Um jargão muito usado pelos defensores da eutanásia é o chamado direito de "morrer com dignidade". Para eles, a vida só vale a pena quando é isenta de qualquer tipo de fadiga ou incômodo, e, portanto, se padecemos de alguma doença grave ou incurável, é nosso direito recorrer ao suicídio — embora não usem essa palavra — a fim de evitarmos o sofrimento.

É claro que essa mentalidade materialista, que infelizmente contaminou alguns cristãos mundo afora, nada tem que ver com o cristianismo e a verdadeira dignidade humana. Trata-se, antes, de uma atitude egoísta e anti-humana, em nome da qual muitas injustiças já foram cometidas ao longo da história: eugenia, campos de concentração, esterilização em massa etc. A vida humana encontra sua dignidade justamente quando está aberta ao amor, este dom que se expressa sobretudo na capacidade de sofrer pelos irmãos, em especial, pelos mais indefesos. Isso é que nos torna humanos e dignos de viver.

Ademais, os sofrimentos podem adquirir uma dimensão humana ainda mais especial se vistos com os olhos da fé. Vejamos o exemplo de Madre Angélica. Mesmo nos instantes finais de sua vida, ela continuou a ensinar o catolicismo com o mesmo vigor pelo qual se tornou conhecida, mas desta vez, através do significado redentor do sofrimento. Como descreveu padre Joseph Wolfe, capelão da EWTN, durante um sermão em memória da fundadora da mesma TV católica, cujo falecimento noticiamos aqui, Madre Angélica viveu instantes de profunda agonia até o Domingo de Páscoa.

"Era Sexta-feira Santa… Madre Angélica começou a chorar compulsivamente logo pela manhã por causa das dores que estava vivendo… Era possível ouvi-la pelos corredores", contou o sacerdote. De acordo com padre Wolfe, Madre Angélica havia dado instruções aos seus cuidadores para que não lhe dessem qualquer tipo de analgésico, pois ela queria oferecer suas dores finais a Jesus. "A maioria de nós não pensaria desse jeito. Nós pensaríamos: 'Tire-me daqui…'. O que se vê nesta imagem [de Madre Angélica] é o amor de Deus", enfatizou.

A atitude de Madre Angélica está em profunda sintonia com os ensinamentos de São Paulo, cuja pregação sempre viu nos sofrimentos um meio pelo qual os cristãos poderiam participar com Cristo em Sua ação redentora. Lemos isso claramente neste trecho da carta do apóstolo aos fiéis de Colossas: "Completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja" (1, 24). Neste sentido, os católicos lidam com as contrariedades da vida não somente como algo a ser pacientemente suportado, mas como algo que, quando amorosamente unido a Cristo, ajuda a salvar o mundo. Como se pode notar, o modo de sofrer dos cristãos é diametralmente oposto ao dos masoquistas, que se automutilam simplesmente por prazer desordenado, ao passo que os cristãos aceitam o sofrimento por amor ao próximo.

Madre Angélica morreu com 92 anos após um longo período de doença, incluindo dois derrames em 2001, que tornaram difícil para ela falar e forçaram-na a usar um tapa olho sobre seu olho esquerdo. Ela também experimentou o sofrimento em sua juventude quando um acidente envolvendo uma máquina industrial deixou-a usando muletas. Em seu sermão, Padre Wolfe explicou que Madre Angélica queria que cada dia fosse "um ato a mais de sofrimento por Deus". "Este é o grande poder na Terra, o amor a Deus que vem a nós em Nosso Senhor Jesus Cristo. Isto foi algo que Madre Angélica entendeu. Ela queria amá-lO de volta. Isso foi sua vida toda", esclareceu o capelão da EWTN. Pouco antes de morrer, contou padre Wolfe, Madre Angélica viveu dores excruciantes, isto é, próprias da cruz.

Os relatos de Padre Joseph Wolfe sobre as horas finais de Madre Angélica podem trazer à memória de muitos a morte de São João Paulo II. Por causa de seu ofício público, todos foram testemunhas da grande dor pelo qual o santo pontífice teve de passar antes do fatídico 2 de abril de 2005. Na verdade, tanto Madre Angélica como São João Paulo II, aproveitando o que disse um de seus amigos mais íntimos, deram um testemunho para o mundo do que é verdadeiramente "morrer com dignidade". Aliás, é da pena do Papa Wojtyla estas palavras cortantes sobre o valor salvífico do sofrimento [1]:

Ainda que São Paulo tenha escrito na Carta aos Romanos que "toda a criação tem gemido e sofrido as dores do parto, até ao presente", e ainda que os sofrimentos do mundo dos animais sejam bem conhecidos e estejam próximos ao homem, aquilo que nós exprimimos com a palavra "sofrimento" parece entender particularmente algo essencial à natureza humana. É algo tão profundo como o homem, precisamente porque manifesta a seu modo aquela profundidade que é própria do homem e, a seu modo, a supera. O sofrimento parece pertencer à transcendência do homem; é um daqueles pontos em que o homem está, em certo sentido, "destinado" a superar-se a si mesmo; e é chamado de modo misterioso a fazê-lo.

O Papa é muito claro: o sofrimento é algo essencial à natureza humana. Isso não significa, atenção, que devamos nos conformar com as dificuldades, numa atitude de passividade e indiferença. Como o próprio São João Paulo II afirma, a existência do sofrimento em nossas vidas é um chamado à "transcendência", ou seja, a buscar caminhos de superação pessoal como também comunitária, encontrando no sofrimento que faz parte da vida um significado para além das circunstâncias pessoais e sociais do momento, como fez, por exemplo, o psicólogo Viktor Frankl, durante seu exílio no campo de concentração. Foi através da dor terrível que viveu naquele lugar que Frankl pôde descobrir o "sentido da vida", por assim dizer, e desenvolver uma belíssima abordagem psicológica para a compreensão do ser humano: a Logoterapia. Se Frankl fosse um adepto da "eutanásia", não teria nos agraciado com sua grande descoberta.

Na doutrina cristã, ainda mais, o sofrimento é a porta de acesso ao grande amor de Deus por nós. É a via da cruz, a via da nossa salvação. Imitemos, portanto, o testemunho de Madre Angélica e de tantos santos que, abraçando suas cruzes e vivendo a paixão de Cristo em suas vidas, corredimiram a humanidade, unidos ao inesgotável amor de Jesus.

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