. Afinal de contas, a que outra pessoa nos uniremos por toda a eternidade, sem morte alguma que nos venha a separar, senão a Deus, Nosso Senhor?

Carlo já vivia aqui, nesta vida, o que ele agora experimenta no Céu.

Carlo e a eternidade

E como pensava no Céu o pequeno Carlo, como o queria, como ansiava por ele! Seu contato com tudo quanto era livro de espiritualidade, vida dos santos, revelações privadas, não tinha como motor uma simples curiosidade malsã e desordenada; não, era um desejo da vida eterna que o impulsionava

  • Quando lia sobre os milagres eucarísticos, era para aumentar seu fervor na participação da Santa Missa — à qual ele assistia todos os dias. 
  • Quando lia relatos extraordinários sobre o Purgatório, era para rezar mais pelas almas, para buscar mais intensamente o Céu e para se estimular no combate aos próprios vícios — dos quais, ele mesmo dizia, a gula e a preguiça eram os principais [4]. 
  • Quando lia sobre as mais diversas devoções que o tesouro de dois mil anos da Igreja lhe oferecia — fosse a devoção ao Sagrado Coração, à Divina Misericórdia, à Virgem de Fátima ou à de Lourdes —, era para crescer cada vez mais em amor a Jesus e Maria. 

Justamente porque tinha os olhos voltados para o alto, era visível em Carlo uma conformidade profunda com a vontade de Deus. Um colega de escola que passou anos ao seu lado conta: “Um aspecto dele que me tocou muito era que, além de uma fé que vi em poucos, tinha um senso de satisfação e de felicidade por cada momento da vida, fosse feliz ou triste: sempre encontrei em seu rosto um sorriso sem limites” [5]. 

Numa sociedade que se preocupa continuamente com o número crescente de suicídios entre seus jovens, não deixa de ser significativa mais essa característica do pequeno Carlo Acutis. Seu segredo, porém, não pode ser buscado neste mundo. Esse “senso de satisfação” que brilhava em seu rosto é um dom que recebem todos os que amam a Deus: para estes, de fato, tudo concorre para o bem (cf. Rm 8, 28); os santos sempre estão felizes, porque querem o que Deus quer. Quando são contrariados, homens da estirpe de Carlo Acutis — movidos, é claro, pela graça divina — não lamentam, nem reclamam: maduros que são, o que eles fazem é oferecer, doar-se.

Foi o que ele fez nos últimos dias de sua vida. Como viveu, Carlo morreu. Preparado por Deus ao longo de sua breve vida, a notícia da leucemia não foi um “baque” para ele, nem seus sofrimentos finais foram capazes de perturbá-lo e tirar-lhe a paz da alma. De fato, antes de ser internado em definitivo no hospital, com prontidão de espírito aquele jovem declarou (percebam como ele não perdia de vista a eternidade, como ele a desejava!...): “Ofereço todo o sofrimento que deverei padecer no Senhor pelo Papa e pela Igreja, para não ir ao purgatório e entrar direto no céu” [6].

“Ofereço”, ele dizia. Eis aí uma palavra forte, que as pessoas não costumam esperar da boca de um adolescente. 

Mas Carlo, não obstante os jeans, os tênis e os videogames, não era um jovem comum. Os que conviviam com ele já diziam: “Parecia ser mais velho do que era” [7]. Enquanto uns só amadurecem aos 20 ou 30, com apenas 15 anos Carlo já estava pronto: pronto para o sacrifício de sua vida, pronto para o seu holocausto de amor a Deus. No hospital, se lhe perguntavam como estava, ele dizia: “Como sempre, bem!”. Nas palavras de uma enfermeira, “Carlo era uma daquelas pessoas que, quando alguém lhe oferece a mão, segura-a com amor e transmite serenidade, uma serenidade maior do que a que eu deveria lhe oferecer” [8].

Foi assim, aceitando plenamente os desígnios de Deus para si e fazendo-se tudo para os outros, que morreu, no dia 12 de outubro de 2006, o jovem Carlo Acutis.

Aos olhos do mundo, seu falecimento aos 15 anos pareceu, desde então, uma perda irreparável. Muitos dos que o conheceram não podiam se conformar com o fato de aquele menino, precoce em tudo, ser precoce também para morrer. Uma religiosa de clausura, porém, que conheceu Carlo, e que o viu receber precocemente a primeira Eucaristia o sacramento da Crisma, encontrou na Sagrada Escritura [9] o motivo para Deus levar tão cedo deste mundo aquele jovem rapaz: “Sua alma era agradável ao Senhor, e é por isso que ele o retirou depressa do meio da perversidade” (Sb 4, 13-14).

Notas

  1. Nicola Gori. Eucaristia, minha estrada para o Céu. São Paulo: Cultor de Livros, 2020, p. 42.
  2. Ibid., p. 81.
  3. Esse conhecido jogo de palavras encontra-se na oração que a liturgia da Igreja propõe para a memória de São Luís Gonzaga, padroeiro da juventude.
  4. Nicola Gori, op. cit., p. 102.
  5. Ibid., 44.
  6. Ibid., p. 131.
  7. Ibid., p. 35.
  8. Ibid., pp. 133s.
  9. Ibid., p. 99.

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